Lula é corajoso e luta pela paz, diz Oliver Stone
filme sobre o presidente explica política brasileira para leigos, enquanto ‘A Queda do Céu’ destaca a luta dos yanomamis
“Lula é uma pessoa na qual vemos força, alguém pragmático, e por isso o admiro
Nós, americanos, somos valentões. E arrogantes, e eu não podia ignorar isso neste documentário. Esses caras acham que podem interferir na política de todo o mundo, e ninguém fala disso
Oliver Stone cineasta
Oliver Stone não titubeia ao ser questionado se admira Luiz Inácio Lula da Silva. “Ele é muito corajoso e uma pessoa importante, porque ele luta pela paz”, diz, não apenas sobre sua política externa, mas também sobre as políticas de seu governo.
“É uma pessoa na qual vemos força, alguém pragmático, e por isso o admiro mais do que Bernie Sanders”, afirma o também diretor Rob Wilson.
A dupla conversou com jornalistas horas após a estreia, sob aplausos, do documentário “Lula” neste domingo.
Vencedor do Oscar por filmes como “Platoon” e “Nascido em 4 de Julho”, Stone é um dos nomes mais respeitados do cinema americano. Não à toa, seu documentário sobre o presidente era um dos filmes mais aguardados de Cannes.
Não há novidades para os brasileiros. O filme é um retrato do que a dupla chama de uma perseguição jurídica, mirando o público estrangeiro.
“Lula” se concentra no momento da prisão do petista, em abril de 2018, no contexto da Lava Jato, e vai até as últimas eleições presidenciais, em que derrotou Jair Bolsonaro. Também há tempo para voltar às origens nordestinas e sindicais e para dar atenção ao impeachment de Dilma Rousseff.
O filme é didático, recuperando imagens de arquivo e do noticiário para as costurar às novas entrevistas com o presidente, Janja, Glenn Greenwald, Cristiano Zanin, Valeska Martins e Walter Delgatti Neto, o hacker da Vaza Jato. É uma aula de “política brasileira para leigos”, que tenta educar o estrangeiro sobre os últimos acontecimentos no Brasil.
Declaradamente de esquerda, Stone já gravou outras lideranças latino-americanas em “Comandante” e “Mi Amigo Hugo”, por exemplo, sobre o cubano Fidel Castro e o venezuelano Hugo Chávez.
Com essa visão protecionista em relação à América Latina, Stone diz fazer um mea culpa, enquanto americano, pelo envolvimento dos Estados Unidos nas batalhas travadas neste lado do continente.
“Nós, americanos, somos valentões. Valentões e arrogantes, e eu não podia ignorar isso neste documentário. Esses caras acham que podem interferir na política de todo o mundo, e ninguém fala disso. São uns filhos da puta”, diz Stone.
Vários idiomas podiam ser ouvidos na sala Agnès Varda, e todas as quatro sessões do filme viram seus ingressos se esgotarem rapidamente. “Eu não tinha um público específico em mente, mas é um filme feito a partir da perspectiva americana”, diz Stone. “Lula ainda não viu o filme, mas vou mandar para ele em breve.”
Como é frequente em seu cinema documental, ele pincela “Lula” com suas próprias deduções sobre a Lava Jato, voltando à ditadura militar e ao reconhecido apoio da Casa Branca ao golpe de 1964 para ventilar, também, a possibilidade de manipulação americana na derrocada de líderes de esquerda sul-americanos.
“Sergio Moro e vários políticos de seu partido estavam indo e voltando dos Estados Unidos na época. Não é estranho?”
No filme, Lula fala sobre a vontade de voltar ao Planalto para preservar seu legado, que teria sido destruído nos anos de Michel Temer e Bolsonaro.
Stone e Wilson acham que a palavra “legado” é muito forte para já saberem se, em seu primeiro ano de governo, Lula alcançou o objetivo, mas veem com bons olhos as políticas direcionadas à preservação da Amazônia até aqui.
Questionado se pensaram em falar com Bolsonaro para o filme, Stone abre um sorriso. “Eu adoraria falar com Bolsonaro!” Mas para, reflete e conclui, dizendo “só acho que não aprenderíamos nada com ele”.
Também no domingo, o Brasil levou “A Queda do Céu” à Quinzena dos Realizadores. O documentário de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha chegou exibindo seus diretores e também o escritor e xamã Davi Kopenawa e o antropólogo Bruce Albert, autores da obra que inspira o longa.
Nos minutos iniciais, o caminhar de um grupo de yanomamis vai ganhando volume, até deixar estourar sons da mata e dos cantos desse povo.
“A luta continua. O invasor não para, então vamos continuar defendendo o nosso direito à terra e ao planeta”, disse Kopenawa após a sessão.
Sonoramente, o longa se aproxima de um filme de guerra ao retratar a trajetória e lutas desse povo, e logo os cantos e bichos dão espaço para sirenes, rádios e aviões, que cortam a floresta como carne.
Kopenawa, mergulhado numa aglomeração que pedia fotos com ele, disse ao repórter que espera que a presença em Cannes traga mais atenção à causa. E que, infelizmente, se sente mais respeitado num festival como este do que no próprio país. “A floresta pode até ir embora, mas a terra fica.”