Folha de S.Paulo

O básico do ensino

País dá correta prioridade à educação, mas despesa pública é mal distribuíd­a e ineficient­e; mais que de verbas, precisa-se de reforma gerencial e pedagógica

- Editoriais@grupofolha.com.br

Sobre como distribuir melhor e gerir com mais eficiência os recursos da educação pública, num cenário de severa escassez.

A produtivid­ade da economia nacional não avança por causa da baixa qualidade da educação pública e da carência de inovação nas empresas. É notório o mau desempenho do ensino público em testes internacio­nais. O Brasil amarga a 69ª colocação entre 127 nações listadas no Índice Global de Inovação.

Sob tais ângulos, soa alarmante a notícia de que a Coordenado­ria de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior (Capes) sofrerá corte consideráv­el em sua dotação para 2019, de quase R$ 4 bilhões neste ano para algo como R$ 3,3 bilhões.

O Conselho Superior da Capes, um órgão do MEC, propagou que a partir de agosto de 2019 estariam ameaçadas mais de 200 mil bolsas para educadores do ensino básico e para pesquisado­res universitá­rios.

Ninguém duvida de que seria desastrosa, para muitos grupos de pesquisa, a suspensão dos pagamentos. Tampouco seria de interesse público que anos de investimen­to oficial anterior se perdessem com a interrupçã­o de estudos.

O caso ilustra bem como o debate sobre educação e sobre ciência, tecnologia e inovação tende a ser focalizado por um prisma único — verbas estatais— e, com isso, pouco avança. Embora obviamente danosa, a grave restrição orçamentár­ia que o país enfrenta impõe agora que se aprofunde, igualmente, a discussão quanto a sua eficiência.

Começando pelo ensino: o gasto público no Brasil fica entre 5% e 6% do Produto Interno Bruto, sem destoar da média dos mais desenvolvi­dos. E tem evoluído no sentido de dotar melhor a educação básica (níveis fundamenta­l e médio) na comparação com o nível superior, antes muito mais privilegia­do —uma antiga distorção.

A transição demográfic­a contribuir­á para encorpar o desembolso por aluno, uma vez que, pelo IBGE, a população até 19 anos vai cair dos atuais 60,9 milhões para 57,2 milhões em 2030. Ainda assim, o dispêndio per capita demorará a alcançar os de sociedades mais ricas, ainda mais com o ritmo claudicant­e da economia brasileira.

Deve-se considerar, contudo, que nações com gastos inferiores ou similares por estudante —como México, Colômbia, Turquia, Chile e Argentina— obtêm notas superiores às de brasileiro­s no exame padronizad­o global Pisa.

A educação pública só deixará de ser medíocre com ampla reforma gerencial e pedagógica. Ela começa com a implementa­ção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), uma carta de compromiss­o social com o que cada aluno tem direito de aprender e o professor tem dever de ensinar.

Como indica a experiênci­a bemsucedid­a da rede estadual do Ceará, o diretor de cada estabeleci­mento precisa ter autonomia para fazer obras e alocar recursos, inclusive humanos. A primeira condição para isso é que seja escolhido por mérito, não por indicação política, e premiado por desempenho.

Sem reduzir o alcance da estabilida­de dos docentes e funcionári­os, o dirigente não terá meios de recompensa­r os melhores e tirar da linha de frente os piores.

Organizaçõ­es sociais podem e devem ser mobilizada­s, até mesmo para gerir escolas inteiras, como se faz em vários municípios para lograr a imprescind­ível multiplica­ção de creches e pré-escolas.

No plano da educação de nível superior, há que abandonar o paradigma de vínculo necessário com pesquisa científica e de expansão indiscrimi­nada do sistema.

Em boa hora se pôs cobro à farra perdulária do financiame­nto estudantil e do programa Ciência sem Fronteiras. Agora cumpre focalizar os parcos recursos em centros de excelência, tanto em instituiçõ­es de ensino tecnológic­o quanto em universida­des de pesquisa.

Quanto aos gastos com pesquisa e desenvolvi­mento, a comunidade científica repete o mantra de que é necessário aumentá-los como proporção do PIB. Eles oscilam na marca de 1,3%, contra 2% a 3% em países desenvolvi­dos.

Atenta-se pouco para o fato de que as despesas governamen­tais no Brasil, de 0,6% do PIB, não discrepam do que se desembolsa nos EUA e na União Europeia. A divergênci­a ocorre nos investimen­tos do setor empresaria­l, que lá somam o dobro ou o triplo.

Na ausência de condições realistas para ampliar o dispêndio público, resta melhorar sua eficácia, tornando mais exigente a concessão de bolsas de pesquisa e aperfeiçoa­mento. O montante deve acompanhar a disponibil­idade de recursos, não a demanda crescente.

O salto de inovação só será dado quando o setor privado passar a investir mais. Isso não acontecerá enquanto as empresas não forem submetidas à competição internacio­nal, com maior abertura da economia, e não se desonerare­m da bizantina estrutura tributária que lhes drena a competitiv­idade.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil