Luiza Romão encena o seu premiado livro de poemas no palco do teatro
Diogo Bachega
Luiza Romão sobe ao palco com o cabelo moldado como um elmo romano e os olhos manchados de preto. O traje, como os lábios, são de um vermelho vivo. Ela veste uma versão atualizada pela estilista Claudia Schapira de seu figurino, espécie de armadura de guerra usada na poesia falada. Sozinha em cena, ela assume várias vozes.
A escritora, que também é atriz, leva agora aos palcos do Sesc Vila Mariana seu “Também Guardamos Pedras Aqui”, o principal vencedor do prêmio Jabuti há dois anos. É uma conversa crítica e feminista em forma de poesia com “A Ilíada”, uma das obras fundadoras do Ocidente. A peça parte das apresentações que a poeta fez a partir de seu livro, agora acompanhado de jogos de luzes, sons e projeções.
Questionada sobre levar seus poemas a novos formatos, Romão diz que o palco sempre está presente em sua obra. “A palavra poética nunca foi separada da palavra performada. A poesia chega para mim através da cena, onde é composta pelo texto, mas também pelo encontro e por tudo aquilo que extravasa o significado do texto”, ela afirma. “A tensão da competição, a recepção do público, o espaço urbano, a pessoa que passa, a sonoridade da cidade.”
De certa forma, “Também Guardamos Pedras Aqui” foi mesmo um roteiro para a encenação desde o começo. “Ia vocalizando durante a composição dos poemas. Já tinha esse desejo de tornar uma cena.”
O livro, no entanto, foi publicado durante a pandemia de coronavírus. Incapaz de estar cara a cara com o público, Romão transformou sua obra em poesia filmada. Anos depois, a poeta finalmente apresenta o trabalho sobre o palco.
Livro, performance e peça compartilham alguns dos mesmos temas. Ganham destaque as mulheres da “Ilíada”, vozes quase ausentes no livro de Homero. Estão lá também certos paralelos entre os escombros do Ocidente antigo e os do Brasil de hoje. Afinal, como ela escreve e declama, “também guardamos pedras aqui / do outro lado do oceano”.
“Vejo que existe uma continuidade nesse projeto colonial e de massacre do outro que começa lá atrás. Essa necropolítica, para dizer nos termos do Achille Mbembe, que citamos no espetáculo, vai se aperfeiçoando e continua até hoje”, ela afirma. É essa continuidade que levou Romão a conversar com o cânone ocidental, em vez de o ignorar.
“Não estudamos outras possibilidades estéticas que não sejam a partir do cânone. Minha premiação é reflexo de uma cena maior do que eu. Já não dá para a literatura ‘com ‘L’ maiúsculo’ não olhar mais para a poesia performativa.”
Ainda que trajada para a batalha e buscando novas conquistas, ao menos no slam, Luiza Romão guardou suas armas. Ela não se afasta da cena, mas já não participa das batalhas de poesia, já que ascendeu ao status de convidada ilustre.
A poeta pesquisa futebol pela Universidade de São Paulo e, apesar de ainda estar encontrando seu tema, pretende tirar disso uma próxima obra. Ela não descarta a possibilidade de voltar a confrontar grandes livros do cânone ocidental, como já fez.
Também Guardamos pedras Aqui
Direção: Eugênio Lima. Com: Luiza Romão. Sesc Vila Mariana - r. Pelotas, 141, São Paulo. 16 anos. Sex., às 20h; sáb., às 18h e às 20h. Até 18 de maio. R$ 40, em sescsp.org.br