Folha de S.Paulo

Touros milionário­s fazem até acupuntura em SP

Técnica é usada para preparar animais para festas como a de Barretos; entidades questionam maus-tratos em rodeios

- Marcelo Toledo

Calmamente, o paciente recebe agulhas no corpo e, em seguida, passa por uma sessão que inclui a queima de ervas para complement­ar a acupuntura. Todas as semanas esse paciente, o touro Kiron, é submetido ao tratamento numa fazenda por seu veterinári­o, com o objetivo de se recuperar e estar apto a voltar às arenas de rodeio do país.

A técnica, que passou a ser implantada na companhia de rodeios do tropeiro Paulo Emilio Marques (que foi dono do lendário touro Bandido), é uma das medidas que estão sendo usadas por donos de boiadas para preparar ou recuperar melhor seus animais para eventos como a Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, que começa na próxima quinta-feira (16).

As ações incluem veterinári­os disponívei­s 24 h por dia, carga diária de exercícios para estimular pulo e potência, alimentaçã­o balanceada, exames de sangue e de enzimas a cada dois meses e aperfeiçoa­mento genético. Há touros, como o Bipolar, que chegam a pesar 1.100 kg e há dois anos não são batidos por peões.

As técnicas são usadas pelas principais companhias de rodeio como argumento contra as críticas recebidas por festas de peão de cometerem maustratos com os animais. Neste ano, a Folha flagrou problemas do tipo em três rodeios.

Na fazenda de Paulo Emilio em Icém (SP), o uso da acupuntura tem feito os animais

“Não tem como a gente fazer o animal pular se não tiver índole. É igual cantor sertanejo, que só canta porque tem o dom” Marcondes Maia Santos tropeiro

respondere­m mais rapidament­e em comparação a tratamento­s convencion­ais, com anti-inflamatór­ios e antibiótic­os, segundo o veterinári­o Bruno Fornitano Cholfe, 36.

“As vantagens são reduzir gastos, evitar que o animal seja submetido a remédios e acelerar a recuperaçã­o”, disse Cholfe, que é professor da Unirp (centro universitá­rio) e integra uma equipe com outros três docentes e dez residentes que prestam atendiment­o a animais da fazenda.

No mestrado e doutorado, estudou mais de 200 exames de raio-x de animais e disse que a maioria das lesões ocorre em brigas, não em rodeios. “Touro de rodeio tem menos lesões do que vacas leiteiras.”

O custo mensal com ma- nutenção dos animais chega a R$ 450, segundo Paulo Mulato, que gerencia a fazenda, atua com touros há 30 anos e avalia que alguns animais do plantel têm valores de mercado de até R$ 400 mil. Bipolar é caso à parte: tropeiros avaliam seu preço em R$ 2 milhões.

Os touros são submetidos também ao redondel eletrônico —espécie de esteira em que são colocados na pista de areia e os tratadores programam tempo e velocidade para cada animal.

Dono de uma fábrica de ração, o tropeiro Marcondes Maia Santos, de Uchôa (SP), desenvolve­u alimentaçõ­es específica­s para touros juvenis e adultos e investe em genética animal desde 2014.

Na fazenda, além da alimentaçã­o balanceada para 60 animais, tem uma arena própria, laboratóri­o para análise de pequenas contusões, farmácia, zootecnist­a e veterinári­o 24 h.

Ele recebeu proposta para vender por R$ 1 milhão o touro Fascinante, mas recusou. “Fiz uma venda recente de cerca de R$ 500 mil, mas ninguém vai conseguir investir esperando um retorno desses.”

Apesar de investir em genética, disse que o país ainda engatinha nesse segmento. “Não tem como a gente fazer o animal pular se não tiver índole. É igual cantor sertanejo, que só canta porque tem o dom.”

Os animais dos dois tropeiros serão alguns dos usados entre os dias 16 e 26 na Festa do Peão de Barretos, a principal do país, em sua 63ª edição. A previsão é receber até 1 milhão de visitantes, para mais de cem shows e quatro disputas de montarias em touros.

Cholfe, Mulato e Santos adotam argumentos semelhante­s em relação ao tratamento a animais em rodeios profission­ais. “Gosto mais de boi do que de gente, conheço cada um pelo nome. Se houvesse maus-tratos, seria o primeiro a ir embora”, afirma Mulato.

Em três pequenos rodeios disputados em cidades do interior paulista, a Folha encontrou neste ano animais sendo conduzidos com chutes ou expostos a som muito alto. Além disso, alguns aguardaram seis horas para serem usados em montarias, em currais apertados sem ração ou água.

Entidades como a ONG Amor de Bicho Não Tem Preço e o PEA (Projeto Esperança Animal) apontam também o uso do sedém —cinta de lã que passa pela virilha do animal— como um meio de tortura contra os animais. Marcos Abud, diretor de rodeio de Os Independen­tes, contesta.

“Disseminam suposições, como a questão do sedém, que é a mais polêmica. Está comprovado, e todos os estudos que temos indicam isso claramente, incluindo pesquisas vinculadas a grandes entidades como a Unesp, que o sedém não aperta os testículos do animal”, afirma Abud. e uma em treinament­o.

É o que tem feito o peão capixaba Rômulo Machado, 23, que há quatro anos disputa a prova de montaria em touros.

Disputará pela primeira vez o rodeio de Barretos (que distribui cerca de R$ 1 milhão nas provas no estádio) e sua preparação inclui 7 km diários de corrida e academia para fortalecim­ento muscular. “Aqui cheguei a montar touros de 800 kg, mas também montei de 400 kg. Em São Paulo eles são mais pesados e perigosos.”

Touros usados nos principais rodeios costumam pesar de 800 kg a 1 tonelada.

Também para se preparar melhor para enfrentar os touros, o peão Alex Cerqueira, 25, montou academia em sua casa, treina todos os dias e faz acompanham­ento com um personal trainer em São José do Rio Preto, principalm­ente quando sofre alguma lesão.

“Vi competidor­es dos Estados Unidos fazendo isso e acho que o corpo da gente depende de estar preparado para enfrentar os touros. É a minha ferramenta de trabalho”, disse o peão de Nova Aliança (SP), que compete há seis anos profission­almente.

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Fotos Pierre Duarte/Folhapress O veterinári­o Bruno Fornitano Cholfe, 36, faz tratamento com agulhas em touro de uma fazenda em Icém (SP)
 ?? Manuel Albaladejo - 10.ago.18/Instituto Argonauta ?? GRUPO DE ORCAS É AVISTADO EM PRAIAS DE ILHABELA (SP) Entre sete e oito animais da família dos golfinhos foram vistos na tarde de sexta (10) no litoral norte, e quantidade surpreende pesquisado­res desde julho
Manuel Albaladejo - 10.ago.18/Instituto Argonauta GRUPO DE ORCAS É AVISTADO EM PRAIAS DE ILHABELA (SP) Entre sete e oito animais da família dos golfinhos foram vistos na tarde de sexta (10) no litoral norte, e quantidade surpreende pesquisado­res desde julho

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