O HOMEM EA SOMBRA
Primeiro álbum criado com recursos de inteligência artificial, ‘Hello World’ é lançado em plataformas digitais; ferramenta identifica padrões de artistas e de estilos para gerar novas amostras de músicas
brais”, afirma François Pachet, ex-diretor da Sony CSL e atual diretor de um laboratório de ferramentas para criadores no Spotify.
O uso de inteligência artificial na música não é uma prática nova. A “Suíte Illiac”, inspirada nos corais de Bach e considerada a primeira partitura composta com a ajuda de máquinas, data de 1957. Em 2016, o Flow Machines já havia ajudado a conceber “Daddy’s Car”, uma faixa aos moldes do que os Beatles faziam. PÚBLICO No entanto, Pachet, que coordenou o projeto, disse querer ir “além do efeito de uma ‘demo’”. “Queríamos não somente produzir uma boa prova de conceito, mas criar música de verdade com músicos reais e atingir seus respectivos públicos”, diz.
O conceito inicial de “Hello World”, explica ele, foi inspirado no conto “A Sombra”, do autor dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875). “O conto fala sobre a interação entre um homem e sua sombra, e transferimos essa metáfora para a inteligência artificial, que pode ser vista como uma companheira do artista.”
A metáfora vem à tona também no nome do artista principal do álbum, Skygge, que, em dinamarquês, significa sombra. Trata-se do pseudônimo artístico do cantor e compositor Benoit Carré, que trabalhou nas interfaces do Flow Machines e se tornou diretor artístico de “Hello World”.
“I.A. [inteligência artificial] pode ser um ótimo parceiro de composição”, diz Carré. “Músicos geralmente trabalham sozinhos e empacam. I.A. pode propor boas ideias e aguçar a criatividade, ajudando artistas a escaparem de seus hábitos.”
Para conceber “Hello World”, Carré trabalhou em parceria com artistas como a cantora de jazz e sensação na internet Camille Bertault (“Cake Woman”, orientada pelo funk pop dos anos 1980) e o produtor belga Stromae (“Valise”, inspirada em música de Cabo Verde). CINZENTO Os direitos autorais, campo ainda cinzento no que tange a inteligência artificial na música, foram concedidos aos artistas por trás de cada faixa.
Ainda que o Flow Machines se utilize de padrões observados na obra de outros artistas, eles não são contemplados com uma compensação.
“A menos que você faça uma cópia, não deve pagar royalties por se inspirar”, disse Pachet à Folha em uma entrevista publicada em agosto de 2017. “Se eu acordar de manhã, pegar minha guitarra e compuser uma música, tenho na cabeça todos as minhas referências e, obviamente, sou inspirado por elas.”
Guitarrista amador, Pachet se diz um apreciador da música brasileira setentista e projeta no país pessoas “abertas a novas tecnologias e maneiras de criar”. “O Brasil tem uma variedade de estilos e gêneros extremamente rica e muito viva, isso é, constantemente evoluindo.”
Seu entusiasmo com a música regional teve desdobramento no Flow Machines. Uma das bases da tecnologia é o Brazyle, elaborado a partir de gravações de músicas brasileiras.
Com a base de música regional, chega-se a faixas como “Sensitive”, composição bossa-novista de Skygge em parceria com o músico escocês C Duncan, incluída em “Hello World”. No álbum ainda figura uma versão de “Samba de uma Nota Só”, de Tom Jobim.
A expectativa é a de que o próximo projeto da Flow Records seja de música brasileira, feito com artistas locais. Mais do mesmo O sistema irá analisar o conjunto de exemplos e extrair modelos estatísticos, ou seja, reconhecerá os padrões, inclusive os mais complexos que poderiam passar despercebidos por humanos Igual, mas diferente A partir dos modelos, o Flow Machines cria amostras com os mesmos padrões, gerando algo que soe como os exemplos, mas que ao mesmo tempo seja diferente deles. Esse processo será a base das ferramentas de criação Mãosàobra Com elas, um artista pode compor emulando estilos, características de músicos ou outros padrões detectados. É possível, por exemplo, criar múltiplas harmonias (a estrutura da música feita com os acordes) a partir de uma melodia ou adaptar uma composição de bossa nova ao rock