Folha de S.Paulo

O candidato do PT

Há problema quando não aprendemos com os erros das decisões passadas

- Samuel Pessôa Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultori­a Reliance. É doutor em economia pela USP

Acabou o suspense. O Partido dos Trabalhado­res tem seu candidato.

Em entrevista à Globonews no dia 6 de setembro, Fernando Haddad reconheceu alguns erros de Dilma que resultaria­m em uma pequena crise. A severidade da recessão em 20152016, porém, foi consequênc­ia de o PSDB não ter aceitado o resultado eleitoral.

A tese é quase divertida. Fica o desafio de um trabalho estatistic­amente sério que mostre que a conjectura vai além de conversa de botequim.

O candidato parece ignorar o desastre fiscal do governo, que levou a dívida pública a passar de 50% para 70% do PIB em apenas três anos.

O que preocupa mais é a dificuldad­e de aprendizad­o. Lula não errou. Os empréstimo­s do BNDES, a reconstruç­ão da indústria naval, a mudança do marco regulatóri­o do petróleo, a construção das refinarias, e inúmeras outras medidas não foram erradas.

Recente estudo de Ricardo Barboza e Gabriel Vasconcelo­s documenta que cada R$ 1 emprestado pelo BNDES gerou R$ 0,50 de investimen­to.

Qualquer avaliação de custo e benefício das atividades dos BNDES no período petista começa com um desperdíci­o de 50%. Para que a perda não seja inaceitáve­l, nos outros 50% o ganho social do investimen­to, em excesso ao ganho privado, teria de ser surpreende­ntemente elevado para que as ações do banco não entrem na lista dos imensos desperdíci­os da década passada.

Eugênio Gudin em coluna para O Globo em 12 de maio de 1961, citando discursos do deputado Raul Gois, escreveu:

“Cita o ilustre deputado: ‘Um navio de 10 mil toneladas, a ser construído em Jacuecanga, foi contratado por Cr$ 1.495.000.000,00, preço este que, devido aos favores contidos no contrato, já hoje ultrapassa a cifra de Cr$ 1.680.000.000,00. E um navio de 10 mil toneladas custa hoje, nos mercados internacio­nais, com a mesma especifica­ção e a mesma velocidade do ‘nacional’, US$ 3.400.000,00, ou seja, em moeda brasileira, ao câmbio livre (não ao câmbio de custo) Cr$ 680.000.000,00, isto é, um bilhão de cruzeiros a menos que o navio ‘dito nacional’ ou construído no Brasil’.”

Continua o texto de Gudin: “O Brasil está sofrendo por falta de transporte marítimo e não pelo fato de os navios serem construído­s aqui, no Japão ou na China. Ora, o problema do transporte marítimo pode ser equacionad­o, resumidame­nte, em poucas palavras: Os navios gastam 50% do tempo nos portos; 27% do tempo em reparações e apenas 20% navegando. As tripulaçõe­s são quase o dobro das dos navios de outras nacionalid­ades”.

“Pois bem, esse problema, sem dúvida árduo e de penosa solução, resolve-se por uma mágica do Sr. Kubitschek, construind­o navios no País pelo dobro ou o triplo do preço.”

Não há problema se as discordânc­ias no debate público ocorrem, pois uns desejam enfrentar o problema fiscal por meio de elevação de receita e outros de queda de gasto. Norberto Bobbio já mostrou que esse é o debate natural e necessário em sociedades democrátic­as.

O problema ocorre quando não aprendemos com os erros das decisões passadas. Não à toa, repetimos o fracasso da indústria naval nos anos 1950, nos anos 1970 e agora nos anos 2000. Em todos os casos, o resultado foi um monte de estaleiros quebrados e pesada conta para os contribuin­tes.

Mestre Bobbio ficaria ainda mais espantado com a dificuldad­e dos economista­s de “esquerda” com a aritmética.

Coluna de Alexandre Schwartsma­n, na quarta-feira (12) neste espaço, documenta as dificuldad­es do assessor econômico do PT, Marcio Pochmann, com os números e as quatro operações.

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