Folha de S.Paulo

Tributação

- Marcos Lisboa Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Escreve aos domingos

Tributação não é para amadores. Como ocorre com os tratamento­s médicos, as regras tributária­s com frequência têm efeitos colaterais.

A razão é simples. Essas regras afetam as escolhas das empresas e das famílias, assim como os preços de mercado. No fim do dia, o tributo cobrado de João pode ser pago por Maria. (Na versão online, há os links com as referência­s deste texto).

Para estimar esses efeitos, o ideal é seguir a prática da medicina que divide, aleatoriam­ente, um grupo semelhante em dois subgrupos. Parte recebe o tratamento, parte um placebo, permitindo estimar o seu impacto.

Para deleite dos economista­s, algumas reformas tributária­s afetaram diferentem­ente, por razões aleatórias, grupos de famílias ou de empresas.

Toronto introduziu um imposto de 1,1% sobre a venda de moradias. O resultado foi uma queda do preço dos imóveis em comparação com o que ocorreu em regiões próximas, não afetadas pelo imposto.

O número de imóveis vendidos caiu 15%. Estima-se que o bem-estar das famílias ficou 12,5% pior do que se a mesma arrecadaçã­o fosse obtida com a versão local do IPTU.

O Chile reduziu os impostos sobre folha de pagamentos das empresas, o que gerou aumento de salários. Resultados semelhante­s foram encontrado­s em outros países, mas não em todos. Como na medicina, a economia requer cautela com as prescriçõe­s de tratamento.

Cabe à política definir os objetivos da tributação, como a redução da desigualda­de, e quem deve pagar a conta. Mas os técnicos devem saber tanto da pesquisa acadêmica quanto dos cuidados a serem tomados.

Em primeiro lugar, as propostas de reformas devem analisar os seus possíveis efeitos colaterais. Tributar um bem de consumo eleva seu preço em mercados competitiv­os, penalizand­o as famílias, mas não as firmas que continuam a produzi-lo.

Em segundo, deve-se considerar as regras dos demais países, como a tendência recente de redução dos impostos sobre os lucros das empresas, compensada pela tributação dos dividendos.Afinal,queminvest­enoBrasil pode optar pela Argentina.

Em terceiro, não se deve tributar os bens intermediá­rios nem desonerar a folha de pagamentos apenas para alguns setores. O resultado usual é a queda da produtivid­ade e um país mais pobre, como há muito apontou Harberger.

Uma coisa é propor quem deve pagar a conta. Outra são os mecanismos para cobrar esses tributos e suas possíveis consequênc­ias. A política deve definir o porto de destino, mas recomenda-se que seu imediato saiba de navegação.

O risco é uma versão editada de “Alice no País das Maravilhas”. “Não sei para aonde ir”, exclama a rainha de copas. “Não se preocupe”, responde o cocheiro. “Eu não sei mesmo como chegar lá.”

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