Folha de S.Paulo

Com ameaça de renúncia, Uribe mostra que ainda dá as cartas na Colômbia

- Sylvia Colombo

Na semana anterior à posse de Iván Duque como novo presidente da Colômbia, o ex-mandatário Álvaro Uribe conseguiu o que vem logrando nos últimos anos: ser o protagonis­ta de um show que não é mais dele. Neste caso, obviamente, o espetáculo deveria pertencer ao presidente que saiu, Juan Manuel Santos, e ao sucessor.

Mas o ex-presidente e congressis­ta mais votado da história da Colômbia atraiu os holofotes ao dizer que renunciari­a ao posto no Senado que acabara de reconquist­ar nas urnas.

Sua explicação oficial nada dizia de concreto. Afirmava se tratar de “uma questão de honra” pelo fato de ter sido convocado pela Corte Suprema a responder uma acusação de compra de testemunha­s para prejudicar outro congressis­ta, Iván Cepeda.

O caso é que poucos na política colombiana acreditara­m que a renúncia seria para valer, e depois ficou claro que se tratou de mais uma manobra por atenção e tempo.

Ao perder o foro parlamenta­r, Uribe cairia na Justiça comum. O que pode parecer um contrassen­so, porém, esconde uma salvaguard­a: a proximidad­e com o procurador­geral da nação, Néstor Humberto Martínez, garante ao ex-presidente mais aliados ali do que na Corte Suprema.

Por outro lado, manter a decisão da renúncia tiraria de seu partido, o Centro Democrátic­o, um líder importante no Congresso e o exporia a outros processos mais graves, como os casos em que é acusado de abusos de direitos humanos durante o período em que foi presidente (2002-2010), que poderiam começar a avançar.

Nos dias que se seguiram à declaração, Duque e outros membros do Centro Democrátic­o pressionar­am Uribe a não insistir nesse caminho, que deixaria o partido muito vulnerável no Congresso.

Logo o ex-presidente voltou atrás e, na terça-feira (7), assumiu seu cargo no Senado.

Seguirá tendo que responder pela suposta compra de testemunha­s à Corte Suprema, mas já demonstrou a esses juízes que tem uma carta na mão se sua situação se complicar —a renúncia e um tribunal mais amigável na Justiça comum.

Para o analista Mauricio Vargas, “Uribe sabe que em algum momento terá de dar explicaçõe­s, mas até isso tudo avançar, ele já terá influencia­do em decisões no Congresso, terá levado Duque a tomar medidas que o favorecem, terá conseguido mudar coisas no acordo de paz [com a ex-guerrilha Farc, selado por Santos]”.

Desde a posse, sua intensa atividade nas redes sociais não diminuiu. São publicaçõe­s diárias citando o que Santos fez de ruim e o que Duque supostamen­te irá mudar.

Os primeiros meses de gestão serão cruciais para saber o quanto o novo presidente poderá agir de modo independen­te de Uribe e de seus aliados em várias esferas.

A terça-feira da posse já o mostrou bastante presente. Ovacionado pelo público duas vezes, quando citado por oradores, viu a cerimônia correr conforme planejou.

Enquanto Duque fez um discurso conciliado­r, mirando o centro e sem ataques ao acordo de paz com as Farc, Ernesto Macías, líder uribista do Senado designado para entregar-lhe a faixa presidenci­al, replicou com uma linguagem belicosa o discurso duríssimo contra o legado de Santos e contra o acordo usado pelo próprio Uribe.

Passou a imagem, aos colombiano­s, que Uribe desenhou o evento para um ser o “policial bonzinho” e o outro, o “policial mau”, ambos jogando o jogo como o ex-presidente dispôs no tabuleiro.

“Uribe sabe que em algum momento terá de dar explicaçõe­s, mas até lá ele já terá influencia­do o Congresso, terá levado Duque a tomar medidas que o favorecem, terá conseguido mudar o acordo [com as Farc] Mauricio Vargas analista político

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