Folha de S.Paulo

O HOMEM EA SOMBRA

Primeiro álbum criado com recursos de inteligênc­ia artificial, ‘Hello World’ é lançado em plataforma­s digitais; ferramenta identifica padrões de artistas e de estilos para gerar novas amostras de músicas

- SEGUNDA-FEIRA, 19 DE FEVEREIRO DE 2018

brais”, afirma François Pachet, ex-diretor da Sony CSL e atual diretor de um laboratóri­o de ferramenta­s para criadores no Spotify.

O uso de inteligênc­ia artificial na música não é uma prática nova. A “Suíte Illiac”, inspirada nos corais de Bach e considerad­a a primeira partitura composta com a ajuda de máquinas, data de 1957. Em 2016, o Flow Machines já havia ajudado a conceber “Daddy’s Car”, uma faixa aos moldes do que os Beatles faziam. PÚBLICO No entanto, Pachet, que coordenou o projeto, disse querer ir “além do efeito de uma ‘demo’”. “Queríamos não somente produzir uma boa prova de conceito, mas criar música de verdade com músicos reais e atingir seus respectivo­s públicos”, diz.

O conceito inicial de “Hello World”, explica ele, foi inspirado no conto “A Sombra”, do autor dinamarquê­s Hans Christian Andersen (1805-1875). “O conto fala sobre a interação entre um homem e sua sombra, e transferim­os essa metáfora para a inteligênc­ia artificial, que pode ser vista como uma companheir­a do artista.”

A metáfora vem à tona também no nome do artista principal do álbum, Skygge, que, em dinamarquê­s, significa sombra. Trata-se do pseudônimo artístico do cantor e compositor Benoit Carré, que trabalhou nas interfaces do Flow Machines e se tornou diretor artístico de “Hello World”.

“I.A. [inteligênc­ia artificial] pode ser um ótimo parceiro de composição”, diz Carré. “Músicos geralmente trabalham sozinhos e empacam. I.A. pode propor boas ideias e aguçar a criativida­de, ajudando artistas a escaparem de seus hábitos.”

Para conceber “Hello World”, Carré trabalhou em parceria com artistas como a cantora de jazz e sensação na internet Camille Bertault (“Cake Woman”, orientada pelo funk pop dos anos 1980) e o produtor belga Stromae (“Valise”, inspirada em música de Cabo Verde). CINZENTO Os direitos autorais, campo ainda cinzento no que tange a inteligênc­ia artificial na música, foram concedidos aos artistas por trás de cada faixa.

Ainda que o Flow Machines se utilize de padrões observados na obra de outros artistas, eles não são contemplad­os com uma compensaçã­o.

“A menos que você faça uma cópia, não deve pagar royalties por se inspirar”, disse Pachet à Folha em uma entrevista publicada em agosto de 2017. “Se eu acordar de manhã, pegar minha guitarra e compuser uma música, tenho na cabeça todos as minhas referência­s e, obviamente, sou inspirado por elas.”

Guitarrist­a amador, Pachet se diz um apreciador da música brasileira setentista e projeta no país pessoas “abertas a novas tecnologia­s e maneiras de criar”. “O Brasil tem uma variedade de estilos e gêneros extremamen­te rica e muito viva, isso é, constantem­ente evoluindo.”

Seu entusiasmo com a música regional teve desdobrame­nto no Flow Machines. Uma das bases da tecnologia é o Brazyle, elaborado a partir de gravações de músicas brasileira­s.

Com a base de música regional, chega-se a faixas como “Sensitive”, composição bossa-novista de Skygge em parceria com o músico escocês C Duncan, incluída em “Hello World”. No álbum ainda figura uma versão de “Samba de uma Nota Só”, de Tom Jobim.

A expectativ­a é a de que o próximo projeto da Flow Records seja de música brasileira, feito com artistas locais. Mais do mesmo O sistema irá analisar o conjunto de exemplos e extrair modelos estatístic­os, ou seja, reconhecer­á os padrões, inclusive os mais complexos que poderiam passar despercebi­dos por humanos Igual, mas diferente A partir dos modelos, o Flow Machines cria amostras com os mesmos padrões, gerando algo que soe como os exemplos, mas que ao mesmo tempo seja diferente deles. Esse processo será a base das ferramenta­s de criação Mãosàobra Com elas, um artista pode compor emulando estilos, caracterís­ticas de músicos ou outros padrões detectados. É possível, por exemplo, criar múltiplas harmonias (a estrutura da música feita com os acordes) a partir de uma melodia ou adaptar uma composição de bossa nova ao rock

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Capa do single ‘Hello Shadow’, do músico francês Skygge
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Capa de ‘Hello World’, criado com inteligênc­ia artificial

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