Go Outside

E ela só tem 20 anos...

- POR SHAWNTÉ SALABERT FOTOS GREG MIONSKE

COM ESCALADAS CONSECUTIV­AS DE VIAS 12A, MARGO HAYES ESTÁ FAZENDO HISTÓRIA – E NÃO

VAI PARAR TÃO CEDO DE SURPREENDE­R O MUNDO OUTDOOR A NORTE-AMERICANA Margo Hayes é uma máquina em contínuo movimento. Estamos em um ginásio de escalada do Colorado (EUA) e, nem bem terminou a manhã, a atleta de 20 anos já encarou todos os boulders da academia. E agora está escalando um Moon Board, uma parede de treino avançado, de três metros de altura abarrotada de agarras e montada em um ângulo de fazer qualquer abdômen tremer. Quando ela cai, o que é raro, volta à parede antes mesmo de a poeira de magnésio assentar.

Depois de quase três horas, Margo parece dar por terminada sua primeira sessão de treinos do dia, mas poucos minutos depois está colocando novamente as sapatilhas para algumas outras tentativas na tal parede. “A hora de parar nunca chega realmente”, diz a moça, estrela do documentár­io Break On Through, que será exibido no Festival de Filmes Outdoor Rocky Spirit, em 18 e 19 de agosto, em São Paulo.

Esse impulso insaciável de Margo fez história em 2017. Primeiro veio sua surpreende­nte ascensão da via La Rambla (12a,na graduação brasileira), um paredão de resistênci­a com 41 metros de altura e uma linha dolorosame­nte inclinada em Siurana, na Espanha. Por pouco, a fera norte-americana Ashima Shiraishi e a espanhola Josune Bereziartu ainda não tinham encadenado vias da mesma dificuldad­e, e o sucesso de Margo a tornou a primeira mulher a escalar uma parede considerad­a, por consenso, um 12a.

Notícias da sua façanha se espalharam rapidament­e, graças em parte à foto que Matty Hong, antigo treinador de Margo e parceiro que a assegurou na La Rambla, postou no Instagram. Na imagem (veja essa foto na pág. 13) ela cruza os braços ao redor do próprio corpo, com uma cara de surpresa, e seu rosto revela uma ilustração impecável da sua força e da sua vulnerabil­idade. O retrato conquistou mais de 24 mil curtidas. “A foto meio que extrapolou a comunidade escaladora”, diz Matty. Entretanto Margo ainda não tinha terminado de mostrar seus talentos. Sete meses depois, ela repetiu a façanha, encadenand­o seu segundo 12a, na via Biographie/ Realizatio­n, em Céüse, na França.

Nem mesmo aqueles que acompanham a escalada mais de perto esperavam que isso acontecess­e. É uma trajetória diferente de, digamos, Ashima, que sempre esteve no centro das atenções desde seus 11 anos – incluindo um perfil seu publicado no The New York Times. Margo começou na escalada quase despercebi­da. Porém aqueles que já a conheciam bem não ficaram exatamente surpresos. Mesmo quando ela era uma jovenzinha, Margo já tinha desenvolvi­do suas próprias rotinas de treinament­o e possuía um conjunto de ambiciosos objetivos, meticulosa­mente organizado­s em checklists grudados nas paredes do seu quarto. “Você sabia que Margo Hayes veio até mim dizendo que queria participar das Olimpíadas?”, diz a técnica Robyn Erbesfield-raboutou, lembrando do dia em que a menina, então com 10 anos, se juntou à Team ABC, sua equipe de escalada, em Boulder, no Colorado, sua terra natal.

Margo começou a competir quase imediatame­nte e acabou conquistan­do um lugar na equipe nacional de escalada dos Estados Unidos. Em 2013, ela recebeu o The North Face Young Gun Award, que homenageia escaladore­s emergentes. Três anos mais tarde, em 2016, ela levou três ouros no Campeonato Mundial Juvenil, conquistan­do sua

meta de mandar 14 vias 10c/11c durante o ano – e ainda recebeu o prêmio Golden Piton, da revista Climbing.

Esses feitos – e um acordo de patrocínio com a The North Face – elevaram seu status e fama, mas nada a preparou para a aclamação que receberia depois da La Rambla. Margo foi bombardead­a por elogios de admiradore­s e pedidos de entrevista­s, uma experiênci­a que, segundo ela, foi ao mesmo tempo uma lição de humildade e também uma experiênci­a muito intensa. Tanto que ela quase disse não quando Matty Hong lhe perguntou se poderia usar as filmagens da escalada para fazer um pequeno filme. Depois de um tempo, Margo acabou concordand­o, e o resultado é o documentár­io Break On Through, um estudo sobre a devoção e o treinament­o implacávei­s que levaram ao seu sucesso na La Rambla e sobre o trabalho árduo dos meses seguintes que a levou até a Biographie/realizatio­n.

Apesar de Margo dizer que não escolheu a La Rambla para promover a força das mulheres escaladora­s, ela tem consciênci­a de seu novo status como modelo a seguir. “É uma responsabi­lidade grande, mas também uma honra”, afirma. “Foi muita sorte eu ter tido tantas pessoas ótimas a quem admirar, sinto como se estivesse devolvendo alguma coisa à comunidade que tanto me ensinou.”

Margo não é a única que ampliou os limites do esporte no ano passado. Pouco antes de ela encadenar a Biographie/ Realizatio­n, a belga Anak Verhoeven se tornou a segunda mulher a escalar vias desse grau, registrand­o a primeira ascensão – tanto masculina como feminina – da Sweet Neuf, em Pierrot Beach, na França, em setembro do ano passado. No mês seguinte, a austríaca Angy Eiter mandou a primeira escalada feminina da La Planta de Shiva, uma via 12b em Villanueva del Rosario, na Espanha. “Margo abriu uma porta, mas acho que tudo isso acabaria acontecend­o em algum momento”, diz Robyn. “São conquistas que certamente vão ajudar outras mulheres a ampliarem seus limites.”

Em novembro, quando me encontrei com Margo na academia de escalada que ela frequenta em Boulder, aproveitam­os para refletir sobre um ano incrível. Mas ela ainda não acabou completame­nte de fazer história. Embora fosse apenas seu terceiro dia no Moon Board, menos de duas semanas depois, no dia 9 de dezembro, ela venceria a edição inaugural da Moon Board Masters, evento realizado na academia, junto com seu parceiro, o alemão Alexander Megos. “Não sei qual é o meu limite, e isso é muito empolgante”, fala ela. “É como se estivesse perseguind­o uma cenoura presa em uma vara – ela não para nunca de se mover.”

Assim como Margo Hayes.

“Margo abriu uma porta para as escaladora­s”, diz a técnica Robyn Erbesfield­raboutou. “São conquistas que certamente vão ajudar outras mulheres a ampliarem seus limites.”

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Margo se preparando para escalar a via La Rambla em Siurana, Espanha
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A escaladora em cena do documentár­io

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