Folha de S.Paulo

Acabou o reinado da França?

-

Primeiro, em janeiro, morreu o chef Paul Bocuse, aos 91 anos. Agora, na semana passada, foi-se outra lenda francesa: Joël Robuchon, levado por um câncer. Pelo mundo afora, ambos receberam uma enxurrada de homenagens. De maneiras muito diferentes —Bocuse nunca arredou pé do classicism­o, enquanto Robuchon revolucion­ou e internacio­nalizou o conceito da alta cozinha—, eram símbolos máximos do poder francês. Fizeram fama mais de 30 anos atrás, quando a França reinava soberana.

Era para lá que ia quase todo jovem chef ambicioso quando queria aprender com os melhores (desde o escocês Gordon Ramsay até o argentino Francis Mallmann). E os que não estagiavam em cozinhas francesas copiavam as receitas e o modo de servir delas —a começar pelo mais premiado e famoso chef vivo, o catalão Ferran Adrià, do extinto restaurant­e El Bulli, na Espanha. Antes de virar a gastronomi­a de cabeça para baixo e inventar espumas, Ferran Adrià servia…. pratos franceses!

O reinado francês acabou-se aos pouquinhos. Restaurant­es como o de Paul Bocuse pararam no tempo, os três estrelas do “Guia Michelin” tradiciona­is saíram de moda e chefs estrangeir­os de enorme talento, como o americano David Chang, rebelaram-se contra as amarras de suas formações francesas.

Até 20 anos atrás, em toda metrópole os restaurant­es mais caros e chiques eram franceses. Em São Paulo, Laurent e Roanne. No Rio, Le Pré-Catelan. Em Nova York, La Côte Basque. Em Londres, Le Gavroche. Isso acabou. Com os novos tempos e as novas modas, restaurant­es “autorais” tornaram-se os mais baladados e premiados. Ironicamen­te, vários deles, como El Celler de Can Roca e Tickets, na Catalunha, e Eleven Madison Park, em Nova York, têm raízes francesas.

Está mais na moda ir comer na Espanha ou na Dinamarca do que na França. Só que tem um pouquinho de França em toda cozinha dinamarque­sa ou espanhola estrelada porque as técnicas francesas são a base da formação da maioria dos cozinheiro­s. Eis o legado de Bocuse, Robuchon e outros gigantes da velha guarda como Alain Chapel e Pierre Troisgros. A escola francesa de cozinha que codificara­m e empoderara­m seguirá sendo referência perpetuame­nte pelo mundo afora, sejam quais forem as modas gastronômi­cas ou os destinos foodies da vez.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil