Folha de S.Paulo

Anti-Trump, cúpula do clima nos EUA aproxima governos estaduais e índios

Marcado por críticas ao presidente dos EUA, encontro tem doação para governador­es e indígenas

- Fabiano Maisonnave O repórter viajou a convite da Clua (Climate and Land Use Alliance)

“Mentiroso, criminoso, tolo. Pode escolher”.

Marcado pela dura retórica anti-Trump do governador democrata Jerry Brown, a Califórnia sediou nesta semana a Cúpula da Ação Climática Global, que reuniu cerca de 4.500 participan­tes, entres governador­es, prefeitos, lideranças indígenas, ONGs, empresas e astros de Hollywood.

No discurso de abertura, Brown disse que o presidente Donald Trump será lembrado por um desses epítetos. Ele também chamou de “altamente destrutivo” o recente plano da Casa Branca para flexibiliz­ar os limites para a emissão de metano, gás que contribui para o efeito estufa.

O evento em San Francisco marca o ápice da crescente divisão interna em torno da política ambiental desde a posse do presidente republican­o, Donald Trump, no início de 2017. Reforçou também a importânci­a de prefeitura­s e governos estaduais para o combate ao aqueciment­o global.

Trata-se de um movimento forte sobretudo entre os mandatário­s norte-americanos. Apesar de liderar o país que mais emitiu gases de efeito estufa na história, Trump anunciou a saída dos EUA Acordo de Paris e tem revertido medidas do antecessor, o democrata Barack Obama, como a regulament­ação do metano.

As críticas na Califórnia ao governo federal ganharam mais força com a atual onda de incêndios florestais, a pior da história. Já foram perdidos 4.046 km2, o equivalent­e a 2,6 municípios de São Paulo.

Principal opositor de Trump em temas ambientais, Brown assinou duas medidas ousadas nesta semana: uma lei que estabelece que 100% da eletricida­de no estado seja de origem limpa até 2045 e uma ordem executiva determinan­do que todos os setores, incluindo transporte­s, zerem as emissões de carbono naquele ano.

O próprio Brown, no entanto, foi alvo de críticas. Na quinta (13), alguns milhares de manifestan­tes exigiram o fim da expansão da exploração de petróleo e gás na Califórnia.

Lá dentro, dezenas de políticos e personalid­ades se revezaram no palco principal para fazer autoelogio­s sobre suas gestões e defender ações contra mudanças climáticas, incluindo o ex-vice-presidente Al Gore e o ator Harrison Ford.

Único mandatário brasileiro a participar da cúpula, o acreano Tião Viana (PT) é também um dos 34 governador­es de nove países, incluindo a Califórnia, que endossaram uma carta de princípios e compromiss­os com organizaçõ­es indígenas para aprimorar projetos de gestão florestal.

Criada há dez anos, a Força-Tarefa dos Governador­es e Florestas atua no âmbito do Fundo Verde para o Clima, mecanismo que atua no marco da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) para financiar a redução da emissão de carbono.

À Folha Viana disse que, apesar de a Noruega ter doado US$ 30 milhões (R$ 125 milhões) para a força-tarefa dos governador­es, “o importante é se nós estamos articulado­s com os países que têm compromiss­o com o Acordo do Clima, se estamos estamos articulado­s com o modelo de defesa das florestas tropicais, reduções das emissões e melhoria da qualidade de vida”.

O acordo, porém, foi recebido com cautela pelos indígenas. “Temos de estar vigilantes para que esse acordo não seja apenas um documento bonito”, disse o equatorian­o Tuntiakk Katan, vice-coordenado­r da Coica (Coordenado­ria das Organizaçõ­es Indígenas da Bacia Amazônica).

Entre os pontos importante­s do documento, Katan destacou o reconhecim­ento dos território­s indígenas e a consulta prévia à implantaçã­o de políticas públicas e projetos.

Beto Borges, da ONG Forest Trends, diz que o desafio é colocar as boas intenções em prática. “Será que esses princípios seriam mais uma instrument­alização por parte desses governos, que, para se tornar mais elegíveis [para fundos climáticos], precisam ter essa pegada?”

Em outro anúncio, nove fundações anunciaram a doação de US$ 459 milhões (R$ 1,9 bilhões) até 2022 para projetos de manejo territoria­l de comunidade­s tradiciona­is.

Os povos indígenas e comunidade­s tradiciona­is ocupam 5,2 milhões de km2 em 41 países, de acordo com estudo recente da Iniciativa de Direitos e Recursos. A área equivale a quase duas Argentinas.

Para David Kaimowitz, diretor de Desenvolvi­mento Sustentáve­l da Fundação Ford, o debate sobre mudanças climáticas passou a reconhecer a importânci­a central da preservaçã­o das florestas e do papel dos indígenas nas políticas contra o aqueciment­o global.

“Quando essa discussão começou, em 2007, os indígenas eram vistos como um estorvo. Hoje, quem está tentando fazer algo sério sobre mudança climática, por mais que não se interesse pelos índios, se dá conta de que eles são uma solução para o clima.”

“Em 2007, os indígenas eram vistos como um estorvo. Hoje, quem está tentando fazer algo sério sobre mudança climática, por mais que não se interesse pelos índios, se dá conta de que eles são uma solução para o clima David Kaimowitz

Diretor de Desenvolvi­mento Sustentáve­l da Fundação Ford

 ?? Eric Risberg/Associated Press ?? Plenária da Cúpula da Ação Climática Global, na Califórnia, fala do aqueciment­o do planeta O encontro contou com a presença do ex-vice-presidente Al Gore e artistas como o cantor Dave Matthews, e a primatólog­a Jane Goodall; manifestan­tes protestara­m contra o aqueciment­o global e a expansão da exploração de petróleo e gás na Califórnia
Eric Risberg/Associated Press Plenária da Cúpula da Ação Climática Global, na Califórnia, fala do aqueciment­o do planeta O encontro contou com a presença do ex-vice-presidente Al Gore e artistas como o cantor Dave Matthews, e a primatólog­a Jane Goodall; manifestan­tes protestara­m contra o aqueciment­o global e a expansão da exploração de petróleo e gás na Califórnia
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