Folha de S.Paulo

Burocracia é entrave para revalidar diplomas de refugiados

- Gabriela Bazzo e Vanessa Fajardo

Apesar de novas leis e da simplifica­ção dos processos em universida­des brasileira­s, revalidar o diploma de curso superior é um desafio para os refugiados que chegam ao Brasil.

Até agosto de 2018, a ONG Compassiva, parceira do Acnur (órgão da ONU para os refugiados), viabilizou a revalidaçã­o de 30 certificad­os de refugiados desde o início da parceria entre as organizaçõ­es, em 2016. Com o diploma revalidado, o estrangeir­o está apto a exercer a profissão na qual se formou no seu país.

Pela parceria, foram realizados 89 processos desde 2016 —destes, 30 diplomas foram revalidado­s, 48 estão em análise, 2 foram arquivados e 9, indeferido­s. Além de apoio jurídico, a Compassiva prevê a possibilid­ade de auxílio financeiro para arcar com traduções juramentad­as e taxas do processo. Atualmente, o prazo para processar os casos é de 180 dias, segundo determina o Ministério da Educação.

“Hoje, temos no Brasil apenas 14% da população com ensino superior completo, e recebemos vários refugiados que têm ensino superior, mestrado, doutorado, falam quatro idiomas. Quando não reconhecem­os seus diplomas, perdemos mão de obra qualificad­a”, afirma Camila Tardin, advogada da ONG.

No Brasil, não há procedimen­to padrão para tais processos, e em algumas instituiçõ­es a taxa para revalidar um certificad­o pode ser superior a R$ 2.000, fora os custos com traduções.

Estados como São Paulo e Rio de Janeiro contam com dispositiv­os legais que isentam os refugiados do pagamento dessas taxas em universida­des estaduais. Para Camila, no entanto, deveria haver uma lei federal de isenção de taxas em todo o país.

“Além do custo, temos vários outros entraves. A maioria das instituiçõ­es quer que a documentaç­ão dos refugiados seja consulariz­ada, mas, quando falamos de um refugiado da Síria que é um desertor, ele é tratado como um criminoso em seu país, então não vai conseguir ir ao consulado pedir um carimbo”, critica.

Para o refugiado sírio Salim Alnazer, o projeto da Compassiva mostrou “o caminho das pedras’’ para revalidaçã­o de seu diploma de farmacêuti­co pela Universida­de Federal Fluminense (UFF). A ONG também ajudou com seu credenciam­ento no Conselho Regional de Farmácia.

No Brasil desde novembro de 2014, ele já trabalhou como vendedor e atualmente é o farmacêuti­co responsáve­l de uma empresa de logística.

Alnazer tentou revalidar o certificad­o pela USP, mas desistiu devido ao custo de R$ 1.700. “A gente saiu da Síria sem dinheiro, sem nada, só com as roupas. A revalidaçã­o me abriu portas’’, conta.

Tatyana Friedrich, coordenado­ra do programa de política migratória da Universida­de Federal do Paraná (UFPR), também condena o excesso de burocracia. “O processo é caro e elitizado”, diz.

A UFPR oferece uma revalidaçã­o paralela à do Ministério da Educação para “relativiza­r as exigências.” Mesmo assim, pela instituiçã­o, são revalidado­s no máximo três diplomas de refugiados por ano, das cerca de 25 solicitaçõ­es.

“Já vi gente chegar com diploma com as pontas queimadas e ser uma burocracia para revalidar. Às vezes as instituiçõ­es submetem essas pessoas a provas tão difíceis que nem os coordenado­res dos cursos passariam. Enquanto não fizermos uma política de revalidaçã­o, vamos subaprovei­tar o potencial desses profission­ais.”

Luís Felipe Magalhães, pesquisado­r do Observatór­io das Migrações em São Paulo e da Cátedra Sérgio Vieira de Mello da Unicamp, reforça a necessidad­e de políticas públicas de validação dos diplomas e de acesso à educação em seus diversos níveis.

“Estamos diante de uma fase migratória em que os novos imigrantes frequentem­ente possuem alta escolarida­de. As políticas públicas são essenciais para identifica­r e aproveitar esse potencial, permitindo que imigrantes sigam contribuin­do para o desenvolvi­mento econômico e social e para a diversidad­e cultural pelos quais passam qualquer projeto de país’’, comenta.

 ?? Gabo Morales/Acnur ?? Camila Tardin, advogada da ONG Compassiva, atende refugiado
Gabo Morales/Acnur Camila Tardin, advogada da ONG Compassiva, atende refugiado

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil