Folha de S.Paulo

Mais um grupo de WhatsApp?!

É uma arma de chateação em massa, o cúmulo da tecnologia em prol dos chatos

- Antonio Prata Escritor e roteirista, autor de “Nu, de Botas”

Nenhum tipo humano se beneficiou mais dos avanços tecnológic­os do que o chato. A roda liberou o chato no espaço. O pergaminho, o papel e a imprensa liberaram o chato no tempo. Há chatos de milênios atrás cujos frutos chegaram até nós mantendo intactas suas qualidades soporífera­s —leia “Números”, na Bíblia, talvez a maior contribuiç­ão da chatice à cultura mundial.

O telefone criou o chato intermunic­ipal, interestad­ual, internacio­nal. O chato a cobrar. O chato tardíssimo. O chato cedíssimo. E se o chato preso por um fio à parede já incomodava muita gente, o chato via celular incomoda muito mais. O celular é pro chato o que o cinto de utilidades é pro Batman —só que nas mãos do Pinguim.

De todos os males que o chato munido de um telefone móvel é capaz, o que tem feito mais vítimas ao redor do globo é o grupo de WhatsApp. O grupo de WhatsApp, meus amigos, é uma arma de chateação em massa.

O chato que abre um grupo de WhatsApp cria um evento compulsóri­o. É como se ele pusesse a mesa na casa dele e três, catorze, vinte e nove pessoas que não têm nada a ver com isso, que talvez nunca tenham se visto fora do escritório, pessoas que quiçá não se cruzam desde o “1° A Humanas !!!! ” (esse é o nome do grupo) são obrigadas a largar tudo o que estão fazendo e aparecer pra jantar na casa do chato. Sei do que estou falando porque eu sou esse chato.

Ontem fiz as contas: sou o “administra­dor” de 11 grupos de WhatsApp. Só de Réveillon, tenho cinco. Tem o “Futebol de quinta”, que acabou em 2014 —o futebol, claro, porque o grupo continua batendo um bolão. Tem o “Choque de Hermanos”, dedicado exclusivam­ente à troca de mensagens de áudio imitando os personagen­s do “Choque de Cultura”. Tem o “E hoje, hein?”, pergunta que foi feita a cinco incautos baladeiros em alguma noite já perdida nas brumas do passado —e paro por aqui para não chateá-los com a extensão da minha chatice.

Não sei o que me dá: quando vejo, criei um grupo. Ao vivo eu não sou tão chato. Só um pouco. Depois de algumas cervejas, confesso, a balança costuma pender mais para o meu desejo de contar uma história do que para o interesse alheio em ouvi-la. Mas sou bom de histórias. E minha mulher é ótima em, por baixo da mesa, chutar minha canela. Ela desenvolve­u, inclusive, uma espécie de código Morse entre o bico de seu sapato e o osso da minha canela. Pela intensidad­e, ritmo e quantidade de chutes eu sei se ela está dizendo “Conta rápido!”, “De novo, não!” ou “Pula a parte do tampão que a irmã dele é vesga!”. Mas quando eu crio meus grupos de WhatsApp, minha mulher não está presente, sou livre, minhas canelas chegam a formigar.

Apesar de minha compulsão zapogregár­ia (ou gregotsápp­ica?), o melhor grupo de que já participei não foi criado por mim. “Grupo dos Prata” durou apenas seis mensagens e quarenta segundos. 1 – Tia Beth: “Oi gente, criei esse grupo pra família se comunicar!” 2 – Tio Nestor: “Aê seus Prata viadooooo!” 3 – Tia Beth: “Nestor, este grupo não tolerará mensagens homofóbica­s ou preconceit­uosas”. 4 – Tio Nestor: “Ah, Beth, vai a merda!”. 5 – Diogo ( filho da Tia Beth): “Nestor, ‘à merda’ tem crase”. 6 – Tio Nestor: “Sifudê cês tudo!”. “Nestor saiu do grupo”, “Elizabeth saiu do grupo”, “Diogo saiu do grupo”, todo mundo saiu do grupo, o grupo foi extinto.

Eu queria ser como a tia Beth e entender que quando um grupo perde ou extrapola sua função, deve ser extinto. Talvez eu crie um grupo com outros administra­dores de grupos para falar sobr... “Au! Chuta mais fraco!” Perdão. Bom domingo.

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Adams Carvalho

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