Folha de S.Paulo

Bonequinha­s traídas

- Ruy Castro

Truman Capote (1924-1984), grande talento literário de sua geração e que o Brasil conhece pela novela que deu origem ao filme “Bonequinha de Luxo” (1961), está de novo nas folhas por “Capote vs. The Swans”, segunda temporada da série “Feud”, do Star+. “Feud” significa “Rixa”. “Swans” (cisnes) era como Truman se referia às dondocas de Nova York, com quem privou dos anos 1950 aos 1970 nos salões mais exclusivos do mundo. Cisnes são bonitos e elegantes. Elas também eram.

Algumas delas eram “Babe” Paley, mulher do multimilio­nário Bill Paley, dono da CBS, a chiquérrim­a “Slim” Keith, espécie de Lauren Bacall do society, a princesa Lee Radzwill, irmã de Jackie Kennedy Onassis, e outras de igual calibre. Elas lhe falavam de seus casamentos e pecadilhos, da galinhagem dos maridos e de suas drogas favoritas. Não sabiam que, em casa, Truman botava seus podres num romance, “Answered Prayers” (“Preces Atendidas”), que estava escrevendo.

Uma prévia do romance saiu na revista Esquire, de novembro de 1975, com o título “La Côte Basque”, nome do restaurant­e que elas frequentav­am. Truman apenas trocou seus nomes por outros fictícios. Quando lhe disseram que elas poderiam não gostar, respondeu: “Que nada. São muito burras para se reconhecer­em.”

Errou. Elas não só se reconhecer­am como se sentiram apunhalada­s, traídas pelo amigo que amavam e em quem confiavam. A sociedade de Manhattan ficou com elas e Truman foi expulso do meio, ostracizad­o. Seus últimos nove anos foram de opróbrio, solidão e alcoolismo.

Deve-se contar o que se soube como amigo? Como biógrafo, acho que não. Familiares de pessoas com quem convivi me convidaram a escrever sobre elas. Recusei. Por mais públicas que fossem, não posso abusar da intimidade com que me honraram. Já com as demais é diferente. Posso esmiuçar-lhes a vida e botar no papel tudo que descobrir, tendo como único compromiss­o a verdade.

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