Não deixe a sede chegar
DEPOIS DE ANOS DE PROMESSAS, OS DISPOSITIVOS DE MONITORAMENTO DA HIDRATAÇÃO FINALMENTE ESTÃO A PONTO DE INVADIR O MERCADO
AS CONDIÇÕES da Maratona de Boston de 2018 eram péssimas: devido à chuva forte, às temperaturas abaixo de 4oc e às ocasionais rajadas de vento de mais de 70 km/h, os organizadores da prova estavam preocupados sobretudo com problemas de hipotermia. Mas o dia também era propício para causar desidratação. “Era como correr sob ventos de monções, o que tornava a hidratação incrivelmente difícil”, conta Becca Pizzi, maratonista experiente que estava na competição. “Além de não sentirmos sede, a água estava supergelada”, lembra. Felizmente, Becca não teve que esperar até ficar com a boca seca e desidratada – ela sabia exatamente quando beber ao longo da competição, graças a um pequeno adesivo em seu braço esquerdo.
Becca estava entre os cerca de 50 corredores que correram em Boston usando um protótipo do Nix, um biosensor barato e descartável que analisa o suor sobre a pele e colhe dados em tempo real sobre a perda de fluidos e os níveis de eletrólitos do corpo. O produto é um dos acontecimentos mais promissores da emergente onda de tecnologias que têm como objetivo responder às antigas questões de hidratação para atletas: quando você deve beber durante exercícios prolongados? Você precisa ingerir líquidos quando sente sede ou deve seguir um plano? E o quanto a desidratação interfere na performance?
Alguns esforços de pesquisa sugerem que mesmo uma desidratação leve pode ter um impacto significativo no desempenho esportivo. Durante um estudo de 2018 realizado pelo Laboratório de Ciências da Hidratação do Arizona (EUA), publicado na revista científica Medicine and Science in Sports and Excercise, ciclistas ligeiramente desidratados pedalando indoor em uma simulação de subida de 5 km demoraram um minuto a mais para percorrer a distância do que quando estavam bem hidratados. A Nix e outras empresas que estão desenvolvendo dispositivos similares esperam fornecer aos atletas toda a informação de que precisam para tomar decisões conscientes sobre hidratação durante o exercício. “Coloque o adesivo e você obterá a primeira leitura em cinco minutos”, diz Meredith Unger, CEO da companhia.
Por vários anos, houve uma corrida entre empresas de tecnologia para desenvolver um dispositivo de monitoramento da hidratação. Em 2014, especulou-se amplamente sobre planos da Apple de habilitar o iwatch para o rastreamento dos níveis de hidratação por meio de um sensor óptico, mais ou menos da mesma forma como ele mede os batimentos cardíacos. A startup Lvl lançou uma campanha no Kickstarter em 2016 que foi incrivelmente bem-sucedida, conseguindo mais de US$ 1 milhão com a promessa de construir um aparelho com um funcionamento similar. Mas aperfeiçoar essa tecnologia tem sido difícil. A Apple ainda não lançou a função, e a Lvl está presa na fase de pré-venda sem nenhum produto concreto para apresentar. Enquanto isso, o adesivo de análise baseada no suor da Nix se encontra a ponto de chegar ao mercado, e um da Gatorade também está em desenvolvimento.
Becca, que venceu o World Marathon Challenge de 2018 (correr uma maratona em cada um dos sete continentes em sete dias), treina e compete seguindo um plano que pede que ela ingira uma bebida a cada 5 km. Mas a maioria dos atletas simplesmente bebe quando sente sede. De acordo com Lindsay Baker, pesquisadora do Instituto de Ciências do Esporte da Gatorade (GSSI), isso costuma não ser suficiente. Um estudo recente realizado por ela mostrou que a sensação de sede normalmente é aliviada antes de o atleta estar completamente reidratado. “No mundo ideal, os atletas deveriam seguir uma estratégia de hidratação, especialmente quando ocorrem grandes perdas de suor, e colocar o plano em prática também durante os treinos”, diz Lindsay.
Existe um certo debate sobre quanto exatamente uma leve desidratação afeta o desempenho. O consenso que parece ser predominante aponta que os efeitos variam bastante entre indivíduos.
O fato de o estudo do GSSI ter sido financiado por uma empresa de bebidas esportivas deveria gerar suspeitas, mas pesquisas menos ambiciosas do Laboratório de Ciências da Hidratação chegaram a conclusões similares. Stavros Kavouras, fundador do laboratório, afirma que a maioria dos atletas fica completamente no escuro no que diz respeito a quanto se deve beber durante um treino. “A maioria dos maratonistas de elite, aqueles que correm uma maratona em 2h15, acaba as provas em estado de desidratação; por outro lado, alguns maratonistas mais lentos, que correm em mais de 4h, chegam a ganhar peso após os 42 km porque bebem demais”, conta.
Vale a pena assinalar que existe um certo debate sobre quanto exatamente uma leve desidratação afeta o desempenho. Embora pesquisadores da equipe de Stavros sugiram um impacto significativamente negativo, uma meta-análise de 2019 publicada na revista científica Sport Medicine, que examinou um amplo espectro de estudos, é menos conclusiva. O consenso que parece ser predominante aponta que os efeitos variam bastante entre indivíduos.
A promessa da Nix e de outros produtos similares é a oferta de dados individualizados. Use o adesivo e você saberá exatamente quanto está suando e como a desidratação afeta sua performance. “Análises desse tipo são obtidas por atletas profissionais em exames de laboratório feitos por equipamentos que leem o suor e custam US$ 50 mil”, conta Stephen Lee, vice-presidente de engenharia da Epicore Biosystems, que está desenvolvendo o adesivo de hidratação da Gatorade. A marca ainda não estabeleceu um preço de venda, mas a Nix diz que seus adesivos de uso único custarão apenas alguns dólares cada um.
“Queremos que ele seja acessível o suficiente para ser utilizado por atletas de endurance comuns”, afirma Meredith, da Nix. “Nosso objetivo é que o produto seja visto como uma nova fonte de dados que atletas amadores possam utilizar, como acontece com os monitores de frequência cardíaca.”