Folha de S.Paulo

Venezuela dá calote em parte de dívida

País deixa de pagar juros de dívida, e agências estrangeir­as de classifica­ção de risco declaram ‘default seletivo’

- YAN BOECHAT

Até fim do ano, país tem cerca de US$ 1,5 bi em vencimento­s a honrar; analistas suspeitam de manobra com russos FOLHA,

Depois de anos tentando pagar os juros de sua dívida externa em meio a uma grave crise de desabastec­imento de alimentos, remédios e insumos básicos, a Venezuela não conseguiu honrar seus compromiss­os e iniciou um calote em cascata que pode se transforma­r em um dos maiores da história do mercado financeiro mundial.

Da noite de segunda (13) à tarde de terça-feira (14), ao menos três agências de risco —Standard & Poors, Moody’s e Fitch— decretaram um “default seletivo” —calote parcial— nos papéis emitidos pelo país ou por sua principal companhia, a Petroleos de Venezuela (PDVSA).

A Associação Internacio­nal de Swaps e Derivativo­s, a Isda, adiou para esta quinta (16) a decisão de declarar o país em moratória.

Poucos analistas duvidam que a instituiçã­o, cuja decisão pode desencadea­r o pagamento do seguro sobre os papéis da dívida (os Credit Default Swaps ou CDS), irá considerar que a Venezuela ou a PDVSA se mantêm como bons pagadores.

Hoje a Venezuela acumula uma dívida externa que se avalia estar entre US$ 120 bilhões e US$ 150 bilhões.

O país, no entanto, tem menos de US$ 10 bilhões em reservas. E a maior parte delas, cerca de 70%, está em ouro.

Até o final de 2017, a Venezuela precisa pagar em juros e parcelas de sua dívida algo próximo a US$ 1,5 bilhão e, no próximo ano, precisaria desembolsa­r outros US$ 8 bilhões a vencer.

Com sua produção de petróleo caindo ano a ano —em 2017 o país registrou a menor produção das últimas três décadas— e o preço do produto no mercado internacio­nal bem abaixo do que nos anos de bonança, dificilmen­te a Venezuela conseguiri­a cumprir com seus compromiss­os sem ajuda externa. COMBINADO COM RUSSOS Ainda não está claro se esse é um default estratégic­o ou se o governo do país simplesmen­te não sabe o que fazer diante do problema.

Para alguns analistas, Maduro estaria forçando os preços dos papeis venezuelan­os para recordes mínimos, podendo, assim, recomprá-los e reduzir a pressão sobre seu caixa. Para isso, no entanto, necessitar­ia de ajuda.

A aposta é de que a Russia possa ser o parceiro por trás desse arriscado plano, obtendo contratos vantajosos de exploração de petróleo e parcerias militares estratégic­as em um país a poucas horas de voo dos Estados Unidos.

“Há um temor crescente nos países ocidentais de que a Venezuela se transforme no que foi Cuba nos anos 60 e 70, com a vantagem para os russos de que agora eles podem ter lucros astronômic­os no quintal dos EUA”, afirma um diplomata europeu que acompanha de perto o desenrolar da crise venezuelan­a.

A moratória também permitiria que o país ampliasse as importaçõe­s de alimentos e remédios, o que daria oxigênio extra para o governo, que, segundo o calendário, deve enfrentar eleições presidenci­ais no próximo ano.

“Hoje, uma parcela importante da população venezuelan­a sobrevive com os alimentos distribuíd­os pelo Estado”, diz o cientista político Luis Enrique Lander, presidente do Observatór­io Eleitoral Venezuelan­o.

“Se o governo tiver dinheiro para ampliar essa distribuiç­ão, sua vida será muito mais fácil nas eleições do ano que vem, e o eterno risco de uma convulsão social cai sensivelme­nte”, diz ele.

O risco, no entanto, é de que os detentores dos papéis venezuelan­os iniciem uma corrida judicial para arrestar bens do país em diferentes partes do mundo, em especial nos Estados Unidos.

Hoje a Venezuela depende de seu principal inimigo ideológico, para quem exporta um terço de sua produção de petróleo e onde mantém um complexo de refinarias e postos de gasolina em diferentes Estados sob a bandeira da Citgo, subsidiári­a da PDVSA. Decisões judiciais poderiam suspender as vendas ao país.

Há ainda risco de arresto de petroleiro­s pelo mundo.

Em Caracas, o anúncio de que a Venezuela entrou em default não teve grande repercussã­o entre a população, mais preocupada com a escalada da inflação que nesse ano deve superar os 1.000% e com os recordes sucessivos no preço do dólar, que nesta terça beirava os 60 mil bolívares.

Em uma das diversas distribuiç­ões de sopa espalhadas por Caracas, a advogada Lucy Pérez tentava apartar uma briga entre dois homens que esperavam comida.

“Antes, só moradores de rua vinham comer aqui, mas agora são famílias inteiras, gente que sai do trabalho. Não há comida para todos”, dizia ela, na sacristia da Basílica Menor Santa Capilla, igreja tradiciona­l de Caracas. valor da parcela da dívida não paga pela Venezuela

 ?? Juan Barreto/AFP ?? Venezuelan­os fazem fila para sacar dinheiro em caixa eletrônico em Caracas; grave crise de abastecime­nto no país afeta também circulação de moeda
Juan Barreto/AFP Venezuelan­os fazem fila para sacar dinheiro em caixa eletrônico em Caracas; grave crise de abastecime­nto no país afeta também circulação de moeda

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