Go Outside

Elas conquistar­am bowls e pistas

Nova geração do skate feminino brasileiro atualiza O esporte e sonha com O Ouro Olímpico

- POR RICARDO AMPUDIA

JÁ FAZ TEMPO que as pistas de skate não se restringem aos homens: nos últimos anos, as mulheres têm marcado presença cada vez maior nas várias vertentes do esporte. Mas lá se foi a época em que a participaç­ão feminina se resumia a algumas garotas tentando – quase sempre sem sucesso – fazer manobras em bowls e skate parks. O movimento delas dentro e fora das pistas nunca foi tão intenso, criativo, empoderado e divertido quanto agora.

Impression­a a quantidade consistent­e de ótimas atletas, como a catarinens­e Yndiara Asp, 21 anos, e Dora Varella, 17 anos, que muito provavelme­nte representa­rão o Brasil nos Jogos de Tóquio, em 2020, nos quais o skate estreia como modalidade. Porém o boom feminino vai além. Em diversas regiões do país, há grupos de meninas descendo corrimões, pulando bancos de praças e encarando bowls íngremes – por pura diversão. A cena se completa em todos os aspectos do lifestyle desse esporte. Jovens fotógrafas vêm registrand­o manobras e outros momentos das amigas skatistas. Temos no Brasil marcas de roupas e equipament­os voltadas 100% para elas, como a Mary Jane. Criada em 1999, a empresa só faz tênis de skate femininos. Em 2012, lançou o primeiro modelo assinado por uma brasileira, da pioneira Karen Jonz. Em 2013, a Qix também lançou sua marca, Missy, para investir nesse público.

Multiplica­m-se nas redes sociais coletivos que incentivam mais garotas a se aventurare­m em quatro rodinhas. Um desses, por exemplo, é o Britney’s Crew, criado no Rio de Janeiro, em 2016, quando duas skatistas, Rayane Oliveira, a “Briti” – vem daí o nome do grupo –, e Thayná Gonçalves resolveram incentivar a cena do skate feminino carioca em um coletivo para, além de andar e se divertir, discutir o lugar da mulher no esporte e criar uma rede de apoio.

“Incentivam­os muito a auto-organizaçã­o feminina dentro do nosso estilo de vida. O skate é nosso motivo de união, mas o Britney’s quer mais: desejamos mostrar o poder das mulheres e ajudar todas nós a ter mais visibilida­de e apoio”, diz Rayane, sobre uma cena que, apesar de tudo, ainda é predominan­temente masculina, com atletas homens recebendo bem mais atenção da mídia e de patrocinad­ores. Além de organizar rolês pela cidade, elas contam com um corajoso front de fotógrafas, designers, estilistas e videomaker­s para “fazer a cena acontecer”, como pode ser visto em sua conta no Instagram (@britneyscr­ew).

O mercado da fotografia de skate, que envolve um trabalho muitas vezes técnico, cansativo e metódico para captar as melhores manobras, também vê aumentar a participaç­ão de mulheres atrás das câmeras. Algumas se especializ­am mais no lado da moda de skate, a exemplo da catarinens­e Tauana Sofia, que fotografa para diversas marcas da área, enquanto outras curtem captar o momento preciso das manobras. Caso da fotógrafa paulistana Laura Dias, 17, que começou a andar de skate aos 9 anos de idade e que, aos poucos, foi se apaixonand­o por retratar os amigos e amigas em ação. Recentemen­te seu trabalho foi selecionad­o para a exposição “No Limite da Ação”, no Sesc Belezinho, em São Paulo, com direito a uma imagem de sua autoria estampada em uma janela de 18 metros de altura – provavelme­nte a maior fotografia de skate já exposta no Brasil. E quem protagoniz­ava a foto? A skatista Letícia Gonçalves, 21, nascida em Mogi das Cruzes (SP) e que integra a seleção brasileira de skate de 2019. “Passei

três anos só fotografan­do meninos. No ano passado é que meu olhar começou a incluir também mulheres. Estamos criando nosso jeito de dar rolê e de se envolver com todos os aspectos da cena”, conta.

PARTE DA EFERVESCÊN­CIA feminina se deve à chegada de uma nova geração, que surgiu inspirada em nomes como o da santista Karen Jonz, 34, primeira brasileira a ganhar um mundial (levaria mais três deles ao longo da carreira) e a primeira a conquistar o ouro nos X Games, e o da paulistana Leticia Bufoni, 25, que, apesar de jovem, despontou bem cedo. Leticia já levou quatro ouros na modalidade street dos X Games e ocupa atualmente a 5ª colocação no ranking mundial. As duas se tornaram mais que atletas – são hoje celebridad­es com milhares (milhões, no caso de Leticia) de seguidores nas redes sociais.

“Nunca imaginei competir com nomes como e de Karen, que sempre admirei muito”, conta Dora, que também faz parte da seleção olímpica de 2019, disputa a categoria park e já dividiu pódios com Karen. Recémaceit­a na categoria profission­al, ela colecionou títulos como amadora. É bicampeã pan-americana open e levou três vezes um dos campeonato­s mais importante­s na sua modalidade, o Vans Combi Pool Classic.

Terminando a temporada 2018 entre as dez melhores do mundo na sua categoria, Yndiara, a “Yndi”, é outro nome conhecido aqui e fora do país. Sua trajetória se deu bem rápida: mal havia começado no skate, aos 15 anos, e já foi ganhando várias competiçõe­s e deixando a plateia boquiabert­a com seu estilo fluido, porém de grande velocidade e força. Hoje é a brasileira mais bem colocada no ranking mundial na categoria park, em 7º lugar. Também foi a primeira skatista profission­al do país patrocinad­a pela Vans, tradiciona­l marca de skate da Califórnia. “A cena do skate feminino está em um momento ótimo, crescendo muito. Tanto as meninas estão evoluindo nas manobras como na quantidade de praticante­s e competidor­as. As premiações estão se igualando às dos homens nos campeonato­s também”, diz Yndi.

Com os Jogos de 2020, a tendência deve se intensific­ar. A seleção deste ano (que não é a definitiva para disputar as Olimpíadas) conta com Yndi, Dora, Letícia, Isadora Pacheco, 13 anos, e Victoria Bassi, 11, na categoria park, além de Pâmela Rosa, Rayssa Leal, Virginia Fortes, Leticia Bufoni, Karen Feitosa e Gabriela Mazetto no street.

Victoria Bassi – uma das mais novas do time, ao lado de Rayssa Leal, também com 11 anos – já conquistou o bicampeona­to brasileiro de park. “Meu foco é treinar bastante para chegar às Olimpíadas e trazer uma medalha, que é o meu sonho”, diz. Victoria começou no skate muito cedo, quando ganhou um carrinho da família aos 4 anos e mostrou desenvoltu­ra rápido. Rayssa é outro talento meteórico: foi descoberta por um vídeo no Youtube, andando nas ruas de Imperatriz (MA), que impression­ou profission­ais de longa data.

A tarefa da seleção olímpica não será fácil, ainda mais com rivais estrangeir­os de peso. Os EUA, berço do skate, devem ter as duas melhores do mundo na categoria park, Brighton Zeuner e Jordyn Barratt. Lizzie Armanto, número 2 do mundo no ranking geral, deve competir pela Finlândia.

No fim de 2018, em Nanquim, na China, aconteceu a primeira etapa do Mundial de Skate, na categoria park, chancelado pela federação reconhecid­a pelo Comitê Olímpico Internacio­nal. Ficou conhecido como o primeiro “mundial de verdade” da história do esporte. “Foi um choque de realidade, porque vimos meninas fortes de países que nem imaginávam­os. Umas atletas do Japão, por exemplo, andavam muito, e nós nunca havíamos ouvido falar delas”, conta Dora. O Brasil conseguiu colocar Isadora Pacheco nas baterias finais, terminando em 7º lugar. Yndi ficou em 10º, e Dora Varella, em 15º.

“O avanço para nós, skatistas mulheres, é visivelmen­te grande. Apesar de tudo, a evolução não pode parar. Queremos mais atletas profission­ais, mais marcas com mulheres no time, mais prêmios para nós. Ainda falta muita coisa”, completa Rayane, da Britney’s Crew. Se depender da ousadia e vontade dessa geração, a gente chega lá – e nem vai demorar muito.

“O avanço para nós, skatistas mulheres, é visivelmen­te grande. Apesar de tudo, a evolução não pode parar. Queremos mais atletas profission­ais, mais marcas com mulheres no time. Ainda falta muita coisa”, diz Rayane Oliveira.

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a) Dora Varella; b) Yndiara Asp; c) Isadora Pacheco e amigos; d) Leticia Gonçalves
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COLETIVO: Britney’s Crew conta com um time de fotógrafas, designers, estilistas e videomaker­s para fazer a cena feminina acontecer

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