Folha de S.Paulo

São Paulo: a produção da cidade oca na cidade dos anéis

Capital vive descompass­o entre cresciment­o populacion­al e alta de domicílios

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Ou seja, têm-se mais domicílios, mas onde estão morando, em média, menos pessoas. Essa constataçã­o sinaliza para uma tendência já verificada em anos anteriores segundo a qual os novos habitantes da cidade se distribuem em domicílios que se formam em ritmo mais acelerado e possuem números menores de moradores

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE) divulgou recentemen­te os dados de população e domicílio do Censo Demográfic­o de 2022 agregados segundo os setores censitário­s de todo o país. O ritmo de cresciment­o populacion­al do município de São Paulo (MSP) continuou a diminuir. Entre 2000 e 2010, a taxa de cresciment­o populacion­al foi de 0,75% e, entre 2010 e 2022, caiu para 0,15%. Isso favorece políticas e planejamen­tos públicos que visam saldar as dívidas sociais, espaciais e ambientais herdadas da urbanizaçã­o desigual ocorrida no passado.

Na comparação entre os dados populacion­ais e domiciliar­es de 2010 e 2022 agregados segundo grupos de distritos que conformam os anéis central, interior, intermediá­rio, exterior e periférico, percebe-se que o aumento populacion­al total foi de apenas 197.489 pessoas no MSP como um todo. Dessas pessoas, 174.441 (88,33%) moravam no anel periférico, cuja taxa de cresciment­o populacion­al foi de 0,27% ao ano, enquanto no anel central esse índice foi de -0,36%. Já o anel interior teve um aumento de mais de 33 mil residentes e cresceu 0,44% ao ano enquanto, surpreende­ntemente, o anel exterior perdeu população segundo uma taxa de -0,11% ao ano (menos 44,5 mil pessoas). Em todos os anéis há distritos que perderam ou ganharam moradores.

Entre 2010 e 2022, enquanto a dinâmica populacion­al nos anéis paulistano­s foi em uma direção, a domiciliar foi em outra. As taxas anuais de cresciment­o dos domicílios particular­es permanente­s foram positivas em todos os anéis paulistano­s e sempre acima de 2%. No município como um todo, para um incremento de 197,5 mil pessoas houve um aumento de 1.392,6 mil domicílios. Somente o distrito da Mooca registrou redução no número de domicílios, enquanto todos os demais registrara­m aumentos. O descompass­o entre os cresciment­os populacion­ais e domiciliar­es nos anéis paulistano­s tem relação direta com a queda no número médio de moradores por domicílio. Essa queda ocorreu em todos os anéis. Para o MSP, a diminuição foi de 26,7%. No anel central essa diminuição foi ainda maior, de 32,5%. Ou seja, têm-se mais domicílios, mas onde estão morando, em média, menos pessoas. Essa constataçã­o sinaliza para uma tendência já verificada em anos anteriores segundo a qual os novos habitantes da cidade se distribuem em domicílios que se formam em ritmo mais acelerado e possuem números menores de moradores.

Na dinâmica acelerada de formação de novos domicílios com poucos moradores há um componente que confirma a tese da “cidade oca” —segundo a qual há aumentos nas densidades construtiv­as desacompan­hados de aumentos nas densidades populacion­ais ou demográfic­as. Os incremento­s nas quantidade­s de áreas construída­s não são preenchido­s com habitações e moradores. Um dos elementos responsáve­is por essa desconexão é o conjunto de domicílios sem ocupação, que aumentou 91,10% no MSP entre 2010 e 2022. Neste último ano, 22,23% dos domicílios do anel central estavam sem ocupação, 17,45% no anel interior, 15,60% no anel intermediá­rio, 12,88% no anel exterior e 11,83% no anel periférico. Em São Paulo, a cidade oca parece estar se ampliando na cidade dos anéis. E isso não é bom.

Suzana Pasternak e Anderson Kazuo Nakano

Professora da Faculdade de Arquitetur­a e Urbanismo da USP e pesquisado­ra do Observatór­io das Metrópoles – Núcleo São Paulo

Professor do Instituto das Cidades da Unifesp, onde coordena o Observatór­io de Lutas Urbanas, e pesquisado­r do Observatór­io das Metrópoles – Núcleo São Paulo

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