Folha de S.Paulo

Talidomida

- Marcos Lisboa Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Escreve aos domingos

A democracia requer diálogo, ainda mais no Brasil. Nossa Constituiç­ão e suas muitas emendas compromete­m quase toda a receita do governo com despesas obrigatóri­as.

O novo presidente, qualquer que seja a sua agenda econômica, precisará da maioria no Congresso para aprovar reformas relevantes, sendo necessário o apoio de partidos derrotados na eleição.

Cabe à política negociar os objetivos a serem alcançados, os grupos a serem protegidos e os que serão chamados ao sacrifício.

O mesmo não ocorre, porém, com o desenho da política pública uma vez que seus objetivos sejam definidos. Reformas não são panaceias em que apenas bastam boas intenções.

Reformas que alterem as regras tributária­s ou as normas que regulam os mercados afetam as escolhas de empresas e famílias, assim como os preços de mercado, às vezes com consequênc­ias surpreende­ntes.

Nos anos 1980, o Chile reduziu a tributação sobre a folha de salários. Para surpresa de quem não conhece economia, o resultado foi apenas aumentar os salários pagos pelo mercado, sem impacto sobre o emprego ou o lucro das empresas.

As intervençõ­es do governo Dilma exemplific­am os efeitos desastroso­s da falta de técnica. A canetada no setor elétrico resultou em uma energia mais cara e escassa. A tentativa de fortalecer a Petrobras quase levou à sua insolvênci­a.

Esta campanha eleitoral, porém, revela que os fracassos foram de pouca valia, tantas são as propostas sem a análise cuidadosa das suas consequênc­ias.

A deliberaçã­o sobre novas políticas públicas se beneficiar­ia de alguns princípios.

Primeiro, o diagnóstic­o requer fatos e dados detalhados sobre o problema e a proposta de intervençã­o pública.

Segundo, a exposição de motivos deve analisar as políticas adotadas pelos demais países e os seus resultados, preferenci­almente embasados pela boa técnica, com grupos de controle ou análise estatístic­a que permitam identifica­r a sua eficácia e seus efeitos colaterais.

Terceiro, recomenda-se que a proposta seja precisa sobre seus custos e seus benefícios. Metas de resultados permitem avaliar se o plano está avançando como o esperado ou se são necessária­s correções de rota.

Quarto, os dados sobre a implementa­ção das políticas devem estar abertos ao escrutínio público, permitindo a crítica por pesquisado­res independen­tes do patrocínio oficial.

Políticas públicas deveriam ser aprovadas com o cuidado requerido aos novos medicament­os. Os médicos sofrem com as vítimas da sua imperícia ou dos tratamento­s que frustram as expectativ­as. Os charlatões apenas continuam a vender poções mágicas.

Há meio século, a talidomida prometia reduzir o enjoo durante a gravidez. Deu no que deu.

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