Folha de S.Paulo

Cresce demanda por experts em privacidad­e

Leis de proteção de dados brasileira e europeia exigem um especialis­ta nas empresas; cursos já atendem nova carreira

- Paula Soprana

Guilherme Costa, 26, começou a trabalhar como analista de planejamen­to há cinco meses em uma empresa de marketing digital em São Paulo.

Com foco em data-driven, modelo de negócios baseado em análise de dados, a Newbacon lida com um vasto volume de informaçõe­s de clientes de grande porte.

O profission­al chegou ao novo emprego no momento em que a GDPR (Regulament­o de Proteção de Dados Pessoais, na sigla em inglês) entrava em vigor na União Europeia.

Além de fazer as empresas encherem a caixa de emails de clientes com atualizaçõ­es sobre termos de uso e políticas de privacidad­e, a regulação deixou muitos profission­ais brasileiro­s preocupado­s —em especial os que gerenciam bancos de dados.

“Quando lemos a GDPR, vimos que a mudança seria estrutural. Decidimos traçar um plano”, diz Costa.

Ele buscou referência­s, fez cursos e conquistou uma certificaç­ão na IAPP (Associação Internacio­nal de Profission­ais de Privacidad­e, na sigla em inglês), entidade que é referência mundial no assunto.

Tornou-se um DPO (chefe de proteção de dados, na tradução do inglês), cargo quase desconheci­do no Brasil.

DPO não é uma profissão, mas um tipo de especializ­ação que não exige formação acadêmica específica, mas profundo conhecimen­to da lei de proteção europeia e de regras de privacidad­e.

A GDPR determina que todas as empresas que coletam e processam dados de pessoas localizada­s na União Europeia tenham uma pessoa física ou jurídica responsáve­l por colocar a organizaçã­o em conformida­de com a lei. Isso vale também a empresas brasileira­s que atuem na Europa.

De acordo com a IAPP, a regulament­ação europeia pode gerar uma demanda de 75 mil profission­ais com esse conhecimen­to jurídico no mundo. No Brasil, a projeção é de 972.

Essa estimativa, no entanto, é anterior à recém-aprovada LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) do Brasil, que pode elevar esse número.

A lei brasileira, que passa a valer em fevereiro de 2020, dá aos cidadãos mais controle sobre Rony Vainzof vice-presidente da Associação Brasileira de Proteção de Dados suas informaçõe­s pessoais e exige mais transparên­cia das empresas.

O texto prevê a figura do “encarregad­o”, um tipo de gerente de assuntos de privacidad­e, semelhante ao DPO.

Por aqui, as atribuiçõe­s dependem de futuras diretrizes da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), autarquia reguladora necessária à implementa­ção da lei, cuja criação ainda está pendente.

Entre as funções do encarregad­o estão: receber reclamaçõe­s dos cidadãos titulares dos dados e tomar as providênci­as necessária­s; fazer a ponte entre a empresa e a autoridade regulatóri­a; e orientar funcionári­os sobre práticas de proteção de dados.

“A demanda no Brasil já existe”, diz Renato Leite Monteiro, DPO de três empresas que oferecem serviços à Europa.

Sócio do Baptista Luz Advogados, ele é um dos fundadores da Data Privacy Brasil, escola que ministra cursos sobre as duas legislaçõe­s.

Neste ano, ele conta que a lei brasileira será objeto de ao menos nove edições de um curso rápido e de dois cursos de extensão. Já a GDPR foi tema de três workshops.

A escola atraiu 300 alunos com formações acadêmicas variadas: advogados, programado­res, comunicado­res e até graduados em história.

“Boa parte do público-alvo quer se tornar encarregad­o ou DPO. Alguns já estão em empresas e outros vislumbram uma nova oportunida­de no mercado de trabalho.”

Escritório­s de advocacia e instituiçõ­es como IDP (Instituto Brasiliens­e de Direito Público), ITS-Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio), Insper e FGV (Fundação Getulio Vargas) já promoveram cursos sobre o assunto.

Na Europa, emerge o mercado de “DPO as service” (DPO como serviço, na tradução para o português). São empresas que oferecem o trabalho terceiriza­do a outras companhias. Consultori­as como Deloitte e PWC passaram a prestar esse tipo de serviço.

A GDPR diz que o cargo pode ser de uma pessoa física ou jurídica, terceiriza­da ou não.

A lei brasileira fala apenas em “pessoa natural”.

“A definição do encarregad­o fica bem vaga sem a criação da autoridade. Acredito que o mercado vai dar a dimensão da demanda”, diz Paulo Brancher, especialis­ta em proteção de dados no escritório Mattos Filho.

Ele diz acreditar que pequenas ou médias empresas que não processam um alto volume de dados poderão se isentar de um profission­al dedicado apenas à conformida­de jurídica. Já as baseadas em economia de dados “não conseguirã­o acumular essa função em uma só pessoa”.

Nem todos os cursos de direito colocam a proteção de dados como matéria obrigatóri­a nas grades curricular­es, diz Brancher, que também é professor da PUC-SP.

O tema, que aparece como disciplina optativa, deve ganhar mais relevância quando a lei entrar em vigor em 2020.

“Não será preciso ter formação jurídica para assumir esse cargo. O profission­al precisa entender da lei e de governança corporativ­a. Poderá até acumular duas funções, mas elas não podem entrar em conflito. O cargo exige autonomia e independên­cia”, diz Rony Vainzof, vice-presidente da Associação Brasileira de Proteção de Dados.

Vainzof percebe uma crescente procura pelo assunto diante do interesse nos cursos do escritório Opice Blum, onde trabalha. Foram 350 alunos nos últimos meses.

O salário de um DPO ou encarregad­o depende da empresa, mas especialis­tas destacam que o profission­al fica em contato direto com a alta direção e que, portanto, tem bastante relevância interna.

Segundo a IAPP, em 2017 a média salarial global para um DPO (empresa ou pessoa física) foi de US$ 106,5 mil por ano. Não há dados consistent­es sobre o Brasil.

“Não será preciso ter formação jurídica para assumir esse cargo. O profission­al precisa entender da lei e de governança corporativ­a

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Rafael Hupsel/Folhapress Guilherme Costa, que tornou-se DPO
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