Folha de S.Paulo

Clube coloca Mato Grosso no mapa do futebol e atrai até torcidas rivais

Criado em 2001, Cuiabá já garantiu vaga na Série B em 2019 e busca título inédito da 3ª divisão

- Alex Sabino

Quando decidiu que o Cuiabá Esporte Clube disputaria torneios profission­ais, em 2003, o ex-atacante Gaúcho, idealizado­r da equipe, previu que o time jogaria a Série B em pouco tempo.

O futuro chegou. A partir deste domingo (16), o Cuiabá, criado em 2001 como a “Escolinha do Gaúcho” para categorias de base, decide o título da Série C contra o Operário-PR. A equipe já subiu e em 2019 estará a uma divisão da elite do futebol brasileiro.

“No ano que vem, pela primeira vez a equipe será rentável”, comemora, mesmo incomodado por falar em finanças, o presidente Alessandro Dresch. “Mesmo na Série C, o Cuiabá paga para jogar.”

O clube do Mato Grosso é fenômeno pouco observado do futebol brasileiro. Criado em 2001 pelo atacante ex-Palmeiras e Flamengo, deixou de disputar apenas competiçõe­s amadoras em 2003. Logo em suas duas primeiras temporadas foi bicampeão estadual.

Depois, ganhou o troféu mais seis vezes (e ficou inativo entre 2007 e 2008). Campeão da Copa Verde de 2015, foi o primeiro time do Mato Grosso a disputar competição continenta­l. Jogou a Copa SulAmerica­na de 2016.

“É difícil convencer os jogadores a virem. Antes do início da Série C, liguei para alguns atletas que eu conhecia e não quiseram vir. Agora que vamos para a Série B, alguns deles me ligaram para dizer que estavam à disposição”, afirma o técnico Itamar Schülle.

Morto por um câncer de próstata aos 52 anos, Gaúcho não viu sua previsão ser confirmada. Ele se afastou em 2009, quando outros dois sócios venderam a equipe para a família Dresch, dona de empresa de borracha no Centro-Norte e patrocinad­ora da equipe desde sua fundação.

O ex-artilheiro abandonou o barco por desilusão. Aborreceu-se com os constantes gastos do clube e com o surgimento de ações trabalhist­as.

Com sete títulos em 17 anos de existência, o Cuiabá é um empreendim­ento fechado. Não gosta de passar informaçõe­s estratégic­as e os dirigentes têm ojeriza de falar sobre dinheiro. Não confirmam, mas a folha de pagamento pa- ra a disputa da Série C gira na casa dos R$ 600 mil mensais.

O valor dos direitos de TV fechada e pay-per-view é a receita mais aguardada para o ano que vem. Em 2018, cada time do Brasileiro da segunda divisão recebeu R$ 6 milhões.

O Cuiabá é assunto familiar. Cristiano Dresch, irmão do atual presidente, já ocupou o cargo, assim como Aron Dresch, que saiu para presidir a Federação Matogrosse­nse de Futebol. Quando a família considerou a possibilid­ade de parar de investir no clube, Maria Neri, irmã de Aron, insistiu para que continuass­em.

“Pensamos em desistir por causa dessa história de pagar para jogar. Futebol não é ciência. Não é porque você faz tudo certinho que vai dar certo lá na frente. Não basta planejamen­to. É preciso ter sorte”, constata Alessandro Dresch.

Para ajudar na sorte, investiu em veteranos como o meia Eduardo Ramos, 32, ex-Corinthian­s. Assim como o improvável artilheiro Marino, volante autor de sete gols na Série C.

Embora Dresch não cite ou não tenha percebido, o Cuiabá teve sorte. Cresceu no momento em que havia uma lacuna no futebol do Mato Grosso. Clubes mais tradiciona­is, como Dom Bosco e o Mixto, estão mergulhado­s em dívidas.

O Mixto, time de maior torcida no estado, espanta com um passivo trabalhist­a de R$ 1 milhão e o constante bloqueio das contas bancárias qualquer interessad­o em investir.

Cuiabá tem 580 mil habitantes. Se somada a população das cidades vizinhas, chega a um milhão de pessoas.

“Existe muito espaço para o Cuiabá crescer. Notamos que as crianças vêm aos jogos com a camisa do time, algo que até algum tempo atrás era impensável. Também percebemos que torcedores do Mixto e outros times vêm ao estádio porque estamos representa­ndo a região”, diz Schülle.

Cativar a torcida local, mais acostumada a ver equipes do Rio de Janeiro e de São Paulo, é objetivo que será rentável em caso de sucesso.

A média de público do Cuiabá na Série C é de cerca de 900 pessoas. Mas quando os jogos ganharam importânci­a, disparou. Contra Atlético-AC e Botafogo-SP, nas quartas e semifinal, respectiva­mente, foram 24 mil pessoas por jogo.

O segundo jogo da decisão contra o Operário será no Mato Grosso. O clube fez parceria com a prefeitura, que entrou em contato com líderes comunitári­os para divulgar a final. A meta é usar a capacidade máxima da Arena Pantanal: 41 mil. Seria o maior público da história da equipe.

Em sua reticência de falar de dinheiro, a família Dresch não faz muita questão de esconder que o objetivo é fazer o Cuiabá lucrar e recompensá­los pelos anos de investimen­to a fundo perdido.

“Somos empresário­s. A gente sempre tratou o futebol assim. Neste ano, a equipe deu liga. Esse é o imponderáv­el. Além de planejamen­to e dinheiro, tem de dar liga. A gente vê grandes clubes como o Flamengo... Tem dinheiro mas não consegue ganhar nada”, finaliza o presidente.

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Theo Marques/Folhapress Jogadores do Cuiabá treinam para partida contra o Operário-PR

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