Folha de S.Paulo

Austrália, Canadá e EUA inspiraram base curricular do Brasil

Processo chegou às escolas australian­as após 20 anos de debate; nos EUA, há resistênci­a ao conteúdo federal

- SABINE RIGHETTI

Documento do MEC será apreciado agora pelo Conselho Nacional de Educação; se aprovado, passa a valer em 2019 FOLHA

Uma das referência­s para a elaboração da base nacional curricular divulgada nesta semana pelo MEC (Ministério da Educação), os Estados Unidos derraparam ao implementa­r nacionalme­nte a proposta nas escolas.

O chamado “núcleo comum” daquele país lançado em 2010 foi negado por estados como o Texas, o maior dos EUA depois do Alasca.

O documento que dá referência­s do que deve ser ensinado nas escolas norte-americanas levou mais ou menos três anos para ficar pronto.

Um tempo semelhante ao da elaboração da base curricular do Brasil: aqui, a discussão começou em 2014. A primeira versão da base foi lançada em setembro de 2015.

Agora, o documento de 396 páginas que dá referência­s do que deve ser ensinado na educação infantil e fundamenta­l do país foi entregue na quinta (6) pelo MEC para apreciação do CNE (Conselho Nacional de Educação).

Se aprovado neste ano, deve começar a valer em 2019.

Outras inspiraçõe­s internacio­nais para a elaboração do documento brasileiro, no entanto, levaram bem mais tempo até as salas de aula.

Na Austrália, por exemplo, a base curricular lançada em 2009 chegou a ser discutida por cerca de 20 anos. No meio do caminho, houve debate entre os Estados e treinament­o de professore­s —o que, no Brasil, ficará para a etapa da implementa­ção.

Juntos, EUA, Austrália e Canadá são as principais inspiraçõe­s para o documento curricular brasileiro.

De acordo com o secretário de educação básica do MEC, Rossieli Soares da Silva, o governo brasileiro olhou também as bases da França, Chile, Portugal e Reino Unido “entre outros países”.

O tempo de preparo e de implementa­ção da base curricular varia. Está relacionad­o com o que cada país considera importante no debate.

“Não existe um tempo médio ideal. Depende do cenário local”, diz David Plank, brasiliani­sta e especialis­ta de política de educação da Universida­de Stanford (EUA).

“Em muitos países asiáticos, o debate entre especialis­tas é o único que importa. Então a adoção de novas normas move-se rapidament­e.”

A Coreia do Sul é um desses países. Conta com uma base nacional curricular desde 1954. Hoje, o país já está no sétimo currículo nacional, lançado em 2009 (algo comum entre os países que já têm base: o currículo muda com o tempo). MILHÕES DE IDEIAS No Brasil, o processo de construção de um documento de referência curricular tem incluído uma série de consultas públicas —até pela internet, de onde vieram, diz o MEC, mais 12 milhões de sugestões após a divulgação da primeira versão da base.

Esse modelo que mistura governo, acadêmicos, professore­s e pais ainda continua.

A expectativ­a do CNE, de acordo com o presidente do conselho, Eduardo Deschamps, é fazer mais cinco audiências públicas.

Isso significa, na prática, que o texto pode mudar.

A base curricular entregue

DAVID PLANK

especialis­ta em políticas educaciona­is da Universida­de de Stanford (EUA) ao CNE dá referência­s do que deve ser ensinado em quatro áreas: matemática, ciências da natureza, ciências humanas e linguagens.

É um modelo diferente dos EUA. Lá, o currículo ficou restrito ao ensino de linguagens e de matemática. Passou a bola para que os sistemas de ensino decidam sobre áreas do conhecimen­to mais polêmicas e sensíveis, como história.

Já no Canadá, há indicações do que deve ser ensinado por ano letivo em 11 áreas do conhecimen­to como inglês e estudos sociais.

No 2º ano, em educação para carreira, espera-se que os estudantes consigam “compartilh­ar ideias, informação, sentimento­s e conhecimen­to com os colegas”.

Em saúde, no 9º ano, a expectativ­a é que os alunos “analisem estratégia­s para reagir à discrimina­ção, estereótip­os e bullying”.

Também no Canadá, tecnologia e programaçã­o aparecem como conteúdo obrigatóri­o —algo que ficou de fora do documento brasileiro.

“Vai completame­nte contra o que o mundo está fazendo”, diz Paulo Blikstein, considerad­o um dos maiores especialis­tas do mundo em tecnologia e educação. “Como esperamos ter mais cientistas e engenheiro­s no futuro?” MILHÕES DE DOCENTES Passando pelo CNE, a expectativ­a do MEC é começar o treinament­o de professore­s em 2018. A implementa­ção teria início no ano seguinte.

“O governo esquece que temos cerca de 2 milhões de professore­s [na educação básica do país]. Como vamos treiná-los em um ano?”, diz João Palma Filho, especialis­ta da Unesp em políticas curricular­es para educação.

Palma Filho destaca ainda a falta de infraestru­tura nas escolas como um risco de que a implementa­ção derrape.

Há pouco risco de que os Estados resistam ou rejeitem a base nacional, diz Plank, de Stanford, “O federalism­o dos EUA é muito diferente.”

A base vai definir até 60% dos currículos. O restante fica a cargo dos sistemas de ensino municipais e estaduais e das escolas privadas.

A questãocha­ve não é se os padrões curricular­es do Brasil são tão bons como os de Cingapura, mas sim se os professore­s têm as habilidade­s e as ferramenta­s necessária­s para que os alunos dominam os padrões

O que é a base? Um documento que traz o conteúdo comum que deverá ser ensinado nas redes pública e privada do país Quem será afetado? Todos os alunos (49 milhões) e escolas (186 mil) da educação básica, sejam elas municipais, estaduais, federais ou particular­es Como é hoje? A escolas baseiam seu conteúdo em diretrizes municipais e estaduais, em livros didáticos escolhidos pelo governo ou pela rede de ensino e em avaliações como Prova Brasil e Enem Como vai ficar? Cerca de 60% do conteúdo abordado em sala de aula seguirá a base curricular do MEC; o restante será determinad­o pelas redes estadual e municipal e pelas escolas Quais são os próximos passos? O Conselho Nacional de Educação (CNE) vai revisar a 3ª versão da base, divulgada pelo MEC na quinta (6), e deve entregar um texto final até dez.17 E o ensino médio? Em set.16, Temer publicou uma medida provisória que reforma o ensino médio, por isso essa parte da base foi adiada. Ela depende da sanção de Temer à MP

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