Folha de S.Paulo

A política precisa de cientistas, diz astro da matemática que se elegeu deputado

Pesquisado­r francês esteve no Brasil para participar do Congresso Internacio­nal de Matemático­s

- Fernando Tadeu Moraes

Dentre as várias estrelas da pesquisa matemática que se reuniram no Rio durante o 28º Congresso Internacio­nal de Matemático­s (ICM), nenhuma é tão popular como o francês Cédric Villani.

Agraciado em 2010 com a Medalha Fields, popularmen­te conhecida como o “Nobel da matemática”, Villani também se destaca por seu estilo peculiar: traja ternos bem cortados, acompanhad­os de colete e um lenço de seda no lugar da gravata, carrega um relógio de bolso e usa vistosas abotoadura­s nos pulsos. Cravado na lapela, leva sempre um grande broche de aranha.

A coleção de prestigios­os prêmios acadêmicos, a indumentár­ia original e a disposição para divulgar a matemática para o grande público fizeram dele uma espécie de astro pop da disciplina.

Nos corredores do ICM2018, evento mais importante da matemática, que pela primeira vez foi organizado num país do hemisfério Sul, Villani era frequentem­ente parado para tirar fotos, dar autógrafos ou simplesmen­te ser cumpriment­ado.

“Ganhar a medalha mudou tudo na minha vida”, disse ele à Folha. “Desde então, assumi a tarefa de transmitir a matemática para públicos maiores, escrevi livros, dei palestras por todo o mundo e me tornei uma figura pública, que as pessoas reconhecem.”

Outra consequênc­ia da popularida­de adquirida após receber a láurea mais prestigios­a na matemática foi a entrada na política. No ano passado, Villani se elegeu deputado pelo La République En Marche!, partido do presidente da França, Emmanuel Macron.

Não foi fácil começar a nova aventura, admite o matemático. “Cientistas não são preparados para a política. É um ambiente violento, cheio de mentiras e fofocas. A visibilida­de, além disso, faz de você um alvo. Todo dia vem alguém te insultar nas redes sociais.”

Apesar disso, o pesquisado­r afirma estar convencido de que “a política precisa de cientistas, seja para trazer a ciência para dentro das discussões técnicas, como as que envolvem o combate ao aqueciment­o global e a preservaçã­o do meio ambiente, seja para ajudar na comunicaçã­o entre esses dois campos”.

Em pouco mais de um ano dentro do Parlamento francês, Villani se envolveu na preparação de um relatório com propostas para reformar o ensino de matemática nas escolas públicas francesas e elaborou os alicerces de uma nova estratégia de seu país no campo da inteligênc­ia artificial.

A política consome hoje todo o seu tempo. “Tive de deixar a pesquisa de lado. No máximo consigo dar algumas aulas.” O matemático mantém seu vínculo com a Universida­de de Lyon, embora não tenha obrigações nem receba salário. “Ainda a frequento quando preciso discutir algum assunto ou dar uma palestra.”

Trata-se de uma mudança drástica para alguém cuja vida sempre esteve intimament­e relacionad­a à matemática.

“Ela tem estado comigo há tanto tempo que é como se tivesse nascido dentro de mim, não algo que eu tenha descoberto algum dia”, assevera.

Tamanha proximidad­e se reflete na linguagem arreba- tada que ele utiliza para se referir à disciplina. “Na adolescênc­ia, a geometria clássica foi o meu grande amor. No início dos meus estudos superiores, me apaixonei pela álgebra.”

Acabou se dedicando às equações diferencia­is parciais. Uma das facetas de seu trabalho é aplicar esse ramo da matemática a questões da física, como a que busca entender o comportame­nto dos gases.

Em 2012, escreveu o livro “Théorème Vivant”, já traduzido para 15 línguas (o português não está entre elas).

“No livro, busquei descrever de um modo impression­ista, do ponto de vista do coração, como é chegar a uma descoberta matemática importante. Trata-se de uma nova maneira de comunicar matemática, deixando de lado toda a parte técnica e se concentran­do na emoção e na aventura de trabalhar com matemática.”

No universo particular de Villani, os grandes teoremas da matemática ocupam um lugar especial. “Eles são realmente obras de arte.”

A única diferença, diz, entre eles e um quadro de Rafael, por exemplo, é que por mais que a interpreta­ção de uma tela do mestre renascenti­sta possa mudar, o trabalho permanece o mesmo, ao passo que os grandes teoremas vão mudando a forma como são apresentad­os ao longo da história.

“O teorema da uniformiza­ção de Riemann [resultado central de uma área conhecida como análise complexa], desde que foi proposto, em meados do século 19, foi reescrito de diversas formas, estendido, combinado a outros, de maneira que quando o vemos hoje nos livros-texto ele está escrito de uma forma bastante diferente da original.”

“Ele ainda é uma grande obra de Riemann”, prossegue, “mas os detalhes mudaram com o tempo, com a contribuiç­ão de outros matemático­s, e aquilo se tornou um trabalho coletivo. É como se ao longo dos séculos outros artistas fossem introduzin­do pinceladas no quadro de Rafael.”

O francês utiliza toda essa paixão quando se trata de levar a matemática para fora do ambiente acadêmico.

“Tento mostrar que a matemática não é apenas sobre resultados. As pessoas querem ouvir a história de uma aventura —e não só uma aventura científica, mas também uma aventura humana”, diz.

De acordo com Villani, há essencialm­ente três modos de se contar as peripécias de sua disciplina.

“Uma é por meio da aventura das pessoas que participar­am delas, seu lado humano. Há também a aventura dos projetos, em que o foco são as questões que ainda faltam ser resolvidos. Por fim, existe uma aventura das ideias, um percurso no qual vamos passando de um problema para o seguinte, mostrando como foram sendo superados.”

Em suas conferênci­as para audiências mais amplas, diz, busca combinar essas três vertentes. No ICM-2018, o matemático deu uma palestra aberta ao público onde narrou a história de três séculos de tentativas de definir a idade correta da Terra.

“A ciência precisa de comunicaçã­o, e não somente a feita por escritores de ciência ou jornalista­s. Os cientistas também têm um papel nisso, dividindo as suas descoberta­s e a sua experiênci­a.”

 ?? Pablo Costa/Divulgação ?? O matemático francês Cédric Villani durante sua palestra no Congresso Internacio­nal de Matemático­s, no Rio; ao fundo, o conde de Buffon (1707-1788)
Pablo Costa/Divulgação O matemático francês Cédric Villani durante sua palestra no Congresso Internacio­nal de Matemático­s, no Rio; ao fundo, o conde de Buffon (1707-1788)

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