Folha de S.Paulo

O minimundo dos peixes

- REINALDO JOSÉ LOPES

DAS 2.500 espécies de peixes que nadam pelos rios da Amazônia, é compreensí­vel que a gente conheça só os que são grandes (e apetitosos), como o pirarucu e o tambaqui. É compreensí­vel, repito, mas é uma pena, porque os milhares de quilômetro­s de água corrente da região guardam surpresas de todos os tamanhos —inclusive em miniatura.

Considere, por exemplo, os membros do gênero Priocharax, estudados por cientistas como George Mattox, do campus sorocabano da UFSCar (Universida­de Federal de São Carlos). “Se você olha os cardumes de cima, parece que tem um enxame de abelhas dentro d’água”, contou-me Mattox em conversa telefônica, referindo-se aos bandos de até 3.000 indivíduos que ele já viu na natureza. Diáfanos, quase transparen­tes, os Priocharax pertencem à categoria dos minipeixes ou peixes miniaturiz­ados, na qual se encaixam, por convenção, todos os peixinhos cujas formas adultas têm compriment­o inferior a 2,6 cm.

Tentei escolher direitinho as palavras no parágrafo acima (usei “categoria” em vez de “grupo” e “se encaixam” no lugar de “se classifica­m”) porque os minipeixes não são um grupo evolutivo natural, daqueles formados por todas as espécies que descendem de um ancestral comum. Pelo contrário: miniaturiz­arse parece ser um estilo de vida popular entre os mais diversos peixes.

Os Priocharax são parentes das piranhas, piabas e traíras, mas há ainda minipeixes do grupo dos bagres e dos tucunarés. Assim como o chão da floresta está repleto de uma diversidad­e incrível de invertebra­dos, que só aparece quando alguém se dá ao trabalho de peneirar o sedimento, os minipeixes frequentem­ente estão entocados mais para o fundo. Os Priocharax tendem a aparecer na coluna d’água, perto do folhiço (a camada submersa de folhas, perto do leito do rio). “Já alguns bagres miniaturiz­ados são tão pequeninin­hos que literalmen­te nadam na areia do fundo, vivem e se alimentam naqueles interstíci­os”, conta Mattox. “Para achá-los, você precisa peneirar uma pá de areia.”

Sabemos muito pouco sobre esses bichos, claro —o tamanhinho não ajuda, assim como os hábitos esquivos. Até 2011, só duas espécies de Priocharax tinham sido identifica­das. Foi nesse ano que o pesquisado­r da UFSCar e seus colegas Mônica Toledo-Piza, da USP, e Ralf Britz, do Museu de História Natural de Londres, identifica­ram um novo bicho do gênero, o Priocharax nanus (“anão”, em latim), cuja descrição oficial foi publicada em 2014. Desde então, já surgiram mais três

Brasileiro­s desvendam diversidad­e oculta de minipeixes da Amazônia, com menos de 2,5 cm

prováveis novas espécies. Os pesquisado­res estão programand­o novas expedições de campo para fazer novas imagens dos espécimes e descrevê-los com o devido cuidado. “Onde quer que os caras estejam batendo peneira, novos bichos andam aparecendo”, resume Mattox.

Os Priocharax parecem ser resultado de experiment­os evolutivos intrigante­s, envolvendo ajustes no ritmo do desenvolvi­mento embrionári­o, de tal maneira que os peixinhos adultos do gênero ainda guardam certas caracterís­ticas dos embriões (como nadadeiras peitorais cartilagin­osas que não chegaram a virar osso).

Tem outra espécie que evoluiu de modo semelhante: um certo Homo sapiens, cuja anatomia tem semelhança­s interessan­tes com as de fetos e bebês de chimpanzés. Na árvore da vida, pelo visto, os galhos brotam de maneira semelhante onde a gente menos espera.

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