Viva a Patagônia
COMO O GOVERNO CHILENO E A VIÚVA DO FUNDADOR DA MARCA THE NORTH FACE ESTÃO CONSEGUINDO TRANSFORMAR MILHÕES DE HECTARES EM ÁREAS PROTEGIDAS NA PATAGÔNIA
Como o governo chileno e empresários estão salvando terras selvagens no Chile
más perfecto para Dios que la Belleza.”
A histórica frase do autor e defensor do meio ambiente escocês-americano John Muir, publicada originalmente há 80 anos, soa bem em espanhol (Não há sinônimo mais perfeito para Deus que a Beleza). Essas palavras estão encravadas na parte de trás de uma placa de madeira pendurada na entrada do Cementerio Valle Chacabuco, um pequeno cemitério rodeado por muros de pedras e dezenas de guanacos que pastam nas estepes marrons dos 309 mil hectares do Parque Nacional Patagônia.
Esse pedaço de civilização encravado na selvagem região de Aysén, no Chile, guarda os restos de Doug Tompkins. Doug, cofundador das marcas The North Face e Esprit, e sua esposa, Kristine, EX-CEO da Patagonia, são lendários conservacionistas que começaram comprando centenas de milhares de hectares de terras no Chile e na Argentina durante os anos 1990. Em 2015, Doug morreu em um acidente de caiaque no General Carrera, um enorme lago de água azul-turquesa nas redondezas. Mas seu espírito de filantropo está em todo lugar, de seu pequeno avião de carga sobre a pista de grama à águia-chilena que arremete voo em cima da sede do parque. O codinome de rádio de Doug era Águila – águia em espanhol. É como se ele tivesse realmente tomado a forma do pássaro após sua morte.
Prestei meus respeitos a Doug, atravessei uma estrada de terra e caminhei por um punhado de trilhas que sobem quase 1.000 metros até uma cadeia de lagos alpinos. À medida que eu ganho altitude, as estruturas de pedra e os jardins orgânicos da sede do parque desaparecem dentro da amplidão do vasto Valle Chacabuco. Ao longe, os pontudos picos brancos dos Andes se sobressaem no céu.
John Muir teria gostado da vista. Chame-a Deus ou Beleza, a paisagem é extraordinária. Assim é a “louca geografia” do Chile, termo utilizado apropriadamente pelo escritor chileno Benjamín Subercaseaux, em 1941, para descrever as poderosas forças naturais que deram forma a seu país. Em tempos atuais, onde áreas selvagens correm risco em países tão diversos quanto os Estados Unidos e o Brasil, uma área protegida como essa é um espetáculo a ser contemplado.
No Chile, está acontecendo o oposto ao que ocorre nos Estados Unidos, por exemplo. Em janeiro, a extrovertida então presidente Michelle Bachelet, que estava terminando seu mandato, e Kristine Tompkins assinaram um decreto tornando 4 milhões de novos hectares em áreas verdes nacionais. Como parte da decisão, o governo chileno cedeu 3,6 milhões de hectares de terras federais e Kristine doou 400 mil hectares de terras privadas para ajudar na criação do Parque Nacional Pumalín- Douglas R. Tompkins, o parque onde estou agora. O decreto protege uma área equivalente a três vezes o tamanho dos famosos parques nacionais norte-americanos de Yosemite e de Yellowstone juntos. Basicamente, o plano principal é criar uma Rota dos Parques, conectando 17 parques nacionais, uma colaboração entre a Tompkins Conservation, a organização que engloba todas as organizações sem fins lucrativos dos Tompkins, e o governo chileno.
Chego ao primeiro lago glacial, no flanco mais ao norte do Cerro Tamanguito, a 1.486 metros de altitude, e tento ir até Picaflor y Águila, um lugar ideal para um piquenique na margem de uma lagoa onde Kristine e Doug acamparam pela primeira vez no começo dos anos 1990 (o codinome de rádio de Kristine era Picaflor, beija-flor em espanhol). Eles ficaram tão encantados com o Valle Chacabuco, então uma fazenda de 69 mil hectares, que voltaram diversas vezes para cá.
Mais tarde o casal a comprou em parceria com o também norte-americano Yvon Chouinard, fundador da marca de artigos outdoor Patagonia, e sua esposa, Malinda. Ambos fizeram generosas doações e participaram do conselho sobre aquisição de terras da Tompkins Conservation ao longo dos anos.
“Quando vimos Chacabuco pela primeira vez”, disse-me Yvon, “havia apenas aquele vale imaculado. Estávamos acampando em um lugar pequeno delimitado por árvores álamos. Foi quando decidimos comprar a fazenda dos Smets, uma família belga que era dona de um rancho de ovelhas. Eles estavam tentando sobreviver vendendo queijo. Mas não era um queijo bom – tinha um gosto fedorento de curral que o tornava impraticável para o comércio.” Os Smets acabaram vendendo a propriedade a uma das organizações sem fins lucrativos dos Tompkins em 2004.
Daqui do mirante onde estou, é fácil se deixar levar pela vastidão acidentada e romântica do lugar. Mas não se pode ignorar toda a história por trás disso tudo, de trabalho duro, incluindo negociações de transações de terras, criação de fronteiras de parques e derrubada de milhares de postes de cercas para o restabelecimento de um ecossistema que agora atrai guanacos, nandus-de-darwin (um parente da avestruz) e pelo menos 30 pumas.
“Amo começar coisas do zero”, diz Kristine quando conversamos depois da viagem. Ela estaria no parque durante minha visita, mas teve que ficar mais tempo nos Estados Unidos cuidando da sua mãe de 99 anos, que faleceu alguns meses depois. “É uma tarefa difícil de realizar, mas esse é o início do que será uma das maiores rotas de parques nacionais do mundo.”
A ROTA dos parques ainda é um conceito vago neste momento. A maioria dos parques já foi de-
Em tempos atuais, onde áreas selvagens correm risco em países tão diversos quanto os Estados Unidos e o Brasil, uma área protegida como essa é um espetáculo a ser contemplado.
signada área protegida, e a Tompkins Conservation doou terras a oito deles. A rota acabará sendo frouxamente conectada por 2.400 km de estradas e balsas, combinando os 1.240 km da notoriamente escarpada Carretera Austral com travessias aquáticas e outras estradas ainda mais ao sul.
A rota começa imediatamente ao sul de Puerto Montt, no Parque Nacional Alerce Andino, e termina no Parque Nacional do Cabo Horn, uma série de ilhas e canais na Terra do Fogo, um arquipélago ao sul do ponto mais ao sul da América do Sul. Uma vez que todos os parques tenham sido decretados, o que está previsto para ocorrer em breve, a rota criará o maior cordão de parques nacionais do mundo, reunindo picos escarpados, glaciares cor de água-marinha, vulcões simétricos, rios leitosos, fiordes com laterais abruptas e florestas nativas.
Estou viajando com meu namorado, Brian Hayden, e estamos tentando realizar a absurda missão de explorar a maior quantidade de parques nacionais chilenos que pudermos em apenas um mês. Começando em Puerto Montt, onde a Carretera Austral começa, nosso plano é dirigir quase toda a estrada, pegar uma balsa na aldeia de Puerto Yungay, dirigir outras 44 horas em direção sul até Puerto Natales, perto do icônico Parque Nacional de Torres del Paine, e acabar no Parque Nacional de Yendegaia, na selvagem Terra do Fogo. Aproximadamente um quarto das terras desse parque foi comprado por uma das organizações sem fins lucrativos de Tompkins de um traficante de drogas encarcerado em 1998 e depois as terras foram doadas ao governo em 2014.
Como os chilenos gostam de dizer, a Patagonia está “en pañales” (está de fraldas) quando se trata de desenvolvimento, o que torna o potencial recreativo ao longo da Rota dos Parques ilimitado. Os viajantes podem fazer trekkings em glaciares suspensos, pedalar de mountain bike em singletracks isolados, remar de caiaque em rios imaculados, viajar com uma mochila nas costas por terras vastas e vazias, escalar centenas de vias ainda não identificadas de paredes de rocha, montar a cavalo em regiões inexploradas e habitadas apenas por gaúchos ou realizar a primeira ascensão de alguma montanha pelo simples fato de poder dar um nome a ela – como Doug Tompkins e Yvon Chouinard fizeram com o Cerro Kristine, de 2.286 metros, em 2009.
Nosso plano tem algumas dificuldades, concretamente o fato de que estamos dirigindo em direção ao sul, uma região potencialmente nevada e congelada no fim do outono, e precisamos seguir um cronograma apertado para chegar a tempo de pegar a balsa, que funciona apenas uma vez por semana, para Puerto Yungay. Planejar estar a tempo em qualquer lugar da Carretera Austral é nutrir falsas ilusões. O ditador chileno Augusto Pinochet começou a construir a famosa rodovia em 1976, usando mais de 10.000 soldados para dinamitar as encostas das montanhas, fortalecer barreiras ao redor de precipícios e cortar a densa floresta tropical. Ela levou 24 anos para ser construída e alterna trechos de asfalto, cascalho e terra, além de possuir quatro áreas que permaneceram impenetráveis e exigem travessias em balsa.
Nós não seríamos os primeiros a precisar de um plano reserva em uma road trip na Patagônia. Em 1968, os agora famosos Fun Hogs – Doug Tompkins, Yvon Chouinard, Dick Dorworth e Lito Tejada-flores – dirigiram da Califórnia à Argentina, parando para pegar Chris Jones no Peru. A jornada deles incluiu uma espetacular ascensão ao Fitz Roy, um dos picos mais técnicos do mundo. A Carretera Austral não existia naquela época, então os caras tiveram que cruzar a fronteira do Chile para a Argentina, o que exigia bastante grana – muito mais do que os Fun Hogs tinham – para chegar ao sul pela Rota 40.
“Doug, que era tipo um delinquente juvenil, disse: ‘Vamos dar um jeito’”, lembra Yvon. “Chegamos a Puerto Montt e compramos um selo que tampava a parte que dizia que nosso carro não estava autorizado a circular na Argentina e no Brasil. Por US$ 3, entramos na Argentina.”
Os Fun Hogs inspiraram minha primeira viagem ao Chile, em 2000.
Passei uma semana, fora da temporada de turismo, fazendo trekkings no Parque Nacional Torres del Paine, que me pareceu escarpado, remoto e vazio. Depois voei até o norte da Patagônia e descobri o verdadeiro significado de vazio. Peguei uma bike emprestada para pedalar ao longo da Carretera Austral, cantando a plenos pulmões rodeada por uma paisagem completamente intocada.
Em outubro de 2015, voltei a Puerto Varas, uma cidade na região de Los Lagos, no Chile, onde conheci Doug Tompkins em uma conferência. “Esperamos criar 12 parques nacionais”, ele me disse na época. Doug vestia uma blusa de gola alta preta, tinha um vasto cabelo branco e me pareceu uma versão um pouco mais animada de Andy Warhol. “Vamos ver se conseguiremos fazer isso. A proteção ambiental encara oposição onde quer que seja. O uso do território é a questão mais delicada emocional e politicamente que existe. Veja o caso do Parque Nacional de Grand Teton, nos EUA. Meu Deus, houve uma revolta armada lá! Você tem que esperar anos, pagar o que deve, conquistar respeito e cometer a menor quantidade de erros possível para conseguir preservar terras.”
O caso de amor de Doug com o Chile foi profundo. Ele começou a explorar o país aos 18 anos e depois passou o maior tempo que pôde lá, ao mesmo tempo que dirigia suas duas empresas. Em 1991, ele tinha acumulado uma fortuna, mas o consumismo o amargurava. Desembolsou uma boa quantidade de dinheiro e comprou uma precária fazenda no sul de Puerto Montt, no fim de um fiorde chileno. A maior parte da fazenda agora faz parte do Parque Pumalín–douglas R. Tompkins.
Em 1994, ele se casou com Kristine, e ao longo dos anos os dois investiram mais de US$ 500 milhões ali – de suas finanças pessoais, da Tompkins Conservation e de parceiros que pensavam como eles – para proteger milhões de hectares no Chile e na Argentina e para financiar outros projetos ambientais. Os Tompkins não foram sempre bem vistos pelos chilenos: alguns deles os consideravam neocolonialistas e espalhavam rumores – como o de que estavam criando um culto ou que encheriam suas terras de búfalos norte-americanos. Entretanto, ao longo dos anos, o casal
A rota acabará sendo frouxamente conectada por 2.400 km de estradas e balsas, combinando os 1.240 km da notoriamente escarpada Carretera Austral com travessias aquáticas e outras estradas ainda mais ao sul.
conquistou a confiança dos locais e do governo. Dois meses depois que conheci Doug, ele faleceu.
“Doug representou o início do movimento ambiental no Chile”, diz Yvon. “Quando ele começou, especialmente durante a época de Pinochet, se alguém se opunha ao governo era uma pessoa morta. Não havia organizações ambientais – nenhuma. Mas é provável que Kristine tenha conseguido mais do que Doug se ele ainda estivesse vivo. Ele era bastante áspero. Kris é mais diplomática. Ela fez um trabalho fundamental na gestão daqueles parques.” E Kristine ainda não terminou. Na Argentina, a Tompkins Conservation está trabalhando com o governo na criação de vários parques nacionais, incluindo o Iberá, o mais importante de todos, com 138 mil hectares. Lá, em junho deste ano, dois filhotes de jaguar nasceram pela primeira vez em quase meio século.
A BELEZA DA ROTA DOS PARQUES é definida por quão vastamente diferentes são cada uma de suas regiões. Algumas possuem glaciares, outras têm florestas temperadas úmidas, e outras, ambas as coisas. Algumas não têm estradas, outras contam com lodges luxuosos e requintados. E ainda mais diversas que os parques são as pessoas que os visitam. Conhecemos um chileno com um violão pendurado no ombro no sul da Patagônia que viajava de carona até Machu Picchu. Um casal sul-africano que havia comprado uma van Chevrolet na Califórnia e estava dirigindo em direção ao sul em estilo Fun Hog total. Um norte-americano que tinha estreado sua fat bike Salsa Mukluk no Alasca e que agora girava livremente pela Carretera Austral. E um ocupado CEO alemão que tinha voado até um lodge de luxo em Torres del Paine e tentava fazer a maior quantidade possível de trekkings em uma semana.
Todos esses viajantes estão deslumbrados com a quantidade de natureza selvagem daqui. Um bom exemplo é o Parque Nacional de Queulat. Cerca de 20 km ao sul da aldeia de Puyuhuapi, a entrada de Queulat é uma estradinha de terra de uma faixa que mais parece a entrada de uma garagem. O parque, aberto em 1983 durante o regime de Pinochet, foi batizado na língua do extinto povo nômade chono pelo som feito por suas cachoeiras. Como em Queulat a precipitação atmosférica chega a 3.987 mm ao ano, há uma boa quantidade delas, como a cachoeira de 640 metros de altura que despenca do Ventisquero Colgante, um glaciar suspenso. A melhor forma de vê-lo é atravessando uma ponte de corda que cambaleia sobre o rio Ventisquero e depois caminhar 5 km com quase 400 metros de desnível positivo por uma floresta tropical para ter uma vista que engloba o glaciar, a cachoeira, os picos que a rodeiam e o lago azul leitoso de sua base.
Ficamos igualmente deslumbrados debaixo dos picos basálticos do Parque Nacional de Cerro Castillo, 370 km ao sul de Queulat, uma área que antes havia sido uma reserva natural. Chegamos à aldeia de Cerro Castillo bem a tempo de montar nossa barraca no local reservado para acampamento atrás da Senderos Patagonia, um albergue e operadora de turismo. O local foi aberto em 2011 por Cristian Vidal, um renomado treinador de cavalos cuja família se estabelecera no vale nos anos 1930, e sua esposa norte-americana, Mary Brys. Os dois se conheceram no Chile em 2007, enquanto Mary terminava seu mestrado em turismo sustentável. Cristian era seu guia de hipismo.
Brian e eu montamos acampamento, preparamos um macarrão em nosso fogareiro, acompanhado por um vinho Carménère chileno enquanto admirávamos o pôr do sol laranja por cima dos 2.675 metros do Cerro Castillo, a montanha que dá nome ao parque.
“Uau, parece estar tão longe”, disse Brian, referindo-se ao nosso objetivo do dia seguinte, um pico um pouco menor coberto por nuvens escuras. A previsão é de neve, e estamos preparados para uma noite fria. O albergue brilha amarelo debaixo de
nós e está lotado, sobretudo de jovens da geração do milênio que viajam de carona. A Senderos Patagonia é especializada em expedições de longa distância a cavalo. Mas Cristian e Mary acabam de se tornar os administradores oficiais das trilhas do novo parque nacional e trabalharão de perto com a Corporação Nacional Florestal do Chile (Conaf), que administra os parques do país, supervisionando a construção de trilhas, missões de busca e salvamento, certificando guias e fazendo os primeiros estudos sobre a capacidade do parque. A área é um ímã para escaladores de rocha (existem ali mais de 200 vias), esqui freeride e trekking, com visitantes que acampam ao longo do circuito de 50 km conhecido como Las Horquetas, feito normalmente em cinco dias. De acordo com Mary, a atenção recebida pelo parque aumentou drasticamente os preços dos imóveis da aldeia de Cerro Castillo nos últimos dois anos.
“Está se tornando um destino bem procurado, mas há tamanha falta de infraestrutura que isso tudo é um pouco assustador”, diz Mary, passando Antonio, o bebê de 5 meses do casal, a Cristian, ao mesmo tempo que indica a rota do nosso trekking de amanhã sobre o mapa. “É superanimador pensar no que o governo e a Tompkins Conservation estão fazendo. Estamos testemunhando algo histórico. Mas há muitas questões sem respostas para os habitantes daqui sobre como isso afetará suas culturas.”
É uma preocupação legítima, como aprendo no dia seguinte. Chacoalhamos a fina camada de gelo que cobria nossa barraca e entramos no parque com Francisco Ponce, guia da Senderos Patagonia. Nosso trekking de ida e volta, de 16 km, pareceu mais classicamente alpino, saltando sobre riachos, passando pelo acampamento-base da escalada do Cerro Castillo e terminando em um vale amplo e nevado no pé de uma serra intimidante. A caminhada é fantástica, mas para chegar à essa parte do parque tivemos que pular uma cerca e andar uns 2 km por terras privadas. “Trata-se de um ato legal”, diz Francisco, “porque a Senderos Patagonia paga uma taxa ao proprietário da terra, mas não é o ponto de entrada ideal para o parque, especialmente para uma trilha que agora recebe cerca de 25 caminhantes por dia e que, devido aos limites de orçamento da Conaf, conta apenas com três ou quatro guardas florestais para monitorá-la.”
A criação de parques nacionais sempre foi uma prioridade no Chile. Todos os presidentes que cumpriram seus mandatos inteiros desde 1926 expandiram o sistema de parques, que agora totaliza 21,2% do país. Em todos os lugares que visito, pergunto aos locais o que eles pensam dos novos parques. A maioria se diz animada, mas acrescenta sempre que a situação “es complicada”. Muitos expressam preocupações sobre como os parques vão impactar as comunidades locais e como o país administrará tantos milhões adicionais de hectares protegidos.
Embora a maioria dos parques não chegue nem perto dos 250.000 visitantes que Torres del Paine recebe anualmente, até mesmo esse parque conta com um orçamento limitado de US$ 2 milhões ao ano e possui apenas 30 guardas florestais trabalhando em tempo integral para supervisionar 1.120 km2. Os detalhes finais da Rota dos Parques – fronteiras exatas, recrutamento de pessoal necessário, orçamentos – ainda precisam ser resolvidos. “O financiamento de áreas protegidas é um grande desafio no mundo inteiro, e no Chile o cenário é similar”, diz Richard Torres Pinilla, gerente de áreas selvagens protegidas da Conaf, por e-mail. Ele explicou que, além de financiamento federal, o dinheiro para administrar e manter os parques viria de governos locais e regionais e de várias outras organizações nacionais e internacionais.
A Conaf planeja começar a administrar os novos parques em abril de 2019. A Tompkins Conservation colaborará com a Conaf durante, pelo menos, os próximos dez anos, especialmente nos programas de restabelecimento e reabilitação da vida selvagem que a organização criou nos parques nacionais Pumalín–douglas R. Tompkins e Patagônia. E uma nova organização internacional chamada Corporación de Amigos de los Parques, lançada em junho pela Tompkins Conservation, arrecadará dinheiro e proporá políticas para ajudar na manutenção dessas áreas.
Kristine, que divide seu tempo entre projetos no Chile e na Argentina e a arrecadação de fundos nos Estados Unidos, está confiante de que o Chile fará o correto com seu presente. “O governo chileno cuidará bem dos parques, porque eles estão animados com a ideia de ter um sistema de parques nacionais de primeira qualidade”, diz ela. “Esses são lugares maravilhosos que as pessoas vão querer visitar. A população e as paisagens do sul do Chile são extraordinárias.”
A REGRA NÚMERO 1 quando se viaja pelo sul do Chile: pense em um plano B. Partes da Carretera Austral têm um asfalto macio como manteiga, outras são tão esburacadas, erodidas ou estreitas que um único movimento equivocado pode te lançar pelo precipício, te jogar em uma valeta ou no para-choque de algum caminhão. Distrações são constantes – uma fortaleza de picos nevados, um mochileiro pedindo carona, um gaúcho com calças revestidas de lã conduzindo seu rebanho pela estrada.
As distâncias entre os parques não são grandes, mas a Mãe Natureza pode tornar a viagem complicada. No mês de dezembro passado, um rio de lama jorrou pela encosta de uma montanha no Parque Nacional Corcovado, uma faixa de costa a aproximadamente 200 km de Puerto Montt. O jorro enterrou a pequena aldeia de Santa Lucia, matando pelo menos 15 pessoas, aniquilando 28 casas e destruindo quilômetros da Carretera Austral. A reconstrução da estrada avança lentamente. Nosso atraso de duas horas ao sair de Santa Lucia é pequeno segundo nossos novos amigos, um grupo de homens de negócios de Santiago em um SUV na nossa frente. Eles vieram preparados com uma caixa de vinho e estão reunidos ao redor do porta-malas.
Apesar das paradas devido às obras, os dias passam rápido à medida que caminhamos, acampamos, ficamos de molho em fontes termais, bebericamos vinhos chilenos e comemos cordeiro assado. No começo da viagem, no banheiro do nosso chalé em Caleta Gonzalo, no Parque Nacional Pumalín–douglas R. Tompkins, eu ri quando vi os suportes de papel higiênico de faia com detalhadas flores entalhadas e lembrei o que Yvon tinha me falado sobre Doug durante uma entrevista logo depois da morte de seu amigo.
“Ele era um microadministrador”, disse Yvon. “Costumávamos zombar dizendo que ele escolheria até mesmo o tipo de papel higiênico se deixassem. Se você olha para as infraestruturas dos parques Pumalín e Patagônia, elas são espalhafatosas. Ele era um designer de interiores frustrado.”
Ao longo do caminho, conhecemos, sobretudo, chilenos que ao ouvir o burburinho sobre os parques tinham se aventurado em direção ao sul para conhecer a Patagônia, na primeira grande viagem da vida para a maioria. Depois de duas semanas, já exploramos cinco parques, mas eu vou ficando cada vez mais agitada com a balsa que temos que pegar em Puerto Yungay. Quando finalmente chegamos à aldeia, que consiste em uma bilheteria da balsa e uma cafeteria, o fazemos com quatro horas de antecedência, fico tão contente por estar aqui que não me alarma o fato de que não há nenhum barco e nenhum outro ser humano à vista.
“Olha só, fomos os primeiros a chegar”, brinca Brian. Para aliviar minha obsessão com a partida da balsa, ele havia dirigido heroicamente durante o último trecho de 80 km da Carretera Austral, que era especialmente íngreme e acidentado, debaixo de chuva e granizo, para garantir que chegássemos a tempo.
“Por que vocês estão aqui?”, pergunta a amável mulher que está atrás do balcão da cafeteria, que declara ser Inés de Puerto Yungay, a única residente da cidade. “Estamos aqui para pegar a balsa”, digo. “Vocês não ficaram sabendo?”, ela pergunta. “Houve um acidente. A balsa está quebrada.”
Não temos nenhum plano B. Depois de uma pequena discussão com Inés, que nos empanturra com empanadas de presunto e queijo tamanho gigante, decidimos retroceder quase 500 km em direção ao norte até Coyhaique, a capital de Aysén, onde esperaríamos a greve de uma companhia aérea terminar para pegar um voo até Punta Arenas. De lá dirigiríamos em direção norte até Torres del Paine. Se tudo correr de acordo com nosso plano B, chegaremos lá em três dias.
“Impressionante! Vou dirigir no trecho mais precário da estrada duas vezes”, diz Brian, acelerando sobre o cascalho a quase 100 km/h. Está escurecendo e estamos ficando sem gasolina. Mas Brian me lembra alegremente de que balsas perdidas e iminentes tempestades de neve são parte da diversão na Carretera Austral.
Quando chegamos a Torres del Paine, dou de cara com um amigo que calhou de estar no parque: Euan Wilson, fundador da H&I Adventures, uma agência escocesa especializada em viagens de mountain bike.
“O terreno aqui é realmente inacreditável”, ele nos diz animado. “É como se você estivesse na Lua, com correntes de lava e rochas.” Wilson recebeu uma autorização para reconhecer novas rotas em uma fazenda privada dentro das fronteiras do parque e trouxe Ernesto Araneda, campeão chileno de MTB cross-country de 2010, junto com ele.
“Ontem foi um dos meus melhores dias”, conta. “Pedalamos cinco horas e passamos só dez minutos fora da bike. Estávamos tipo Beavis e Butt-head – continuávamos rindo simplesmente porque era muito difícil parar. O terreno é perfeito para mountain bike por causa da ótima drenagem do solo.”
Brian, que já foi um ciclista focado e agora compete em provas de bike gravel, vai pedalar com eles. Eu prefiro um trekking até a base do famoso Torres com Sebastian Kusch, guia de 27 anos do Tierra Patagonica, o lodge que fica na margem ocidental do lago Sarmiento e que é uma maravilha da arquitetura, onde estamos hospedados. O chileno Cazú Zegers projetou o hotel para desaparecer quase magicamente dentro do árido gramado da estepe patagônica.
A trilha de quase 10 km sobe cerca de 900 metros até a base das torres de granito e chega a receber 1.200 pessoas nos dias mais agitados de verão. Hoje vemos apenas algumas poucas dezenas de visitantes, alguns deles usando jaquetas anoraques pouco convincentes para se proteger da neve e do vento cortante. Eu seco algumas lágrimas quando chegamos ao pequeno lago localizado na base dos monólitos de 12 milhões de anos, sentindo uma imensa sensação de alívio porque, em um mundo que se move a velocidades estratosféricas, pelo menos aquelas rochas não tinham mudado nos 18 anos que se passaram desde que as vi pela última vez.
Quando nos encontramos novamente no hotel, Brian está igualmente animado. “Nunca pedalei em tamanha imensidão”, diz. “Acho que fomos as primeiras pessoas a pedalar naquelas trilhas.”
Antes de irmos embora de Torres del Paine, Basilio Reinike, o chefe dos guias do Tierra Patagonica, nos leva até uma pequena casa conectada a um posto da guarda florestal para conhecer Juan Toro Quirilef, o primeiro guarda do parque. A mãe de Juan era descendente dos mapuches, conhecidos como a tribo que os espanhóis jamais puderam conquistar.
Agora um homem animado e enxuto de 65 anos, Juan ainda patrulha a cavalo e diz que seu problema principal é a quantidade de gente. “Quando o parque está repleto de visitantes, não temos o tempo, os recursos nem o dinheiro necessários”, conta, acrescentando que recentemente lhe ofereceram um trabalho como o único guarda florestal do Parque Nacional de Yendegaia. Ele recusou.
“Aquele parque é enorme!”, afirma. “Construí esta casa há 26 anos. Torres del Paine é o meu lar.”
BRIAN E EU TAMBÉM nunca chegamos a Yendegaia. Antes de pegar a estrada até Punta Arenas para nosso voo de volta para casa, almoçamos em Puerto Natales com Gonzalo Fuenzalida, morador de Santiago que veio para cá há cerca de 20 anos.
Ele é dono da Chile Nativo, que organiza trekkings e viagens a cavalo a rincões intocados do Chile. Gonzalo fica quase eufórico ao me contar sobre o roteiro que está preparando no Parque Nacional de Yendegaia. “Seria impossível realizar uma viagem desse tipo por conta própria”, ele diz. “A logística é bastante complicada.”
A jornada envolve pegar uma balsa de Punta Arenas até a Terra do Fogo e dirigir ao fim de uma rodovia em construção, que chega alguns metros mais perto do parque a cada mês – uma autorização do governo é exigida para viajar além dessa barreira. Ali os visitantes se preparam para atravessar caminhando os picos da Cordilheira Darwin. Depois de quatro horas de trekking, eles pegam um barco para Puerto Williams, de onde voam em um pequeno avião de volta a Punta Arenas.
Fiquei chateada porque talvez nunca chegue a conhecer Yendegaia. Mas penso que é sempre bom deixar alguma coisa por conta da imaginação.
“Quando você acha que a estrada até Yendegaia estará terminada?”, pergunto a Gonzalo.
“Nunca, eu espero.”