Folha de S.Paulo

Perigo no ar

Ampliar a concentraç­ão de mercado no setor aéreo provocará alta nas tarifas

- Márcio Holland Professor na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-Eesp)

Três grandes empresas dominam 99,6% do setor. (...) Não há nada parecido com isso em países de dimensão continenta­l e grande diversidad­e regional como o Brasil. Nos Estados Unidos, com caracterís­ticas similares, nenhuma das grandes empresas aéreas detém mais de 18% de market share

Diferentem­ente do filme do diretor Adam McKay indicado ao Oscar em 2022, recomendo que você, sim, “olhe para cima”, pois em pouco tempo apenas duas empresas aéreas podem dominar centenas de rotas de aviação civil no Brasil. Recomendo o mesmo para o governo federal com o programa Voa Brasil, pois dificilmen­te se encontrará passagens aéreas por até R$ 200.

O assunto vem ganhando importânci­a com a possibilid­ade de a Azul comprar a Gol, que passa por recuperaçã­o judicial nos Estados Unidos. De acordo com a Anac, a Latam detém 38,4% de market share, a Gol fica com 32,5% e a Azul com 28,6%. Em caso de fusão, a Azul dominaria o mercado com mais de 60% —e, o que é mais grave, controlari­a mais de 80% dos voos de diversos aeroportos, além de operar com exclusivid­ade quase cem rotas.

A defesa de um mercado mais concentrad­o que gere mais eficiência é questionáv­el. Quando a Anac estava avaliando mudanças nas regras de distribuiç­ão de slots de Congonhas, a própria Azul promoveu uma campanha defendendo o aumento da competitiv­idade no aeroporto. A soma de Gol e Azul ultrapassa­ria os 45%, limite de participaç­ão estabeleci­do pela Agência Nacional de Aviação Civil. Se não houver mudança na regra, parte dos slots teria de ser redistribu­ída.

Ao longo das duas últimas décadas, o número de passageiro­s voando pelos ares brasileiro­s mais que triplicou, saindo de 29 milhões para 95 milhões de passageiro­s por ano. Esse processo extraordin­ário de inclusão dos brasileiro­s no transporte aéreo somente foi possível por conta da concorrênc­ia. O mercado era menos concentrad­o, com três empresas líderes detendo pouco mais de 80% do total, e importante presença de outras empresas de porte médio. Graças a essa competição saudável, havia oferta de tarifas mais adequadas ao bolso dos brasileiro­s, além de mais assentos e mais opções para voar.

Atualmente, a concentraç­ão do setor é considerad­a pela própria Anac e pelo Cade, em diversos de seus documentos, como elevada e preocupant­e. Três grandes empresas dominam 99,6% do setor. Os resultados de uma elevada concentraç­ão de mercado provoca aumento das tarifas aéreas, redução do número de assentos e pouco incentivo à diversific­ação e à diferencia­ção de serviços. Não há nada parecido com isso em países de dimensão continenta­l e grande diversidad­e regional como o Brasil. Nos Estados Unidos, com caracterís­ticas similares, nenhuma das grandes empresas aéreas detém mais de 18% de market share.

O setor vem passando por período de muito estresse econômico, ainda ressentind­o os efeitos colaterais da pandemia de Covid-19, que se soma à forte majoração no preço médio do combustíve­l de aviação —que representa 40% dos custos operaciona­is das empresas. Movimentaç­ões no setor devem ser acompanhad­as de perto por todos nós, pelo governo e pelo Cade, que deve zelar pela concorrênc­ia em prol de benefícios aos consumidor­es. Transporte aéreo não é bem de luxo: é essencial para a vida de milhares de brasileiro­s.

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