Go Outside

Fazer jejum traz mesmo algum benefício?

PASSAMOS FOME COM A DIETA PROLON PARA DESCOBRIR SE ELA AUXILIA NA BUSCA PELA LONGEVIDAD­E

- POR MARY TURNER, DA OUTSIDE USA

ESTOU CONTANDO a quantidade de azeitonas verdes do meu lanche da tarde. São sete e incrivelme­nte pequenas. Eu saboreio cada uma bem devagar. Desesperad­a para comer mais quando termino a minha porção, eu chego ao cúmulo de beber o caldinho do fundo do pote. Estou no terceiro dia de uma dieta de cinco dias que simula o jejum, chamada Prolon (diminutivo de longevidad­e prolongada, em inglês). Essa dieta foi desenvolvi­da nos últimos 15 anos pelo ítalo-americano Valter Longo, de 51 anos, professor de gerontolog­ia e ciências biológicas e diretor do Instituto de Longevidad­e do University of Southern California (EUA).

Valter é também autor de um livro publicado em 2018, o The Longevity Diet

[em tradução livre, A dieta da longevidad­e, traduzido para nossa língua por uma editora portuguesa, mas sem edição brasileira]. Ele vem pesquisand­o o envelhecim­ento relacionad­o a dietas com restrição de calorias há quase três décadas. E acredita que o jejum desempenha um papel importante para uma vida mais longa e saudável.

Alguns dizem que o método mais eficaz para jejuar é beber água e mais nada. Porém pessoas que fazem jejum assim deveriam ter supervisão médica, e não é seguro seguir um “menu” como esse enquanto se está trabalhand­o, treinando ou correndo atrás dos filhos. Então Valter criou um kit de refeições de cinco dias, que nos EUA custa US$ 250 e que oferece uma dieta vegana de baixa caloria cientifica­mente elaborada (os lucros do Prolon e da venda de seus livros vão para sua fundação médica, a Create Cures). O objetivo é enganar o organismo e fazê-lo achar que estamos jejuando e só bebendo água, quando estamos, na verdade, consumindo energia suficiente dos alimentos e obtendo nutrientes para realizar tarefas básicas.

Um dia típico da Prolon inclui uma barra de cereais com macadâmia no café da manhã, uma xícara de sopa de vegetais desidratad­os (com crispies de folhas de couve ou azeitonas verdes) no almoço, outra xícara de sopa de vegetais desidratad­os no jantar, um wafer de chocolate amargo pequeno de vez

“QUE FIQUE CLARO: EU NÃO SOU DAQUELE TIPO DE GENTE FISSURADA EM JEJUM! EU SOU UMA DESSAS PESSOAS IRRITANTES QUE JÁ VIVEU DE SUCO POR DEZ DIAS E EMBARCOU EM PROGRAMAS DE DESINTOXIC­AÇÃO DE 21 DIAS.”

em quando, um suplemento de ômega-3 vegetal e um multivitam­ínico. Calorias totais: entre 800 e 1.150 por dia (uma mulher de 30 anos, ativa, deve consumir normalment­e cerca de 2.400 calorias por dia).

Eu estava ansiosa para experiment­ar a Prolon, para adotar hábitos mais saudáveis rapidament­e depois de um verão de comilanças excessivas. Que fique claro: eu não sou daquele tipo de gente fissurada em jejum! Eu sou uma dessas pessoas irritantes que já viveu de suco por dez dias e embarcou em programas de desintoxic­ação de 21 dias, sem café, açúcar, álcool, trigo ou laticínios. Esses programas têm uma premissa comum: nosso corpo precisa fazer uma pausa na digestão de alimentos para podermos reparar células danificada­s, produzir novas células e reduzir a inflamação. Tudo isso aumenta nossa probabilid­ade de evitar várias doenças, incluindo diabetes e câncer.

“Quando estamos em jejum, a energia é desviada da digestão de alimentos para a digestão de componente­s das células e dos órgãos, que são reconstitu­ídos quando retomamos à dieta normal”, explica Valter. “Isso permite que o organismo elimine células danificada­s e produza células-tronco, o que resulta na regeneraçã­o e no rejuvenesc­imento de múltiplos sistemas.”

Embora o jejum venha ganhando cada vez mais aceitação por parte da medicina convencion­al, muitos médicos afirmam que não há estudos de longo prazo suficiente­s sobre sua eficácia, e alguns se preocupam que forçar o corpo a entrar “em modo de fome” possa deixar o metabolism­o das pessoas mais lento ou provocar mudanças hormonais em mulheres. Médicos, incluindo Valter, não recomendam fazer jejum se a pessoa estiver grávida, tiver diabetes, usar certos tipos de medicament­os ou não estiver com a saúde em dia.

Stacy Sims, cientista na área de nutrição e fisiologis­ta do exercício, afirma que os atletas também devem ter cuidado. “Um tratamento que funciona bem na população ‘normal’ não pode ser generaliza­do para a população atlética, sadia e ativa e ter os mesmos efeitos”, explica ela. “A pesquisa sobre jejum ainda não inclui exercícios.” (Atualmente, Valter está realizando pesquisas clínicas sobre jejum e atividade física.)

Valter sugere evitar atividades físicas extenuante­s durante o jejum para que não ocorram efeitos colaterais negativos, como desmaios. No terceiro dia, ignorando sua orientação, fiz uma aula de spinning de manhã e, logo depois, eu me arrependi. Eu me senti totalmente esgotada. Fora isso, achei fácil seguir o programa Prolon. Tudo que precisamos chega em uma grande caixa de sapato. Dentro dela, há cinco caixas menores, identifica­das, uma para cada dia, com toda a comida que vamos consumir. O trabalho mais difícil é ferver água para fazer a sopa ou o chá. Não há aquela função de ter que achar ingredient­es difíceis nem gastar horas dedicadas ao preparo de shakes de folhas de couve e chia.

Comecei o jejum em uma segunda-feira de manhã e terminei em uma sexta-feira à noite. Eu tinha uma festa naquela semana que não podia perder, e não vou mentir: queria matar meu amigo que estava comendo batata-doce frita enquanto eu bebia chá de ervas. Felizmente, parte do programa Prolon inclui algo chamado L-drink, um preparado de glicerina vegetal misturada a água ou chá de ervas que ajuda a suprimir a fome e aumentar a energia. Você pode beber o L-drink do segundo ao quinto dia. Eu me agarrava ao meu como se fosse uma mamadeira.

A parte mais difícil do jejum foi quebrar meu vício psicológic­o por recompensa­s, como um café latte com leite de aveia ou uma barra de chocolate com caramelo salgado de tarde. Eu precisei achar outras maneiras de me acalmar: dar uma volta no quarteirão ajudou, assim como conversar com um colega de trabalho. O lado bom é que, depois de cinco dias de Prolon, eu perdi pouco mais de 2 kg e tive um nível escandalos­o de energia e clareza mental.

Eu perguntei a Valter por que me senti tão bem. Ele disse que seus estudos em camundongo­s mostraram que jejum faz bem para o cérebro (é bom ressaltar que camundongo­s não reagem exatamente como humanos). “No final de um longo jejum ou dieta que simule jejum, na maioria das pessoas, cerca da metade da energia do cérebro é gerada pelo metabolism­o de corpos cetônicos em vez de açúcares”, explica ele. Em outras palavras, eu talvez venha queimando mais gordura que carboidrat­os. Em dietas similares a Prolon, o corpo entra gradativam­ente em um estado de cetose parcial após dois ou três dias.

Para quebrar o jejum da Prolon, comemos pequenas porções de vegetais, legumes, amidos e proteínas por 48 horas. Uma vez que retomamos a alimentaçã­o normal, Valter recomenda fazer uma dieta com peixes, combinando salmão ou outros peixes duas a três vezes por semana com refeições primariame­nte veganas, consumidas em um período de 12 horas (por exemplo, entre 8h e 20h).

O que acontece se sairmos da Prolon e voltarmos a comer, por exemplo, batatas e queijos e a beber margaritas? “Nossos estudos clínicos sugerem que pessoas que têm uma dieta pior se beneficiar­ão mais com a Prolon”, afirma Valter. Ele relata, ainda, que seguir a Prolon regularmen­te — duas vezes por ano para pessoas sadias, em dieta de peixes, que façam exercícios regularmen­te e não fumem — inspirou algumas pessoas a melhorarem seus hábitos alimentare­s. Com viagens e os estresses da rotina, essa inspiração não durou para sempre para mim, e meu vício em cafeína e chocolate à tarde já está querendo voltar. Talvez seja a hora de fazer a segunda rodada.

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