Folha de S.Paulo

Grandes esperanças

- Pq. Ibirapuera - av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, São Paulo. 16 anos. Dom. (19), às 19h35. A partir de R$ 660

“Fizemos tudo o que dava”, afirma Stephen Malkmus, fundador do Pavement. “Não tínhamos empresário nem ajuda com a parte criativa. Era tudo feito por nós. Há algo bom nisso, mas uma hora fica repetitivo. Depois de dez anos, estava exausto. Não era porque não gostávamos uns dos outros, ou porque estávamos mortos criativame­nte. Só que, se tínhamos de pintar as paredes de novo, por que não mudar de casa?”

Hoje, é como se Malkmus vivesse um pouco daquilo que cantou em “Range Life”, música de “Crooked Rain, Crooked Rain”, álbum de 30 anos atrás que é o mais conhecido do Pavement. Na letra, o artista projeta uma vida ordinária para um roqueiro após a rebeldia jovem e a fama e ainda tira sarro das bandas da cena undergroun­d que ganharam o mainstream —fenômeno puxado pelo estouro do Nirvana de Kurt Cobain.

Um dos exemplos que ele usa na letra, os Smashing Pumpkins, já rendeu histórias curiosas. Em 2010, quando o Pavement trouxe seu show de reunião ao Brasil pela primeira —e mais recente— vez, eles tocaram no mesmo palco e dia do grupo de Billy Corgan, no hoje extinto festival Planeta Terra.

Na época, o vocalista dos Pumpkins disse em entrevista que, se encontrass­e alguém do Pavement nos bastidores, sairia na porrada. “Eles, que deveriam ser o símbolo dos valores alternativ­os, são ‘vendidos’ que tocam as músicas velhas porque precisam de dinheiro”, disse Corgan na época. “Seria uma briga de mentirinha”, afirma Malkmus hoje. “Tem gente legal nos Pumpkins.”

A inclusão da banda na letra, ele afirma, era uma brincadeir­a. “Foi um improviso que fiz ali no momento, meio como um rap. Não sei nem por que, já que nem rima direito. Era um ‘beef’, como fazem no hip-hop. Algo irônico. Não me importo se os Pumpkins são bons ou ruins.”

Esse estilo de fazer poesia um tanto hilário de Malkmus sempre foi uma marca do Pavement. As referência­s ao rap não são sem sentido, já que o compositor foi influencia­do pelo gênero, além de sempre ter tido uma acidez provocativ­a e ousada nos jogos de palavras como um MC —muitas vezes, importa mais como uma frase soa do que seu sentido lógico.

Em termos de letra, as músicas do Pavement flertam com um certo dadaísmo, têm um humor autoconsci­ente e um desdém próprio da juventude. “Quando você é jovem, vem naturalmen­te. Muitas ideias, muita confiança e muita coisa que vem da experiênci­a de ser uma pessoa como eu —ou seja, com uma mente estranha”, ele diz, antes de pedir ajuda à mulher no carro para tirar o celular do alto-falante.

Em outro momento da entrevista, ele filma a filha adolescent­e mostrando o dedo do meio e soltando alguns palavrões para xingar Donald Trump, ex-presidente americano que concorre novamente ao cargo neste ano. Em 2020, Malkmus fez campanha para Bernie Sanders, político de esquerda do país que acabou preterido pelo atual presidente, Joe Biden, do Partido Democrata.

“Biden não fez muita coisa”, ele afirma. “A razão de eu não estar tão alarmista [com uma volta de Trump ao poder] como antes é que Biden é tão ensimesmad­o que não faz o que diz. Fica tudo igual, seja com ele, seja com Trump. Claro que há diferenças, veja bem, não vou votar em Trump. Mas também não gosto de Biden. É difícil ser alguém de esquerda nos Estados Unidos.”

Neste século, Malkmus se tornou uma entidade do indie americano e usa sua verve insólita para manter uma carreira bem estabeleci­da no circuito alternativ­o, sozinho ou acompanhad­o pela banda Jicks —esta, com quem veio ao Brasil pela última vez, em 2013. Aquela turnê, aliás, rendeu a fotografia tirada no camarim de uma casa de shows de São Paulo que estampa a contracapa do disco “Wig Out at Jagbags”, lançado há dez anos.

Desta vez com o Pavement, ele deve tocar pelo menos uma música de cada um dos seis álbuns que a banda lançou —de 1992, quando saiu o primeiro, “Slanted & Enchanted”, e 1999, quando acabou. O grupo, também formado por Scott Kannberg, Mark Ibold, Bob Nastanovic­h e Steve West, se reuniu pela primeira vez em 2010 e, depois, em 2022, depois de um convite do festival Primavera Sound de Barcelona.

O reencontro com o Brasil é muito esperado pelo vocalista, que lista cidades como Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre como lugares de onde guarda boas lembranças. Malkmus também tem viva a memória da arquitetur­a e dos prédios antigos de São Paulo, onde agora ele espera conseguir ir a um bom restaurant­e de comida japonesa —algo que lamenta não ter conseguido antes.

Mas, mais que marcar um reencontro com a cidade, e com os fãs brasileiro­s, o show da banda faz uma reconexão nostálgica com a juventude —umaenergia­queMalkmus só acha no Pavement. “É uma melancolia de moleque”, ele afirma, já um tanto cansado de refletir sobre a própria arte. “Aquela coisa punk e fresca de ser a primeira vez. Sei lá. Próxima pergunta.”

Influência para incontávei­s bandas de rock alternativ­o, ele já virou até música —“I Wish I Was Stephen Malkmus”, ou eu queria ser Stephen Malkmus, da cantora Beabadoobe­e. Mas, se o Pavement é o pai do indie, o que ele acha de sua prole?

“Eles têm de estudar mais, ir dormir cedo e arrumar o quarto”, brinca. “Gosto de todo mundo que gosta de mim ou me cita como referência.”

A segunda edição do C6 Fest, que recebe o Pavement, vai acontecer em São Paulo no parque Ibirapuera.

Na noite do próximo domingo, a banda encerra a noite na Tenda MetLife, após apresentaç­ões do cantor e compositor brasileiro Jair Naves, da banda britânica Squid, da cantora americana Noah Cyrus e da também americana Cat Power. Esta última cantará faixas de um álbum feito em homenagem a Bob Dylan, no qual interpreta canções do músico e vencedor do prêmio Nobel.

No mesmo dia, a Arena Heineken recebe a dupla americana Paris Texas, os britânicos do Young Fathers e o canadense Daniel Caesar, que encerra a noite. O espaço também recebe o Baile Cassiano, que vai reunir Preta Gil, seu filho Fran Gil, Liniker, Luccas Carlos e Negra Li para um grande show. O Auditório Ibirapuera terá apresentaç­ões de Dinner Party e Chief Adjuah.

Outros destaques da programaçã­o são a dupla americana Black Pumas e a cantora britânica Raye —nome bastante conhecido desde que ela alcançou o topo das paradas com a faixa “Escapism.”—, que se apresentam na Arena Heineken no sábado. Nesse mesmo dia, acontece o show em conjunto dos cantores Jaloo e Gaby Amarantos,naTendaMet­Life.

Pavement

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Chad Batka/NYT O músico Stephen Malkmus

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