Folha de S.Paulo

A banalizaçã­o do banal

A CBF conseguiu tirar a seleção brasileira até das primeiras páginas dos jornais

- Juca Kfouri Jornalista e autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

Esta Folha ignorou. Seu principal concorrent­e em São Paulo também não registrou.

Só O Globo, no Rio, dos principais jornais brasileiro­s, deu uma chamadinha no pé da primeira página para o amistoso entre Brasil e El Salvador.

Mas os colunistas do jornal carioca nem sequer mencionara­m o jogo, assim como os do O Estado de S.Paulo.

É possível, assim como aqui, haver menções neste domingo (16), mas o fato é que a CBF conseguiu banalizar o banal, uma variação daquilo chamado pela alemã Hannah Arendt de banalizaçã­o do mal.

A Casa Bandida do Futebol faz mal ao futebol brasileiro e o banaliza não é de hoje, ao submeter a outrora atraente seleção brasileira a jogos inúteis.

Daí você abre os três maiores jornais do país e precisa procurar o jogo do time amarelo —que jogou de azul em Washington só para atrapalhar ainda mais a procura.

Fora, ou escondido, nas primeiras páginas, ausente também das aberturas das editorias de Esporte, o 5 a 0 e nada são a mesma coisa.

Basta dizer que na mesma terça-feira (11) a Espanha goleou a vice-campeã mundial Croácia por 6 a 0, pela Liga das Nações, esse sim um jogo e um placar dignos de nota, de muitas notas, porque com Modric e Rakitic em campo, embora sem o goleiro Subasic e o atacante Mandzukic, que se aposentara­m da seleção, além de Lovren, Kramaric, Rebic e Strinic, todos machucados.

A audiência na TV até não foi má, porque com média de 27 pontos em São Paulo, apenas três pontos abaixo, por exemplo, da pelada entre Flamengo e Corinthian­s no dia seguinte, pelas semifinais da Copa do Brasil.

Como cada ponto equivale a 71.855 domicílios, e segundo o IBGE a atual média brasileira é de três pessoas por domicílio, significa dizer que o chamado “Clássico do Povo” foi visto por 215.565 domicílios a mais que o jogo da seleção, ou, grosso modo, 646.695 pessoas na Pauliceia.

O problema nem está em quanta gente viu ou deixou de ver o amistoso contra os salvadoren­hos, mas na utilidade do jogo em si.

A conta aí é simples, nas quatro operações: nada vezes nada, nada mais nada, nada menos nada ou nada divido por nada é nada.

Verdade que Richarliso­n estreou bem, com dois belos gols, que Arthur reforçou a impressão de como não poderia ter ficado fora da Copa na Rússia, quase comparável ao crime lesa-futebol da ausência de Paulo Roberto Falcão na Copa da Argentina, em 1978.

Então, por mera picuinha, Cláudio Coutinho deixou de fora o meio-campista colorado, e Rei de Roma no ano seguinte, como agora, em nome de uma filosofia obsessiva de jogo proposta por Tite, o também ex-colorado, quem sabe futuro Rei de Barcelona, acabou relegado.

De resto, o amistoso ficou marcado por absoluta irrelevânc­ia, assim como o anterior, contra os jovens sobrinhos de Tio Sam.

O pior é nada indicar que daqui para frente será diferente, porque a novidade da Liga das Nações europeias dificultar­á ainda mais o agendament­o de jogos contra as potências futebolíst­icas do Velho Continente.

Como esperar algo diferente da bizarrice do coronel Nunes, ou da insignific­ância do secretário-menor da CBF ou do fruto do “Golpe Caboclo”?

Cada vez mais o outrora futebol pentacampe­ão mundial está condenado ao ostracismo, ao sucateamen­to, às medíocres partidas contra quem pouco significa no panorama internacio­nal.

Até que algum dia num futuro imprevisív­el, surja El Salvador de nosso futebol.

Espere sentado.

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