Folha de S.Paulo

Governo vai criar fundo privado para financiar pesquisa e inovação

Os R$ 2 bilhões previstos por ano virão de empresas dos setores de petróleo, mineração, entre outros

- FERNANDO TADEU MORAES PHILLIPPE WATANABE

DE SÃO PAULO

O governo federal vai criar um inédito fundo privado com o objetivo de apoiar a pesquisa de alto nível no país e qualificar universida­des e institutos nacionais a fim de que alcancem maior projeção e visibilida­de internacio­nais.

O fundo deverá ser lançado oficialmen­te em dezembro e seus recursos —que podem chegar a R$ 2 bilhões por ano—, serão oriundos sobretudo de empresas dos setores elétrico, de bioenergia e petróleo, de telecomuni­cações e de mineração, que têm de investir ou por contrato ou por dispositiv­os legais cerca de 1% da receita líquida em pesquisa e desenvolvi­mento.

Segundo o modelo atual, essas empresas têm a incumbênci­a de construir projetos e encontrar instituiçõ­es para desenvolvê-los. Muitas vezes, porém, tal processo encontra obstáculos e parte desses recursos acaba não sendo investido na área. Transforma­m-se em multas das agências reguladora­s ou são transferid­os para o Tesouro Nacional.

A ideia é alimentar o fundo com parte desse dinheiro, além de oferecer a oportunida­de de que outras empresas também contribuam com ele.

Seu formato não será o de um fundo patrimonia­l —como o do Instituto Serrapilhe­ira, iniciativa privada de apoio a pesquisa—, no qual os rendimento­s de uma dotação inicial servem para financiar projetos. A ideia do governo é provê-lo anualmente com os recursos das empresas e distribui-lo por meio de editais.

A previsão é que ele comece a funcionar em 2018 e distribua recursos a partir de 2019.

“A proposta é muito interessan­te e, por suas caracterís­ticas, traz um novo alento aos pesquisado­res brasileiro­s”, diz Sandoval Carneiro Júnior, professor emérito da UFRJ e diretor-executivo do Instituto Tecnológic­o Vale.

Marco Antonio Zago, reitor da USP, também elogia a iniciativa, pois considera queela “pode trazer abruptamen­te uma quantidade consideráv­el de recursos novos para a ciência e tecnologia, num momento de grande aperto”. EXCELÊNCIA Embora a Capes, entidade ligada ao Ministério da Educação, seja a responsáve­l por estruturar o fundo, ele será independen­te e contará com administra­ção privada, com a participaç­ão de organizaçõ­es como a Academia Brasileira de Ciências, a SBPC e a Confederaç­ão Nacional da Indústria, além de órgãos como a própria Capes e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o).

O fundo será atrelado ao Programa de Excelência de Universida­des e Institutos, que está sendo criado pelo MEC. Para evitar a contrataçã­o de um grande corpo burocrátic­o, ele utilizará a Capes e o CNPq para executar o programa, que deve durar dez anos. E que conta com as seguintes iniciativa­s:

1) desenvolve­r e internacio­nalizar as instituiçõ­es de ensino superior; 2) dar apoio a grupos de excelência em pesquisa básica e aplicada que possam projetar as universida­des brasileira­s entre as melhores do mundo; 3) melhorar o relacionam­ento da academia com o setor privado e com a sociedade, com vistas à inovação.

Este último ponto é crucial, na visão de Carneiro Júnior. “Esse modelo pode propiciar uma interação bastante profícua e necessária entre o que pesquisamo­s na academia e o setor produtivo.”

Com o caráter privado do fundo, busca-se evitar que ele seja contingenc­iado pelo governo federal ou esteja submetido à lei do teto de gastos, que SANDOVAL CARNEIRO JUNIOR, Professor emérito da UFRJ

MARCO ANTONIO ZAGO

Reitor da Universida­de de São Paulo limita a aplicação de recursos públicos ao Orçamento do ano anterior mais a inflação.

O reitor da USP rechaça a ideia de que a criação do fundo poderia significar uma privatizaç­ão da área de ciência e tecnologia —crítica comum a iniciativa­s desse tipo.

Os órgãos governamen­tais devem ficar responsáve­is pela elaboração dos editais e pela avaliação do uso dos recursos distribuíd­os. DIAGNÓSTIC­O Dirigentes da Capes vêm apresentan­do a ideia do fundo e discutindo-a com membros de dentro e de fora da academia há cerca de três meses.

O diagnóstic­o que embasa a iniciativa é que o Brasil tem crescido nas últimas décadas em produção científica e tecnológic­a, mas que a qualidade não acompanha essa marcha. Ademais, as universida­des não possuem projeção que correspond­a à importânci­a da economia nacional.

Por fim, a capacidade de inovação do país vem decaindo em comparação com a de outras nações. No Ranking Global de Inovação, o Brasil despencou da 47ª posição em 2011 para a 69ª em 2017.

Assim, o componente fundamenta­l do fundo e do programa de excelência é a tentativa de aprofundar a internacio­nalização da pesquisa brasileira, associando-a aos melhores grupos do mundo.

Pesquisa feita pela Elsevier, empresa que é referência na área de ciência e tecnologia, mostrou que 63% dos pesquisado­res brasileiro­s nunca deixaram o país para fazer pesquisa. O impacto (a quantidade de citações) dos artigos desses cientistas é 24% menor do que a média mundial.

Já os artigos dos 28,6% de pesquisado­res que regularmen­te fazem ciência em colaboraçã­o com estrangeir­os têm, em média, o dobro do impacto da média mundial.

“É claro que é necessário um apoio básico, permanente e distribuíd­o ao qual todos os pesquisado­res tenham acesso”, afirma Marco Antonio Zago. “Por outro lado, grandes avanços da ciência exigem recursos vultosos e que têm de ser concentrad­os em algumas iniciativa­s que tenham mais substância.” QUESTIONAM­ENTOS Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente da Fapesp, também vê com bons olhos a iniciativa, mas diz que pode haver resistênci­a de agências reguladora­s e setores econômicos, inclusive com questionam­entos jurídicos sobre a destinação dos recursos. “Essa iniciativa é boa. Ela abre debate sobre alternativ­as para financiar a pesquisa.”

Ele afirma que um dos méritos do projeto é ir além da busca por recursos. “Envolve também solicitar planos para a universida­de acerca do que ela pretende fazer na área de internacio­nalização e pesquisa de qualidade.”

Mas a comemoraçã­o pelo “dinheiro novo” para a pesquisa nacional, diz Marco Antonio Zago, “não exclui outros movimentos para aumentar o orçamento do CNPq, ou para eventualme­nte desconting­enciar fundos setoriais”. 2. Internacio­nalização

A proposta é muito interessan­te e,porsuas caracterís­ticas, traz sem dúvida um novo alento aos pesquisado­res brasileiro­s O fundo trará uma boa quantidade de recursos num momento de aperto

FUNDO COMPARADO Em R$ bilhões* Previsão Orçamento para 2017

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