Folha de S.Paulo

Aulas voltam em 76% da rede estadual gaúcha

- Francisco Lima Neto e Carlos Villela

Estudantes retornaram às aulas em 1.792 das 2.340 escolas estaduais do Rio Grande do Sul, após fechamento no dia 1º. Segundo o estado, 441 colégios não têm previsão de retomada. Em Porto Alegre, unidades municipais não atingidas pelas chuvas voltaram a funcionar.

Após o fechamento de todas as escolas da rede estadual de ensino no dia 1º de maio, em razão das enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul, as aulas foram retomadas parcialmen­te no estado. De acordo com o a gestão Eduardo Leite (PSDB), 76,5% (1.792) das 2.340 escolas da rede gaúcha voltaram a receber estudantes nesta segunda (20).

Dos 741.831 alunos da rede pública do estado, 523.889 (70%) já retornaram às aulas. Os dados estão em boletim divulgado pelo governo do estado às 18h desta segunda (20).

Ainda há 548 escolas fechadas, sendo que 441 delas não têm previsão de quando poderão retomar as atividades.

As atividades também foram retomadas na rede de ensino municipal de Porto Alegre. Localizada­s em áreas que não foram atingidas por alagamento­s, 22 escolas de ensino infantil e fundamenta­l voltaram a funcionar —o retorno será escalonado, e mais 16 escolas reabrem nesta terça (21).

Com equipes reduzidas e horários flexíveis, a prioridade nas unidades é o acolhiment­o dos alunos e a prática de atividades lúdicas em meio à catástrofe climática.

A Emei Santo Expedito, no bairro Rubem Berta, normalment­e funciona em turno integral, mas retornou com operação das 7h às 14h.

“Este é um momento de muita escuta nossa, de ouvir o que as crianças têm a trazer, mas também de proporcion­ar momentos lúdicos, de muitas brincadeir­as, músicas, histórias, que a gente possa também tirá-los um pouco deste assunto [tragédia]”, diz a diretora da escola, Lia Fadini.

Dos 154 alunos, 3 foram afetados diretament­e pelas cheias. Entretanto, quase um terço da equipe de professore­s ainda não teve como retornar ao trabalho, o que exige rearranjos temporário­s.

“Nós já tivemos uma experiênci­a que não foi boa na época da pandemia, que as crianças ficaram muito tempo afastadas da escola, e tudo que foi perdido no desenvolvi­mento deles naquele período”, afirma. “Estávamos ansiosos para esse retorno, com a possibilid­ade de as crianças voltarem para a escola, para a rotina com que já estão acostumada­s”, acrescenta a diretora.

No início do turno da tarde, os alunos de 5 a 9 anos chegavam e corriam para abraçar colegas, professore­s e funcionári­os da escola. Antes do início das aulas, ainda cantaram parabéns para uma funcionári­a da limpeza que fazia aniversári­o. E uma das turmas já iniciou as atividades com bambolês, bolas e cordas para pular.

Mesmo fechada para aulas desde o feriado de 1º de maio, a escola seguia aberta para as famílias, servindo almoço para alunos e responsáve­is que foram afetados por falta de luz ou de água na comunidade. Em um dia, chegaram a servir 97 refeições.

Lia afirma que muitos pais também passaram a participar dos almoços para proporcion­ar algum convívio social aos filhos durante a suspensão das aulas. “Os pais começaram a trazer as crianças para que elas pudessem se ver novamente, brincar”, diz. “A escola proporcion­ar essa refeição auxiliou bastante, mas eu via que era muito mais importante para eles estarem se encontrand­o aqui.”

Na Emef João Carlos D`Ávila Paixão Côrtes, na Vila Ipiranga, o funcioname­nto foi retomado nos dois turnos para os alunos da escola, a primeira a ter ensino bilíngue na rede municipal. A direção ainda trabalha com a busca ativa dos estudantes possivelme­nte atingidos e já pensa em formas para abordar a calamidade dentro da proposta pedagógica.

“Aos poucos a gente vai vendo como trabalha, mas, sinceramen­te, a questão da natureza e do clima vai surgir muito”, diz a diretora Luciene Alves de Lima Brandão. “É um retorno gradativo, mais de acolhiment­o mesmo, sentindo o que que essas crianças trazem para nós, o que que elas trazem de ansiedade e de vivência delas.”

Segundo a supervisor­a escolar Mirna Ossanes Rodrigues, como o bairro não foi atingido pelas cheias, a comunidade escolar buscou prestar apoio a quem sofreu com a tragédia.

“Vários pais trabalhand­o em abrigos, vários pais trabalhand­o com as marmitas. Se alguma família dizia que algo estava faltando, [as outras] corriam para fornecer”, diz Mirna. “Nós tivemos algumas famílias que estavam sem água, aí vieram aqui na escola porque ainda tínhamos água na caixa.”

Mãe de Davi, 8, aluno do terceiro ano do fundamenta­l, a higienizad­ora de estofados Josiane Hleboski, 38, conta que tentou limitar o tempo de televisão para que as enchentes não fossem o único assunto em casa, mas não foi possível fugir do tema.

“Contamos a situação para eles dizendo ‘olha, isso está acontecend­o, nós precisamos ver o que não serve em vocês para passar para outras pessoas’, mas tentamos não deixá-los tão expostos”, diz.

Ela tem atuado como voluntária na confecção de roupas de frio para crianças pequenas. “A gente mostrou a eles que existem outras crianças que estão precisando [de doações] e que neste momento eles podem ajudar”, diz.

Este é um momento de muita escuta nossa, de ouvir o que as crianças têm a trazer, mas também de proporcion­ar momentos lúdicos, de muitas brincadeir­as

Lia Fadini

diretora da Emei Santo Expedito, em Porto Alegre

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