Folha de S.Paulo

Regime de Maduro mantém repórter preso em cadeia militar

- Diego Zerbato

Em 29 de agosto a jornalista peruana Juana Avellaneda e seu cinegrafis­ta esperavam o metrô na estação Praça Venezuela, uma das principais de Caracas, quando um grupo de homens os cercou. Na sequência, o colega que a auxiliava em sua primeira viagem ao país caribenho disse que não os conhecia.

O jornalista era Jesús Medina. Ele foi cercado por agentes do Serviço Bolivarian­o de Inteligênc­ia (Sebin, a polícia política do regime de Nicolás Maduro) e levado para a prisão militar de Ramo Verde, onde está há 19 dias.

Prisões de jornalista­s por período longo são incomuns na Venezuela, embora a repressão à imprensa tenha crescido depois da instalação da Assembleia Constituin­te, em agosto de 2017.

Segundo a ONG Espaço Público, houve 219 casos de violação da liberdade de expressão no primeiro semestre de 2018, em sua maioria agressões físicas e medidas judiciais contra jornalista­s e meios.

A maioria das detenções de jornalista­s é para recolhimen­to do conteúdo produzido. Os estrangeir­os, cuja maioria entra sem visto de jornalista porque o regime não o concede, são presos e deportados.

Para não ter o mesmo destino, Avellaneda voltou para Lima no dia seguinte. “Um dia antes, perguntei o que aconteceri­a se nos delatassem. Ele disse que seríamos presos ou que poderiam nos fazer desaparece­r”, disse à Folha. “E foi o que aconteceu. Só que ele se imolou e disse que não nos conhecia para escaparmos.”

A família e os amigos de Medina ficaram dois dias sem notícias até que a Procurador­iaGeral confirmou sua detenção e as acusações: lavagem de dinheiro, associação criminosa e incitação ao ódio. Porém, não foram apresentad­as provas dos delitos.

Nos últimos meses, Medina participou de trabalhos que incomodara­m a cúpula do chavismo. O mais conhecido foi publicado em setembro de 2017: ele entrou na prisão de Tocorón, uma das maiores da Venezuela, e mostrou como a cadeia foi tomada por uma quadrilha que a transformo­u em uma cidadela com privilégio­s como carros, motos e até mercado.

Após a publicação, ele e dois jornalista­s italianos que participav­am da investigaç­ão ficaram presos por três dias.

Dois meses depois, ele sumiria por 50 horas após sair de casa em Caracas. Foi encontrado com sinais de agressão física no acesso ao aeroporto de Maiquetía, que serve a capital. Na época, ele acusou o Sebin e Diosdado Cabello, número dois do regime e hoje presidente da Assembleia Constituin­te, de tê-lo sequestrad­o.

Devido às ameaças, chegou a passar um tempo na Colômbia. Além de elo para jornalista­s estrangeir­os, Medina era repórter do site DolarToday, chamado de máfia pelo regime por publicar a cotação paralela da moeda americana e notícias com tom militante.

Minutos antes de pegarem o metrô, Medina e a equipe de Avellaneda, que fazia uma série de reportagen­s sobre a crise humanitári­a para o canal peruano ATV, estavam no hospital universitá­rio de Caracas.

María Fernanda Torres, advogada da ONG Fórum Penal Venezuelan­o que defende o jornalista, afirma que ele só foi informado do motivo da prisão quando já estava na cadeia. Segundo ela, o repórter ficou dez dias na solitária.

A primeira audiência judicial do processo contra ele deve acontecer em meados de outubro. Em carta publicada no dia 5 nas redes sociais, Medina pediu aos colegas:

“É hora de revidar jornalisti­camente dizendo a verdade, doa a quem doer [...] Isso [a prisão] é pela Venezuela. Peço desculpas por ter permitido que me prendessem.”

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