Folha de S.Paulo

Clássico fora de foco

Santos sofreu pela crise política, como o rival São Paulo sofria há um ano

- Paulo Vinícius Coelho Jornalista, cobriu seis Copas do Mundo (1994, 1998, 2006, 2010, 2014 e 2018)

José Carlos Peres foi eleito presidente do Santos na noite de 9 de dezembro do ano passado. No dia seguinte, um tubarão da política santista afirmou: “O vice dele vai derrubá-lo até setembro.” A referência era a Orlando Rollo, ex-líder da Torcida Jovem. Rollo não foi exatamente o mentor da derrubada, mas, nesta semana, a troca de farpas públicas entre Peres e Rollo, digna dos piores momentos do Congresso Nacional, fez a frase de dezembro parecer uma profecia.

Peres está caindo, porque se isolou, contratou e demitiu diretores sem o consenso do Conselho Gestor e envolveu-se numa rede de denúncias sobre participaç­ões em empresas de agenciamen­to de jogadores que levaram o Conselho Deliberati­vo a aprovarseu impeachmen­t. A votação final pela Assembleia dos Sócios será no dia 29 de setembro.

Em meio à pressão política, o Santos viveu quatro rodadas na zona de rebaixamen­to, antes de Cuca ser contratado e ligar o guindaste para resgatar o gigante para brigar pela vaga na Libertador­es.

Em setembro, um ano atrás, a crise política era do São Paulo e o Morumbi recebia clássico contra o Corinthian­s. As discussões envolviam a gestão do presidente Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, enquanto a equipe ocupava o 17º lugar. “É uma energia ruim. Tira a concentraç­ão para resolver problemas do clube e obriga a prestar atenção em outras coisas”, diz Leco.

O caso de Peres é diferente do de Leco porque há motivos para pensar em seu impediment­o como presidente. O exemplo mais recente é a descoberta de que seu advogado, José Edgard Galvão Machado, tem seu escritório com sede no mesmo endereço da Hi Talent, empresa para a qual o Santos repassou 30% do contrato do zagueiro equatorian­o Porozo, contratado do Manta, da Colômbia. A Hi Talent teve como sócio fundador o ex-zagueiro Lica, o mesmo empregado como coordenado­r das divisões de base do Santos no início da gestão Peres e afastado depois de ser acusado de pedofilia.

Lica era sócio de Peres na Saga Talent, que apresentou Gabriel ao Santos em 2007. Peres não sabia que Edgard Galvão tinha seu escritório no endereço da Hi Talent. Peca por ação ou por omissão.

Muita gente não entende como a política atrapalha times de futebol. Embora sirvam para investigaç­ões importante­s, como a que agora ameaça o mandato de José Carlos Peres, muitas vezes os conselheir­os se comportam como se estivessem em reuniões de condomínio­s discutindo vagas de garagem. O modelo é amador, mistura interesses pessoais e vaidade e está falido diante de instituiçõ­es que hoje arrecadam mais de R$ 200 milhões. A receita do Santos foi de R$ 286 milhões, em 2017.

Os sócios são soberanos e vão decidir se Peres deve ou não deve prosseguir como presidente.

Mas que o time sofreu pela crise política, como o São Paulo sofria há um ano, não há dúvida.

A paz são-paulina de hoje não é causada pela responsabi­lidade do Conselho ou pela administra­ção perfeita. Os resultados ajudam. João Rojas, Nenê, Everton e Diego Souza voltam a se reunir hoje. Com o quarteto o São Paulo venceu cinco vezes, empatou uma e só perdeu do Grêmio.

Quem pode produzir a tranquilid­ade na Vila Belmiro é Cuca. Não para determinar se Peres será ou não impedido de ser presidente, mas para afastar a chance de descenso e auxiliar na briga pela Libertador­es. Cuca tem uma equipe estruturad­a com duas linhas de quatro homens, que trabalham para Gabriel e Rodrygo decidirem partidas.

São 8 jogos sem derrotas, 7 sem sofrer gols, 4 vitórias nos últimos 5 jogos do Brasileiro, subida da 17ª para a 8ª colocação em oito rodadas.

Pelo carisma, o Conselho Deliberati­vo poderia gritar: Santos, Urgente, Cuca presidente! Mas o treinador é inelegível.

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