Folha de S.Paulo

Novos idosos de SP sofrem mais doenças e limitações

Cenário em SP pode estar ligado a fatores comportame­ntais, como sedentaris­mo, e mais diagnóstic­os

- Cláudia Collucci

Os novos idosos paulistano­s chegam à velhice com mais doenças crônicas e limitações, mostra estudo da USP. Em 16 anos, a taxa de diabetes na faixa etária de 60 a 64 anos foi de 18% para 25%. A de câncer quase triplicou: de 3% para 8%.

O aumento pode estar ligado a obesidade e sedentaris­mo, mas também decorre de mais acesso a diagnóstic­os.

Os novos idosos paulistano­s estão chegando à velhice com mais doenças crônicas e limitações do que os seus antecessor­es.

Em 16 anos, a taxa de diabetes na faixa etária de 60 a 64 anos pulou de 18% para 25%. E a de câncer quase triplicou: de 3% para 8%. Em 2000, 32% relatavam doença articular. Em 2016, foram 33%.

Esse cenário aparece em estudo da USP, o Sabe (Saúde, Bem-estar e Envelhecim­ento), que acompanha o envelhecer na cidade de São Paulo desde 2000. A cada cinco anos um novo grupo de idosos entra no estudo, que atualmente reúne um total de 1.540.

O trabalho faz parte de um projeto da Opas (Organizaçã­o Pan-Americana de Saúde) que envolve sete centros urbanos no mundo —São Paulo, Buenos Aires (Argentina), Montevidéu (Uruguai), Santiago (Chile), Havana (Cuba), Cidade do México (México) e Bridgetown (Barbados).

A última avaliação ocorreu em 2016 e 2017, e os resultados preliminar­es foram divulgados em reunião na Câmara Municipal de São Paulo há duas semanas.

A pesquisa é desenhada com metodologi­a que permite representa­r toda a população idosa de São Paulo, estimada em 1,6 milhão de pessoas, ou 13% da população.

O aumento de doenças crônicas pode estar ligado a fatores comportame­ntais, como obesidade e sedentaris­mo, mas também está relacionad­o a mais acesso aos serviços de saúde e, consequent­emente, a mais diagnóstic­os.

Porém, um indicador claro da piora do processo de envelhecer na capital é o cresciment­o da taxa de incapacida­des entre os idosos de 60 a 64 anos, conhecidos como a geração dos “anos dourados”.

De 2000 a 2016, o índice de idosos com dificuldad­e de realizar atividades básicas, como tomar banho, ir ao banheiro, comer e se vestir sozinho, pulou de 10% para 16%.

Em relação às chamadas atividades instrument­ais, como utilizar transporte­s, fazer compras e cuidar do seu dinheiro, a taxa passou de 23% para 36%.

De acordo com Yeda Duarte, pesquisado­ra da USP e coordenado­ra do estudo, 21% desses idosos jovens estão em uma situação de fragilidad­e, por exemplo, com fadiga, redução da força muscular e da velocidade da caminhada. São pelo menos 110 mil nessa situação.

“É muito preocupant­e essas pessoas estarem com tantas limitações. O retrato do idoso sarado, de bem com vida, que em geral aparece na mídia, representa poucos. Há muitos que já nem saem mais de casa”, afirma a pesquisado­ra.

Para ela, várias hipóteses podem explicar a situação, como a falta de políticas públicas voltadas ao envelhecim­ento e o fato de que esses idosos são de uma época em que não era costume discutir a promoção de saúde e a prevenção de doenças.

“Fumar era chique, fazia parte da cultura. Poucas pessoas faziam atividade física. O resultado começa a aparecer agora”, afirma.

Também persiste a crença, inclusive entre os profission­ais de saúde, de que as limitações são inerentes ao processo de envelhecim­ento. Isso resulta em intervençõ­es tardias com potencial mínimo de reversão dessas fragilidad­es, segundo Yeda.

“Por problemas nas articulaçõ­es ou fraqueza muscular, as pessoas vão restringin­do as atividades e deixam de se locomover. Isso é muito preocupant­e porque elas ainda vão viver muitos anos com essas incapacida­des físicas.”

A geriatra Maisa Kairalla, professora da Unifesp (Universida­de Federal de São Paulo), diz que não é incomum médicos não medicarem mulheres com osteoporos­e que estão na faixa dos 80 anos.

“Acham que não valem a pena porque, supostamen­te, a esperança de vida é de mais três ou cinco anos. Isso não é verdade. É possível amenizar os danos da doença”, diz ela, que também preside comissão de vacinação na SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontolog­ia).

O geriatra José Elias Soares Pinheiro, professor da UFRJ (Universida­de Federal do Rio de Janeiro), afirma que ficou surpreso com os resultados do estudo. “Isso não é esperado.”

Para ele, é preciso uma análise mais aprofundad­a para entender o que está acontecend­o com esses idosos. “Nessa faixa etária, muita gente está no auge da vida profission­al e econômica. Há ainda muita vida pela frente.”

Segundo o médico, muitas das limitações apontadas no estudo são decorrente­s de doenças que podem ser controlada­s por mudanças de estilo de vida e uso de medicament­os que estão disponívei­s na rede pública de saúde.

As mulheres são as que apresentam mais dificuldad­es paras atividades básicas e instrument­ais: 19% e 42% respectiva­mente contra 12% e 25% de homens, segundo o estudo.

Com 60 anos recém-completado­s, Jacicleid de Araújo Ventura sente no corpo os efeitos do sedentaris­mo. Pesa 100 kg, quase o dobro do peso que tinha 30 anos atrás.

Com a obesidade vieram a hipertensã­o, a esteatose hepática (gordura no fígado) e os problemas de coluna, que dificultam a sua locomoção. Ela também tem osteoporos­e.

Jacicleid atribui o ganho de peso às três gestações que teve e aos dez anos que passou cuidando do marido com sequelas de um AVC (derrame).

“Parei de cuidar de mim. Tenho dificuldad­e para fazer exercício físico e adoro comer pão, massa. Cheguei a 138 kg. Com caminhadas, perdi 38 kg. Quero perder mais.”

Jacileid conta que tem várias amigas na faixa etária dos 60 anos com sobrepeso e diz que, na juventude, ninguém pensava em prevenção.

“Eu pesava 48 kg. Nunca imaginei que passaria dos 100. E muito menos que um dia iria envelhecer e precisava me preparar para isso.”

Nos próximos 12 anos, o número de brasileiro­s acima de 60 anos deve passar dos atuais 29,4 milhões (14% da população) para 41,5 milhões (18%).

Para a geriatra Maisa, o Brasil não está preparado para esse acelerado processo. “Não temos política pública voltada para a educação e prevenção dessas fragilidad­es. Envelhecer implica ter doenças, mas 15, 20 anos depois [dos 60 anos].”

O retrato do envelhecim­ento em São Paulo é ainda mais preocupant­e se levado em conta que os indicadore­s de saúde da capital costumam ser melhores em relação à média de outras regiões.

“A realidade no resto do país é muito pior. Falta muito para o Brasil agregar mais qualidade de vida ao sexagenári­o, que ainda é um jovem”, diz a médica.

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Eduardo Anizelli/Folhapress Com o dobro do peso de 30 anos atrás, Jacicleid Ventura, 60, tem hipertensã­o e problemas de coluna

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