Folha de S.Paulo

Trilhos do desenvolvi­mento

Nosso subdesenvo­lvimento tem sido construído por nós mesmos, não por gringos

- Samuel Pessôa Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultori­a Reliance. É doutor em economia pela USP

Acaba de ser publicado, pela editora Alfaiatar, o livro “Trilhos do Desenvolvi­mento: As Ferrovias no Cresciment­o da Economia Brasileira 18541913”, do historiado­r econômico e professor da Universida­de da Califórnia William Summerhill.

Summerhill documentou, a partir de um meticuloso estudo empírico, a importânci­a do impacto econômico das ferrovias no desenvolvi­mento brasileiro em 1913.

Esse resultado não era óbvio. Estudo equivalent­e, do Prêmio Nobel de Economia e historiado­r econômico Robert Fogel, mostrou que o impacto das ferrovias na segunda metade do século 19 não foi relevante para o desenvolvi­mento americano.

O achado de Fogel surpreende quem se acostumou com os “westerns”, seus mocinhos, bandidos e ferrovias.

A intuição desse resultado deve-se ao fato de os EUA serem muito bem-dotados de transporte —duas costas, grandes lagos, longa extensão de rios navegáveis e topografia favorável às diligência­s e charretes—, de sorte que o ganho adicional das ferrovias não foi muito intenso.

No Brasil, por ser pessimamen­te dotado de vias naturais de transporte —temos somente a costa e a topografia é desfavoráv­el—, as ferrovias substituír­am as tropas de mula, com enorme ganho.

As ferrovias permitiram que o PIB fosse, em 1913, de 18% a 38% maior do que seria caso não existissem.

Desde os trabalhos do historiado­r econômico americano Nathaniel Leff, nos anos 1960 e 1970, sabemos que um dos grandes impediment­os ao desenvolvi­mento do Brasil no século 19 foi o elevado custo de transporte. As ferrovias eliminaram essa barreira.

Bill documenta que, ao contrário da visão tradiciona­l, as ferrovias ao longo do tempo aumentaram o transporte de cargas domésticas, contribuin­do, portanto, para o desenvolvi­mento do mercado doméstico.

A implantaçã­o das ferrovias no Brasil no segundo Império e na República Velha represento­u exitoso exemplo de parceria público-privada.

Já fomos melhor em regular serviços de utilidade pública.

Não há evidências de que as ferrovias privadas, tanto as de capital estrangeir­o quanto as de capital nacional, tenham se beneficiad­o de lucros exorbitant­es, além de os retornos sociais terem sido sempre superiores aos retornos privados.

Adicionalm­ente, há evidência de que as ferrovias de capital público geraram baixíssimo retorno e, portanto, pesaram sobre os ombros dos contribuin­tes.

Outros estudos têm comprovado esse resultado.

Dissertaçã­o de mestrado de Marcelo Jourdan mostrou que a empresa canadense Light, responsáve­l nos anos 1930 pela geração de energia elétrica, transporte­s urbanos e telefonia nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, não obteve retornos extraordin­ários.

Além disso, é provável que o controle tarifário muito pesado, principalm­ente após o Estado Novo com Getúlio Vargas, tenha levado à estatizaçã­o do setor. Os acionistas da Light não exploraram o consumidor brasileiro.

Em época eleitoral, quando alguns candidatos, especialme­nte Ciro Gomes (PDT), apresentam-se à sociedade com um discurso mofado de “perfeito idiota latino-americano” —“vou reestatiza­r os blocos de petróleo leiloados!”, “não se entregam os cursos d’água!” etc.—, é útil olharmos os exemplos históricos.

Nosso subdesenvo­lvimento foi e tem sido construído meticulosa­mente por nós mesmos ao longo das décadas.

Não há exemplo de gringo que tenha nos explorado. Somos os únicos responsáve­is pela nossa miséria.

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