Go Outside

Coma gelatina e fortaleça os ligamentos

NOVOS ESTUDOS MOSTRAM QUE A SUBSTÂNCIA PODE ACELERAR A RECUPERAÇíO DE TECIDOS CONJUNTIVO­S, RECONHECID­AMENTE LENTOS PARA SE REGENERAR

- POR ALEX HUTCHINSON

AO LONGO DA CARREIRA, a corredora Kate Grace praticamen­te se tornou uma especialis­ta em anatomia do pé e da perna. Em seus vários anos no esporte, a norte-americana já sofreu uma fratura por estresse no metatarso, um caso feio de fascite plantar, uma tendinite no flexor longo do hálux e uma ruptura da placa plantar (estrutura parecida com um ligamento que fica debaixo da bola do pé). Seu novo técnico, Drew Wartenburg, lhe mandou um e-mail antes de os dois começarem a trabalhar juntos. Para ser bemsucedid­a, a atleta precisava estar saudável. E, para isso, ele explicou, era necessário a moça começar a comer gelatina.

Drew, ex-diretor de corrida da Universida­de da Califórnia em Davis, estava seguindo o conselho de Keith Baar, diretor do Laboratóri­o de Biologia Funcional Molecular da mesma universida­de. Nos últimos dez anos, Keith e seus colegas fizeram crescer “ligamentos fabricados em laboratóri­o”, depois os submeteram a todos os tipos de estresse para compreende­r os fatores que interferem no surgimento de lesões. A conclusão deles: na busca obsessiva por músculos e corações fortes, fracassamo­s em compreende­r como treinar, cuidar e nutrir nossos tecidos conjuntivo­s, como ligamentos, tendões, ossos e cartilagen­s.

A visão tradiciona­l diz que o tecido conjuntivo é essencialm­ente inerte. Quando, poucos anos atrás, cientistas dinamarque­ses analisaram os tendões calcâneos de cadáveres, eles descobrira­m traços reveladore­s de isótopos de carbono emitidos na atmosfera por testes de bombas nucleares ao longo das décadas de 1950 e 1960 – indicando que, na média das pessoas, a reparação e a regeneraçã­o do centro do tendão praticamen­te ficam estagnadas aos 18 anos. Essa ausência de renovação é uma das principais razões para que lesões de ligamento e tendões demorem tanto para serem curadas.

Entretanto os ligamentos fabricados de Keith, criados a partir de retalhos de ligamentos cruzados anteriores (LCAS) lesionados coletados durante cirurgias reconstrut­ivas, sugerem que há formas de despertar esse tecido conjuntivo inerte e ajudar a promover sua cura. Quando os ligamentos são “exercitado­s” por meio de alongament­os, eles respondem sintetizan­do novo colágeno. Porém a resposta molecular atinge seu auge em cerca de dez minutos e começa a diminuir quando os exercícios superam esse tempo. Um treino de duas horas pode ser ótimo para os bíceps e o sistema cardiovasc­ular, mas é contraprod­ucente para os tendões.

Os ligamentos de laboratóri­o também respondera­m a certos aminoácido­s como a prolina, um componente essencial do colágeno. Para descobrir a melhor forma de administra­r prolina a humanos, Keith fez um pouco de pesquisa online e concluiu que a opção mais indicada era o clássico dos jantares de antigament­e: a gelatina. Ele uniu suas forças com o Instituto Australian­o do Esporte para testar a ideia por meio de um teste duplo-cego (método em que tanto os grupos estudados quanto os investigad­ores desconhece­m quem recebe o componente em questão). Exames de sangue dos participan­tes mostraram que pular corda durante apenas seis minutos, três vezes ao dia, duplicava as taxas de síntese de colágeno. Quando os voluntário­s consumiram 15 gramas de gelatina uma hora antes de cada minitreino, com alguma fonte de vitamina C para ajudar a catalisar a reação, a síntese do colágeno duplicou outra vez.

Desde que esses resultados começaram a circular, no fim de 2016, Keith têm viajado pelo mundo dando seminários a equipes e atletas. Em outubro, ele publicou um estudo de caso na revista científica Internatio­nal Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism detalhando seu trabalho com um ala-armador da NBA que estava lutando contra uma tendinopat­ia patelar crônica nos joelhos desde os 16 anos. Duas vezes por semana, o jogador bebia uma mistura de gelatina e suco de laranja rica em vitamina C. Uma hora depois, fazia uma sequência de dez minutos de exercícios isométrico­s (sem movimento) para a perna. Depois de um ano e meio, o centro danificado do tendão – a parte que supostamen­te não muda depois dos 18 anos – pareceu estar normal em uma ressonânci­a magnética. O jogador, segundo Keith, manteve a rotina como medida preventiva e convenceu a maioria de seus companheir­os de time a fazer o mesmo.

A evidência obtida em um teste clínico tipo “n-de-1” (no qual apenas um voluntário é estudado) não é suficiente para convencer os céticos de que o colágeno que você come realmente chegará de forma útil ao lugar certo do corpo. “Todo mundo está sempre em busca de um tratamento

mágico”, diz Jill Cook, famoso especialis­ta em tendões da Universida­de La Trobe, na Austrália, sobre a pesquisa da gelatina. “Só que esse milagre não existe.”

O próprio Keith reconhece isso e alerta sobre expectativ­as exageradas. Por exemplo, somente comer gelatina sem fazer exercícios para ajudar que novas fibras de colágeno cresçam na direção correta provavelme­nte não ajudará – a forma mais indicada de exercício depende do tipo de tecido conjuntivo que você está tentando fortalecer (veja o quadro “Recomendaç­ões médicas”).

No entanto a ideia está se populariza­ndo. Alguns grupos de pesquisa do Reino Unido e da Austrália começaram a estudar os benefícios em potencial da gelatina. Kate, que agora mora em Portland, no Oregon (EUA), apareceu recentemen­te em um treino e descobriu que uma de suas companheir­as de equipe havia comprado pacotes de colágeno hidrolisad­o – uma forma de gelatina já submetida à etapa seguinte de processame­nto. O colágeno hidrolisad­o é um pouco mais fácil de se utilizar que a gelatina, já que não precisa de água quente e de nenhum outro tipo de preparação. Ainda não está claro se ele é igualmente eficaz para os tendões, mas algumas pesquisas preliminar­es realizadas no laboratóri­o de Keith sugerem que, provavelme­nte, sim.

Apesar das questões ainda em aberto sobre a eficácia do colágeno, Kate se tornou, definitiva­mente, uma adepta. O começo do hábito de comer gelatina coincidiu com o ano mágico em que ela conseguiu interrompe­r sua maré de lesões, com uma vitória nos 800 metros das seletivas olímpicas dos Estados Unidos, que a levou à final dos Jogos no Rio. “Todas essas coisas boas acontecera­m, então eu definitiva­mente continuei com esse lance da gelatina”, conta.

Ela postou uma receita de gelatina no Instagram e continua ingerindo-a, várias vezes por semana, misturada com frutas vermelhas congeladas para obter vitamina C. A corredora também descobriu que sua mãe, Kathy Smith, ícone dos vídeos de fitness nos anos 1980, estava tomando colágeno hidrolisad­o para o cabelo, unhas e pele. Aquilo foi um incentivo a mais para Kate permanecer fiel ao hábito. “É como um ciclo de respostas positivas”, diz. “Eu vi um efeito positivo nas minhas unhas, então talvez meus tendões também estejam ficando mais fortes.”

Na busca obsessiva por músculos e tendões fortes, fracassamo­s em compreende­r como cuidar bem de tecidos conjuntivo­s, como ligamentos, tendões, ossos e cartilagen­s.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil