Desesperança faz trabalhador desistir de procurar emprego
Idade, falta de estudos e pouco dinheiro para custear busca por trabalho estão entre os fatores que levam ao desalento
Falta de alento, desânimo, abatimento, esmorecimento. São muitos os sinônimos para desalento no dicionário. No Brasil de hoje, porém, a palavra significa fim da esperança de encontrar trabalho.
Seja por falta dinheiro — custa buscar emprego—, seja por tanto procurar, não encontrar e já se considerar incapaz para funções que aparecem, os desalentados brasileiros já somam 4,8 milhões de pessoas —4,3% da população em idade de trabalhar, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O índice é recorde: mais que o dobro do registrado de 2012 a 2015, quando a taxa de desemprego, hoje em 12,3%, era de apenas um dígito.
O desalentado fica fora das estatísticas de desemprego pelos critérios de análise das pesquisas oficiais. Por essa peculiaridade, alimentam nas planilhas uma contabilidade inversa à realidade: quanto maior o número de desalentados, menor a taxa de desemprego.
Os que perdem a esperança são transferidos para massa de quase 65,5 milhões de pessoas que estão fora da força de trabalho, o universo reservado a estudantes e aposentados, por exemplo.
Assim, os sem trabalhos que sonham em trabalhar estão catalogados em dois grupos. A enfermeira Santa Alves, o carregador José Modesto e Neusa Francisca dos Santos, que já trabalhou em casas de família, por exemplo, que perderam a esperança para sair em busca de uma atividade, não são desempregados.
Nessa categoria estão pessoas como Priscila Figueiredo, a auxiliar de cozinha Jeniffer Aparecida dos Santos e a auxiliar de limpeza Doralice de Souza que, mesmo vendo o dinheiro para a passagem do ônibus ou para imprimir currículos minguar, continuam em busca de uma vaga.
Esses desalentados e desempregados moram em Capão Redondo, zona sul de São Paulo, região em que a taxa de desemprego no ano passado foi de 18,6%, de acordo com a Fundação Seade —a segunda maior taxa da capital paulista, atrás do extremo da zona leste (20,2%).
“Há o desemprego oculto, que não aparece nas estatísticas. Perde-se de vista esse contingente que desistiu [de procurar emprego]”, afirma a professora Belinda Mandelbaum, chefe do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da USP.
Segundo Mandelbaum, os desalentados não são excluídos apenas das estatísticas. Pouco a pouco também são transferidos para uma espécie de limbo social na vida real.
“As pessoas ficam até com restrição de circulação, sem dinheiro para se movimentar pela cidade. O desalento gera até uma imobilidade social, as pessoas ficam restritas a seu âmbito familiar”, afirma.
Ela reforça que o trabalho tem impacto profundo na vida das pessoas. É fundamental na formação da identidade, das capacidades. “Quem trabalha está inserido no mundo, em outros grupos, tem uma identidade social. Tudo se perde quando está desempregado”, diz ela.
Segundo a professora, estudos mostram que há correlação entre desemprego e divórcio, violência familiar e até alcoolismo. A sociedade, diz, vê o pai de família como o principal provedor da casa. Se não consegue cumprir esse papel, pode ser visto como um fracassado —e é aí que a violência familiar pode explodir.
“Ele se vê como alvo de violência no mundo e reproduz isso dentro de casa”, diz.
Claro, isso não ocorre sempre nem em todas as famílias. Mas, segundo Mandelbaum, é potencializado pelo magro colchão de amparo a desempregados que há no Brasil —o seguro-desemprego só tem até cinco parcelas.
“Aqui o desemprego, apesar de ser estrutural, é mais culpa do desempregado. Se o sujeito não está trabalhando é vagabundo. Não dá para por só na conta disso. Não pode ser só do trabalhador o fracasso.”
Mandelbaum defende ainda que, olhando apenas para os números, a realidade pode ser mascarada de muitas outras maneiras.
“O jovem que limpa vidro no semáforo, para fins de estatística, está empregado.” Priscila Figueiredo, 27
São os filhos que dão força para que Priscila não desista de buscar emprego. “É tanto não que a gente leva na cara que só com um motivo muito forte para não desanimar de vez”. Sem renda fixa, tem se virado com alguns bicos que faz em casa de amigas. A família ainda conta com o dinheiro do marido, que continua empregado, mas a situação ficou complicada pois há uma fonte a menos de dinheiro. “Tem menos renda entrando e cada dia as contas estão mais altas. Temos que fazer malabarismos para pagar a conta de luz, que cada dia é mais cara”.