Catherine Deneuve e filha saúdam Mastroianni
‘Marcello Mio’ pensa a nostalgia a partir de ‘nepo baby’, e filme de Sean Baker segue amor entre stripper e herdeiro russo
Meio sem dar aviso, o termo “nepo baby” começou a circular por Hollywood recentemente. Junção das palavras em inglês para nepotismo e bebê, é usado para descrever o filho de alguma celebridade que também entrou para o showbiz.
Chiara Mastroianni é uma delas, provando que o fenômeno é mundial. E é a partir dessa condição que se constrói o novo filme estrelado pela herdeira de Marcello Mastroianni e Catherine Deneuve.
Filha de duas das maiores lendas do cinema europeu, Chiara parece atormentada, o que move o misto de real e ficção que é “Marcello Mio”.
Dirigido por Christophe Honoré, que já a conduziu em “Canções de Amor”, de 2007, o longa foi exibido nesta terça-feira como parte da competição do Festival de Cannes.
Na trama, Chiara —atriz e personagem— fica incomodada depois de um teste de elenco, em que a pedem para que ela atue mais como Mastroianni do que como Deneuve.
A partir daí, ela passa a se vestir, andar e falar como o pai, confundindo aqueles à sua volta —incluindo a mãe, que também aparece em cena.
É uma crise de identidade cuidadosamente filmada, sem descambar para o melodrama fácil de uma personagem que tenta se provar a todo custo.
Mas é também uma homenagem ao ator italiano e ao cinema feito na Itália e na França. É de Jacques Demy, afinal, que vem a inspiração para o lado musical de “Marcello Mio”, que põe Chiara e Deneuve para cantarem sobre temas banais de forma grandiosa.
A diva francesa, estrela do clássico “Os Guarda-Chuvas do Amor”, exibido neste festival na programação de clássicos, aquece os corações. É um filme bonito, mas inofensivo.
Do delicado e nostálgico “Marcello Mio”, Cannes foi para a crueza de “Anora”, filme de Sean Baker que também concorre à Palma de Ouro.
Foi curioso deixar a sala do primeiro, com seu final afetuoso, e entrar na sessão do segundo, que começa com um travelling em que a câmera enquadra os quadris de strippers.
Na trama, acompanhamos uma garota de programa americana que conhece o filho de um oligarca russo, que logo a paga para ficar uma semana com ele até, enfim, se apaixonar. Eles se casam, mas logo sua família manda notícias desaprovando a relação.
Algo bom no filme é que ele foge do lugar-comum do russo mafioso e truculento, ao mesmo tempo em que brinca com o estereótipo. Pensamos que é nessa direção que o filme vai, levando dois brutamontes para a casa do rapaz, que amarram Anora e tentam obrigar a mulher a se divorciar.
Mas Baker rapidamente subverte a trama, mostrando que, sim, a família russa é poderosa e influente e que, sim, tem contatos para limpar as suas sujeiras. Mas o debate gira mais em torno de classe do que de violência.
Em sua obra até agora, Baker vem filmando com maestria tipos economicamente marginalizados na sociedade americana contemporânea.
Em “Projeto Flórida”, equilibrou crueza e ingenuidade ao mostrar a falta de perspectiva de um grupo de crianças que moram num conjunto habitacional às margens dos parques da Disney.
Depois, em “Red Rocket”, fez humor com a história de um ex-ator pornô que perde tudo e tem de voltar para a cidadezinha pobre onde morava com a ex-mulher.
Em “Anora”, sua câmera adentra o subterrâneo das boates de Nova York, sem ceder à tentação de objetificar as strippers com o seu olhar. Seu objetivo é o contrário, buscar a humanidade que historicamente é negada a elas.
Por outro lado, o menino rico e mimado é um constrangimento. Ver o rapaz em cena desafia a paciência do espectador, e, por mais que nunca fique claro se há sentimento no casamento da dupla, ficamos totalmente ao lado da protagonista Anora no caso de um golpe.
“Anora” ainda se permite ser divertido, com piadas bem posicionadas em meio ao drama e à tensão construídos gradativamente. É um dos poucos grandes filmes que Cannes apresentou até agora. terrorismo ecológico, fetiches estranhos, os perigos da inteligência artificial e os desafios do luto. É muita informação e pouco desenvolvimento.
Vincent Cassel, Diane Kruger, Guy Pearce e Sandrine Holt fazem trabalhos superficiais, que incomodam ainda mais por se apoiarem em diálogos constrangedores.
Como Coppola, Cronenberg é um cineasta com uma carreira irregular, mas com maravilhas no currículo. Seu último projeto, “Crimes do Futuro”, há dois anos, pode não ter agradado a todos, mas voltava ao seu “body horror” —o terror feito a partir da violação do corpo— com louvor.
Em “The Shrouds”, o subgênero aparece timidamente e numa narrativa que parece relutante em abraçar o estilo por não saber muito bem como lidar com o tema do câncer.
É por causa dele que a personagem morta de Kruger, como uma assombração, visita o de Cassel em sonhos, com uma parte do corpo a menos a cada noite. É um filme que não causa horror ou reflexão, só confusão e tédio.