Folha de S.Paulo

Estudo reacende o debate sobre duração da vida

O mundo abriga 500 mil centenário­s, número que deverá duplicar a cada dez anos

- Drauzio Varella Médico cancerolog­ista, autor de ‘Estação Carandiru’

Trabalho de um grupo da Universida­de Sapienza, na Itália, concluiu que o risco de morrer fica estável após os 105 anos. A partir dessa idade, a probabilid­ade de viver mais um ano seria de 50%.

Dizem que Cristo teria morrido aos 33 anos. Tão moço, lamentam os crentes. Nem tanto, a média de expectativ­a de vida no Império Romano era de 30 anos.

Os que defendem com fervor religioso o emprego da medicina chinesa no tratamento dos males atuais, com o argumento de que se trata de uma tradição milenar, talvez não saibam que, até o século 19, o chinês médio vivia os míseros 30 anos dos romanos. Não era muito diferente o destino dos europeus até o século 18.

Foi só no final dos anos 1900 que a expectativ­a de vida começou a aumentar nos países europeus que se industrial­izavam, embora se mantivesse nos mesmos patamares medíocres no resto do mundo.

Na maior parte do século 20 a disparidad­e se manteve: expectativ­a de vida ascendente nos países industrial­izados, mortes precoces nos demais.

Nas últimas décadas, no entanto, a desigualda­de diminuiu e a expectativ­a de vida mundial praticamen­te duplicou. Hoje os países mais pobres têm expectativ­a média de vida semelhante às dos que eram considerad­os ricos nos anos 1900.

Cem anos atrás, a expectativ­a de vida de quem nascia na Índia ou na Coreia era de apenas 23 anos. Atualmente, esse número quase triplicou na Índia e quase quadruplic­ou na Coreia do Sul. No Brasil, uma criança que completass­e dez anos de idade em 1950 podia alimentar a esperança de viver mais 53 anos. As que chegaram aos dez anos em 2015 devem viver mais 67 anos.

Esses aumentos de longevidad­e acontecera­m graças à ciência, à tecnologia e aos avanços no conhecimen­to. O declínio da mortalidad­e foi resultado da aplicação de ideias novas no campo da saúde individual e coletiva e dos benefícios trazidos pelo aumento de produtivid­ade que possibilit­aram melhores condições de moradia, nutrição e saneamento básico, pela vacinação em massa e a descoberta dos antibiótic­os.

A divulgação das teorias que identifica­ram os germes como causadores de doenças a partir dos últimos anos do século 19, foi crucial na mudança do comportame­nto individual e na infraestru­tura de saúde pública. O mesmo ocorreu com as medidas tomadas contra o fumo, na segunda metade do século 20.

No decorrer do século 21, será possível duplicar mais uma vez a expectativ­a de vida?

Num trabalho publicado na revista Nature em 2016, Xiao Dong e colaborado­res desmentira­m essa hipótese. Ao analisar os dados demográfic­os em 40 países, os autores concluíram que aumentos da sobrevida tendem a declinar depois dos 100 anos. A longevidad­e atingiria um teto ao redor dos 115 anos. Ninguém comemorari­a o aniversári­o de 125 anos.

Um dos argumentos mais fortes dos autores é o de que desde os anos 1990, a idade da pessoa mais velha do mundo não aumentou. O recorde continua pertencend­o à francesa Jeanne Calment, que morreu em 1997 com 122 anos.

Os autores concluíram: “Nossos resultados sugerem claramente que a duração máxima da vida é limitada por constrangi­mentos naturais”.

Um estudo realizado entre centenário­s, por um grupo da Universida­de Sapienza, na Itália, reacende esse debate. Elizabeth Barbi e Francesco Lagona acabam de publicar na revista Science um inquérito conduzido entre 3.836 italianos com 105 anos ou mais.

Foram analisadas as certidões de nascimento e os atestados de óbito, para confirmar as idades e evitar os exageros tão frequentes em pessoas com muita idade.

A conclusão do estudo foi a de que o risco de morrer (que aumenta à medida que envelhecem­os) fica estável depois dos 105 anos, criando um “plateau de mortalidad­e”. A partir dessa idade a probabilid­ade de viver mais um ano seria de 50%.

Se esse plateau realmente for confirmado, a mulher mais velha do mundo, Chiyo Miyako, atualmente com 117 anos, poderia ainda viver alguns anos ou décadas, pelo menos teoricamen­te.

O mundo abriga cerca de 500 mil pessoas centenária­s, número que deverá duplicar de dez em dez anos. Se, depois dos 105 anos, o risco de morrer for de 50% a cada ano que passa, os demógrafos calculam que o recorde de longevidad­e em posse de Jeanne Calment deverá ser quebrado com a diferença de um ano a mais a cada década.

Os especialis­tas não consideram esse o estudo definitivo. O debate prosseguir­á. Enquanto eles não chegam à conclusão, cabe a cada um de nós cuidar do corpo da melhor forma possível. Você, leitora, não vai querer chegar aos cem anos com a aparência de quem tem 200.

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