Quanto mais quente melhor
AS TERAPIAS COM CALOR ESTÃO VIRANDO MODA ENTRE ATLETAS – MAS SERÁ QUE REALMENTE AJUDAM NA PERFORMANCE?
TERAPIAS COM GELO sempre conquistaram uma legião de fãs entre atletas profissionais e amadores. Mas, nos últimos anos, uma nova tendência começou a surgir no meio esportivo: a moda agora é o calor.
Atletas de todo o mundo começaram a explorar os potenciais benefícios do treinamento de calor para tudo, de maratona a alta montanha. A terapia de calor também está ganhando atenção como uma ferramenta eficaz no combate a doenças cardíacas e para ajudar na reparação de músculos lesionados. Talvez os finlandeses estivessem certos centenas de anos atrás – esses escandinavos amantes da sauna acumulam mais de 100 medalhas olímpicas de atletismo e também estão no topo do ranking de 2018 dos povos mais felizes do mundo.
As origens do atual boom nas pesquisas sobre os benefícios do calor remontam às Olimpíadas de 2008. Naquele ano, Chris Minson, fisiologista da Universidade do Oregon (EUA), estava auxiliando o maratonista e conterrâneo Dathan Ritzenhein a se preparar para o verão sufocante em Pequim. Os protocolos de aclimatação ao calor, que geralmente envolvem uma ou duas semanas de exercícios suados, são uma forma eficiente de provocar adaptações no corpo – como o aumento do volume plasmático e da taxa de transpiração, que ajudariam a melhorar a performance em temperaturas mais elevadas. “Mas eu tinha um medo recorrente”, lembra Chris. “E se na corrida não fizer calor? E se estiver um dia mais fresco?”
Ninguém sabia ao certo se estar bem adaptado ao calor poderia mesmo gerar compensações ou se resultaria em um desempenho pior no frio. Então Chris organizou um estudo com 20 ciclistas para descobrir. Os resultados, publicados em 2010, provocaram um frenesi entre os cientistas do esporte. Dez dias de treinamento sob um calor de 40oc acarretaram um aumento de 5% do VO2 máximo dos ciclistas e melhoraram em 6% sua performance em um contrarrelógio de uma hora – mesmo com a sala mantida a meros 13oc. Assim, de uma hora para a outra, salas quentes e roupas não respiráveis se tornaram coqueluche, especialmente entre aqueles sem o mesmo poder aquisitivo de quem vai para as altas altitudes melhorar o desempenho.
O pensamento inicial era que, enquanto o exercício físico em ambientes com ar rarefeito estimula a formação de glóbulos vermelhos transportadores de oxigênio, um dos principais benefícios do treinamento no calor seria o aumento do volume de plasma sanguíneo, que transporta as hemácias para os músculos. Entretanto a tese de que o aumento do plasma realmente significa melhor desempenho atlético ainda é controversa.
Carsten Lundby, especialista em treinamento de endurance do Hospital Universitário de Copenhague, na Dinamarca, estudou o treinamento no calor e encara com ceticismo a ideia de que simplesmente aumentar o volume de plasma melhora o desempenho após apenas uma semana ou duas. No entanto a diluição resultante do sangue pode desencadear uma resposta natural de EPO para produzir novos glóbulos vermelhos, exatamente como o treinamento em altitude – uma ideia que o pesquisador está testando atualmente com um estudo com protocolo de seis semanas.
O volume de plasma não é o único parâmetro alterado pelo calor. De acordo com Carsten, a resiliência psicológica e a mudança na percepção de altas temperaturas estão entre os principais benefícios que os participantes da sua pesquisa obtiveram com o treinamento de calor.
De maneira geral, o calor é um choque para o sistema, gerando algumas das mesmas respostas celulares que o exercício e a altitude desencadeiam. Por essa razão, os cientistas estão agora estudando seus benefícios terapêuticos (leia abaixo “A cura pelo suor”), bem como a adaptação cruzada – ideia de que o calor pode preparar o atleta para uma viagem à alta montanha ou ajudálo a manter a vantagem na volta.
Um exemplo prático: no ano passado, três atletas de elite da corrida com obstáculos foram ao laboratório de Chris três ou quatro vezes por semana para mergulhar em uma banheira com água a 40oc por cerca de 40 minutos, esperando que o calor ajudasse a manter os níveis elevados de hemácias desenvolvidos durante o treinamento em altitude no Arizona. Os exames de sangue sugeriram que a abordagem teve sucesso.
Tudo isso soa tão improvável que Chris é cuidadoso e não faz alarde sobre suas descobertas para não gerar expectativas. Para a maioria dos atletas de diferentes faixas etárias, que o consultam a respeito de como aproveitar os benefícios do calor, o pesquisador sugere que eles simplesmente treinem mais, foquem na recuperação e, talvez, percam um pouco de peso.
“Do ponto de vista da saúde”, diz Chris, “se você tiver que escolher entre exercícios físicos e uma banheira de água quente, nem pense duas vezes: escolha a primeira opção.” Ainda assim, ele está muito animado com o potencial dessa área de pesquisa e treinamento – mesmo que seja coisa das antigas para os finlandeses.
O calor provoca um choque em nosso organismo, gerando respostas celulares semelhantes às dos exercícios em altas altitudes.