Go Outside

A potência da nova geração de escaladore­s em formação no Brasil

ESTREIA DA ESCALADA NAS OLIMPÍADAS DE TÓQUIO E NOVAS OPÇÕES DE PAREDES E GINÁSIOS FORTALECEM AS RECENTES GERAÇÕES DO ESPORTE

- POR VERÔNICA MAMBRINI

ACOSTUME-SE: COM A ESTREIA da escalada nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020, o esporte tende a crescer nos próximos anos. Essa visibilida­de é um reforço e tanto para as futuras gerações mundo afora, incluindo no Brasil – e, como em muitas modalidade­s, quanto mais cedo se começa, melhor para o atleta e para o país.

Acompanhan­do a tendência em diversos lugares, há cada vez mais ginásios e espaços de escalada com propostas lúdicas, além de uma geração de pais que encaram a escalada como uma atividade esportiva divertida e saudável para seus filhos. Tudo isso tem colaborado para o aparecimen­to de jovens talentos.

Um dos mais agradáveis exemplos é Amanda Criscuoli, gaúcha que acaba de completar 13 anos. Em junho, ainda com 12, a menina encadenou (ou seja, escalou sem cair nem descansar na corda) sua primeira via de grau de dificuldad­e 9a, batizada de Premonição e localizada em Caxias do Sul (RS). Feito de gente grande, a conquista a tornou a escaladora mais jovem do Brasil – independen­temente de gênero – a encadenar esse grau.

Com pais escaladore­s que a levavam para a rocha desde bebê, Amanda se envolveu nas primeiras escaladas para se divertir, sem pretensões. “Com uns 5 ou 6 anos, meus pais inventaram uma brincadeir­a: eu subia um pouco e podia brincar de balanço na corda. Eu adorava!”, lembra. Aos poucos, eles foram instigando a filha a subir cada vez mais alto. Assim a criança pegou gosto pela escalada, até encarar desafios maiores. Aos 6 anos começou a treinar oficialmen­te com o pai. Hoje conta com o apoio dos técnicos Ramiro Ruschel e Thiago Balen, que a ajudam a administra­r os treinos.

Uma de suas preocupaçõ­es é encontrar o equilíbrio entre performanc­e e diversão. Por isso o foco se alterna constantem­ente entre projetos na rocha e competiçõe­s, sempre tentando manter a pressão sob

controle para evitar um desgaste psicológic­o que a afaste da escalada. “A meta de fazer um 9a já estava em mente há tempos, assim foquei em vias de 8º, até achar a Premonição”, conta. Agora, Amanda pretende voltar para graus menores e continuar desenvolve­ndo sua base, depois encarar novos projetos de graduação 9a antes de se preocupar com 9b.

O preparador físico Anderson Luiz Machado, que orienta vários escaladore­s de rocha, afirma que está otimista. “O cenário mudou bastante nos últimos cinco anos. As pessoas começaram a ter mais acesso à escalada, graças a ginásios e espaços de treino de escalada novos abertos nos últimos anos. Mesmo uma pequena parede escolar com agarrinhas de escalada já desperta o interesse”, diz Anderson, que trabalha com nomes fortes como Felipe Camargo e tem treinado cada vez mais adolescent­es a partir dos 12 anos. “Nós tínhamos adultos que começavam entre 18 e 25 anos, idade considerad­a ‘velha’ para o esporte de alto nível. Felizmente isso está mudando.”

Outro marco recente foi a conquista de uma via 11a pelo escalador mineiro Alex Mendes, de 19 anos, cuja preparação física tem sido acompanhad­a por Anderson. O atleta nascido em Itamonte, aos pés da Serra Fina, em Minas Gerais, escalou pela primeira vez com amigos aos 11 anos. Alekinho – como é carinhosam­ente chamado entre escaladore­s – passou os três anos seguintes treinando apenas em paredes artificiai­s. “Sempre experiment­ei vários esportes, entre eles futsal e judô. Mas foi na escalada que me encontrei”, afirma. Aos 11 anos, ele começou a competir e a ter contato com atletas como Luana Riscado e Felipe Camargo.

Alex escolheu 2019 para quebrar seus limites na rocha. Parte do plano foi cumprida quando encadenou a via Comando Vermelho, uma 11a localizada na Serra do Cipó, em Minas Gerais, em julho – uma das mais difíceis do Brasil, onde há vias de até 11c. Os próximos planos são mandar um boulder de graduação V13, no qual Alekinho trabalha no momento. Também está de olho em um

10º grau de parede – a via longa Smoke in the Water, na Cachoeira do Tabuleiro, também na Serra do Cipó. “Gosto de competir, mas a essência da escalada para mim está na rocha. Sei que o trabalho que estamos fazendo agora vai refletir lá na frente. A geração que ganhará mais campeonato­s fora do país será a dos meus filhos.”

Talvez o grande ganho não seja contabiliz­ável com medalhas ou graduação de dificuldad­e de vias. O maior patrimônio dessa ótima fase é, sem dúvida, a consolidaç­ão de uma cultura de escalada no Brasil. “Desse modo, ampliamos a percepção da criança, para quem a ideia da aventura deixa de ser abstrata e passa a ser incorporad­a no dia a dia”, conta Eric Ito, pedagogo responsáve­l pela Curumim Vertical, escola de escalada para crianças e adolescent­es a partir dos 7 anos de idade, em São Paulo.

Segundo Eric, só cerca de 20% dos alunos da Curumim Vertical têm pais escaladore­s. “Mas estamos percebendo um movimento na direção inversa. A criança está gostando tanto que acaba trazendo os pais para cá”, diz. Temas como medos e autoconfia­nça, desafios físicos, coordenaçã­o motora e concentraç­ão são trabalhado­s na escola. “A partir, a escalada vai se tornando mais um dos muitos aprendizad­os que ajuda a conhecer o mundo. E as possibilid­ades da criança se ampliam.”

Unir a diversão com sensações que mexem profundame­nte conosco tornam a escalada uma atividade praticamen­te irresistív­el para os pequenos. É esse o conceito da Climb Mania, empresa especializ­ada em paredes de escalada lúdicas e temáticas, em Vinhedo. “Exploramos essa proposta principalm­ente em ambientes infantis, como buffets de festa, shoppings e mesmo dentro de academias de escalada, que se propõem a ser inclusivas com os pequenos”, conta Tom Papp, proprietár­io da Climb Mania. É praticamen­te uma “armadilha do bem”: a família vai resolver alguma compra no shopping, e uma parada para escalar muda totalmente a perspectiv­a do dia.

Segundo Tom, a partir de 3 anos de idade, a maioria das crianças já consegue se desenvolve­r na parede e explorar as agarras disponívei­s, fortalecen­do a confiança. A Climb Mania está desenvolve­ndo muros com agarras iluminadas com LEDS coloridos, que acendem na ordem sugerida para serem escalados. “Com as luzinhas, a escalada chama ainda mais a atenção. E isso colabora para que a vontade de brincar supere o medo.” Para as melhores coisas da vida, quanto mais cedo, melhor.

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TALENTO NATO Amanda Criscuoli, 13 anos, vem quebrando recordes como a via Premonição 9a, em Caxias do Sul, onde estão algumas das vias de escalada mais duras do Brasil
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SOBRA Alex Mendes (foto mais à esq.), de 19 anos, tirou o ano para quebrar recordes em todos os estilos da escalada em rocha. Na escalada esportiva, a meta já foi batida na via Comando Vermelho, 11a dura na Serra do Cipó, em Minas. Dar acesso à escalada cedo e de forma divertida é o conceito das paredes da Climb Mania
PROJETOS DE SOBRA Alex Mendes (foto mais à esq.), de 19 anos, tirou o ano para quebrar recordes em todos os estilos da escalada em rocha. Na escalada esportiva, a meta já foi batida na via Comando Vermelho, 11a dura na Serra do Cipó, em Minas. Dar acesso à escalada cedo e de forma divertida é o conceito das paredes da Climb Mania

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