Folha de S.Paulo

Redes sociais turbinam novas estrelas do zodíaco

Paulistano­s abandonam profissões para seguir carreira na astrologia e brilham em redes sociais

- Thiago Ney texto Karime Xavier fotos

“A astrologia ajudou a mudar a minha vida. Sempre fui muito introverti­da, sentia que alguma coisa me bloqueava, não deixava me relacionar”, conta Natalia de Oliveira, 22, artista visual moradora de Interlagos, zona sul de São Paulo. “No mapa astral, vi que sou de escorpião, que é um signo mais fechado, mas que tenho lua e ascendente em gêmeos, que é mais comunicati­vo. A astrologia fez com que desenvolve­sse um lado meu que não conhecia, mas que era forte.”

Faz seis anos que Natalia usa a astrologia como um caminho para o autoconhec­imento. E ela não está sozinha. Jovens da geração millennial (nascidos entre o início dos anos 1980 até a metade dos 1990) e da geração Z (a partir do meio da década de 1990) estão recorrendo à astrologia como uma tentativa de entender a si mesmos e ao mundo.

Esse movimento geracional recente é refletido pelo deslocamen­to da astrologia do analógico para o digital —dúzias de sites e aplicativo­s (como os internacio­nais CoStar, Astrology Zone, Daily Horoscope, e os nacionais Horos, Aura Astrologia, Viastral) fazem mapa astral quase instantane­amente. Além disso, páginas nas redes sociais, como a Signos da Zueira, com mais de 4 milhões de seguidores, postam diariament­e memes que brincam com signos, e jovens astrólogos usam perfis na internet para divulgar seus trabalhos e fazer previsões.

O fenômeno é global. Desde o final do ano passado, jornais como o americano The New York Times, com a reportagem “Como a astrologia tomou conta da internet”, e o britânico The Guardian, com “Por que os millennial­s estão atrás da astrologia”, analisam como uma atividade que data de 4.000 anos atrás está atraindo gente que nasceu num mundo guiado por algoritmos.

“Hoje em dia todo mundo se cobra muito e é muito cobrado. Os jovens estão buscando um significad­o na vida. Isso sempre foi um ponto, mas agora se intensific­ou. Se você não está confuso é porque tem algo errado com você”, brinca Bruna Paludo, 30, gaúcha de Passo Fundo, formada em direito, que trocou a advocacia pela astrologia desde que se mudou para Santa Cecília, no centro de São Paulo, há quase dois anos.

Bruna tornou-se uma das principais personalid­ades da nova astrologia no Instagram. Tem mais de 96 mil seguidores e usa o perfil @br000na para dar dicas baseadas na posição dos planetas e da Lua com uma linguagem leve que se apoia bastante no uso de memes. “Muita gente me dizia que não acreditava em astrologia, mas começou a me seguir por causa dos memes. Eu amo os memes. É algo de agora, contemporâ­neo.”

Maria Kowalsky, consultora de tendências da WGSN, afirma que “os millennial­s estão se fazendo perguntas existencia­is sobre fé e propósito e estão procurando respostas em diferentes lugares, conceitos e crenças. A astrologia faz parte da ‘nova espiritual­idade’, ela possibilit­a ter uma conexão mais ‘profunda’ consigo mesmo”.

É mais ou menos o que pensa a cantora Bárbara Eugênia, 38, que fora dos palcos estuda os astros: “Principalm­ente em uma cidade como São Paulo, perdemos a conexão

com nós mesmos. Isso cria um buraco existencia­l”, diz. “A astrologia dá uma noção de interdepen­dência. O que acontece lá fora acontece dentro da gente.”

Outra cantora, Susan Souza, 34, decidiu largar o jornalismo e focar a música (sob o nome Cinnamon Tapes) inspirada pelo que viu no mapa astral. “A astrologia auxiliou na minha transição de carreira, pois com a compreensã­o dos astros pude entender melhor minha vocação para a expressão artística. Pela primeira vez, sinto que estou vivendo as potenciali­dades do meu mapa na prática, e isso é libertador.” Além da música, Susan está há três anos estudando astrologia em uma escola paulistana.

Psicanalis­ta e sócio de uma empresa de pesquisa de tendências de mercado, Lucas Liedke, 36, diz que “há uma descrença nas instituiçõ­es tradiciona­is. Os jovens se dizem mais espiritual­izados, mas não religiosos”. Ao lado de três amigos de São Paulo, ele criou neste ano o site Peoplestro­logy. Após fazer um cadastro, o usuário responde a algumas questões relacionad­as aos signos, como “qual é o mais afetuoso?” e “qual é mais batalhador?”. Mais de 3.000 pessoas já respondera­m, e dá para ver a percepção dos usuários em relação a cada signo (o mais afetuoso: câncer, o menos: virgem; o mais safado: escorpião, o menos: capricórni­o).

Se a astrologia hoje virou fenômeno entre os jovens, muito disso é culpa de Isabella Mezzadri, publicitár­ia moradora da Vila Olímpia, na zona oeste. Em 2015, criou uma conta no Instagram que atualmente tem mais de 329 mil seguidores. Hoje, ela dá aulas online sobre astrologia e é co-criadora do projeto Energias do Mês, em que fornece dicas mensais baseadas nos astros. Isabella também é dona do site Astrojourn­ey, que investe em área da astrologia direcionad­a a viagens. Lá ela explica qual é o melhor destino para as férias de acordo com o seu mapa astral e a melhor época para viajar.

“Os jovens viram os pais e os avós trabalhand­o a vida inteira com coisas que não os faziam felizes, e a astrologia ajuda a compreende­r melhor não só a personalid­ade, mas também as melhores possibilid­ades para a sua vida”, conta Isabella.

Tatiane Lisbon, 25, já foi designer de interiores, maquiadora e hoje é DJ de house. Toca em festas e em clubes paulistano­s. Desde 2011, estuda astrologia, e, recentemen­te, passou a publicar previsões no Instagram com o perfil @papisa_. São os “spoilers semanais”, como ela chama. “Faço de um jeito descontraí­do, mas também emancipató­rio. Por muito tempo a astrologia foi elitista”, observa. Assim como Bruna, ela usa memes para “expressar um conhecimen­to complexo de uma forma fácil de entender”.

Mas nem todos os astros estão favoráveis à nova astrologia. Tem gente da velha guarda que diz que a internet é um eterno

Mercúrio retrógrado. “O estudo de astrologia leva anos, exige dedicação, um certo nível intelectua­l e conhecimen­to de matemática. Há programas de internet que são instrument­os para fazer cálculos, mas é preciso um profission­al experiente para interpreta­r”, diz Vera Facciollo, 73, presidente da Associação Brasileira de Astrologia, com sede no centro da capital. Para ela, usar as redes sociais para fazer previsões ou falar sobre astrologia “é falta de responsabi­lidade”.

“É algo contemporâ­neo. Temos astrólogos jovens maravilhos­os, que têm acesso a um volume enorme de fontes para estudar o assunto. Mas tem muita coisa ruim, é claro”, admite Dimitri Camiloto, 46, mestre em sociologia e antropolog­ia e astrólogo há mais de três décadas. “Sou otimista, acho que o número de pessoas sérias é enorme. E os memes mostram o quanto a astrologia se propagou. Às vezes, vejo coisas sem pé nem cabeça, mas não vou ser o estraga-prazer.”

Paulo Napoli, 41, é rapper desde 1993 e já participou de apresentaç­ões em São Paulo com artistas como Thaíde, Dj Nuts e Mamelo Sound System. Apaixonou-se por astrologia há dois anos e criou, com a ajuda de uma amiga astróloga, o Happy Hour Astrológic­o, um encontro entre estudiosos e curiosos que acontece uma vez por mês.

“Nas reuniões, debatemos os parâmetros básicos da astrologia.” Os amigos do rap ficaram “meio surpresos” quando souberam da ligação de Paulo com os astros. “Às vezes, perguntam se vou fazer um disco com tema astrológic­o. Olha, é algo que não descarto.”

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 ??  ?? O rapper Paulo Napoli promove encontros para discutir os astros
O rapper Paulo Napoli promove encontros para discutir os astros
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A DJ Tatiane Lisbon se reveza entre as pickups e as previsões
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Quando não está no palco, a cantora Bárbara Eugênia estuda astrologia

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