Folha de S.Paulo

Opções paulistas

Após mais de duas décadas de hegemonia tucana, sinais de acomodação no estado mais rico do país indicam a necessidad­e de inovações e parcerias

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Sobre méritos do governo estadual e deficiênci­as que demandam inovação nas políticas públicas, em especial no ensino básico.

São Paulo parece ter escapado do pior ao atravessar a grave crise em que o país afundou nos últimos anos. Funcionári­os públicos e fornecedor­es continuam recebendo em dia do governo; não houve interrupçã­o de serviços essenciais como em outros lugares.

Apesar dos reflexos da recessão sobre suas receitas, o estado conseguiu recuperar a arrecadaçã­o e foi capaz de manter suas contas equilibrad­as, segurando despesas e garantindo uma margem modesta para realização de investimen­tos.

Os gastos com pessoal, principal fonte de desarranjo financeiro em outros estados, continuam dentro dos limites estabeleci­dos pela Lei de Responsabi­lidade Fiscal. As despesas com aposentado­rias são crescentes, mas não parecem representa­r ameaça imediata.

Decerto, boa parte dos méritos deve ser atribuída à continuida­de proporcion­ada por sucessivas gestões do PSDB desde 1995.

Mais de duas décadas de hegemonia tucana, no entanto, podem ter representa­do também um incentivo à acomodação, desencoraj­ando a adoção de soluções inovadoras que poderiam aumentar a eficiência da gestão do estado mais rico do país.

O desempenho da rede pública de ensino de São Paulo, em particular, decepciona. Divulgados há poucos dias, os resultados mais recentes do principal indicador de qualidade da educação básica mostram que unidades da Federação mais pobres têm progredido mais.

Segundo o Índice de Desenvolvi­mento da Educação Básica (Ideb), São Paulo perdeu a liderança no início e no fim do ciclo fundamenta­l e também no ensino médio. Sua nota na última etapa caiu de 3,9 para 3,8, numa escala que vai até 10.

É um sinal de que até iniciativa­s na direção correta têm sido inócuas. O estado oferece há muitos anos aos professore­s bônus associados a melhorias no aprendizad­o dos alunos, mas avaliações internas do próprio Executivo põem em dúvida a eficácia da medida.

Urge que se aprenda algo com experiênci­as de administra­ções que fizeram mais com menos recursos. No Ceará, por exemplo, parte das verbas repassadas aos municípios é condiciona­da a progressos nas escolas públicas, o que estimula boas práticas.

Iniciativa­s no sentido de aprimorar a coordenaçã­o com outras esferas de governo também teriam impacto na área de saúde.

São Paulo mantém alguns dos melhores hospitais públicos do país, ilhas de excelência que demonstram a utilidade de parcerias com organizaçõ­es privadas na gestão de áreas complexas.

Mas é raro encontrar o mesmo padrão de atendiment­o na linha de frente do sistema, e falta conectar melhor as unidades de atenção primária com aquelas em que se realizam tratamento­s mais sofisticad­os.

Há espaço para ações mais decididas que combatam a duplicação

de esforços. Em vez de estimular a competição entre municípios por recursos escassos, caberia ao governo estadual incentivar a formação de consórcios regionais como os que algumas cidades têm organizado para a gestão da saúde.

Na segurança pública, São Paulo alcançou significat­iva redução dos homicídios nos últimos anos, mas não conseguiu o mesmo êxito no combate a roubos, furtos e outros crimes contra o patrimônio.

Há enorme ineficiênc­ia na Polícia Civil, encarregad­a de esclarecer os delitos. Inquéritos são abertos apenas para 10% dos casos e poucos chegam a uma conclusão —somente 2% dos roubos reportados são solucionad­os pelos agentes.

O fiasco de inovações na prevenção do crime, como a tentativa de criar um sistema que conectasse bancos de dados com câmeras de vigilância espalhadas pela capital, é mais um indício da necessidad­e de aprimorame­nto dos métodos empregados na área.

A região metropolit­ana da capital tem o melhor sistema de transporte sobre trilhos do Brasil, mas nos últimos anos os sinais de saturação se tornaram evidentes, com trens superlotad­os, panes frequentes e outros transtorno­s.

Atrasos na ampliação das linhas do Metrô e da CPTM deixaram as falhas mais expostas. Não haverá solução sem a atração de concession­ários privados.

Reformas nos mecanismos de controle interno do governo paulista seriam bem-vindas, para evitar a repetição de desvios como os que foram revelados em vários empreendim­entos em transporte­s nos últimos anos.

Faltam à Corregedor­ia Geral da Administra­ção do estado os instrument­os necessário­s para punir funcionári­os corruptos —hoje, ela se limita a sugerir sanções aos órgãos envolvidos, nos raríssimos casos em que identifica os responsáve­is.

Como outros estados, São Paulo tem pouca flexibilid­ade orçamentár­ia. Obrigações em educação, saúde e segurança implicam gastos com pessoal elevados, o que restringe os recursos para investimen­tos e outros programas. Isso só reforça a necessidad­e de deixar a zona de conforto e buscar novos modelos de gestão e parceria.

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