TEM UMA DRAG QUEEN NA TRILHA...
Como uma estrela do Instagram chamada Pattie Gonia vem sacudindo a tradicional cena da aventura com suas botas de salto 15, maquiagem, muito glitter e luta pela diversidade no mundo outdoor
Como a personagem Pattie Gonia está ajudando a esfacelar os preconceitos no mundo outdoor
À PRIMEIRA VISTA, o perfil de Instagram de Pattie Gonia (@pattiegonia) se parece com qualquer feed de aventura, recheado de lindas fotos de paisagens dos sonhos. Em seu primeiro vídeo no Instagram, Pattie veste uma camiseta técnica verde e boné combinando, segura bastões de trekking e carrega uma mochila, com as Montanhas do Colorado (EUA) de pano de fundo. Se você assistir ao vídeo muito rápido, nem vai perceber: na cena, há botas de verniz com saltos de 15 cm.
Pattie, cujo nome é um trocadilho com a marca Patagonia, de artigos outdoor, é o alter ego drag queen do fotógrafo norte-americano Wyn Wiley, de 27 anos. Wyn fala de si com pronomes masculinos e se refere à Pattie com os femininos. Naquele primeiro post do dia 3 de outubro de 2018, Pattie está comendo Cheetos picante, dançando uma música da Fergie e afirma ser a primeira mochileira queen. Em uma semana, ela já tinha 12.000 seguidores, que viraram mais de 150.000 em menos de um ano. Seus fãs deixam centenas de comentários recheados de emojis, elogiam suas roupas e a convidam para caminhadas na natureza. Ela já apareceu em reportagens da Elle e da Vogue, atraiu a atenção de anunciantes, recebeu mensagens da própria Fergie e até passeou em tapetes vermelhos de prêmios como o Tony Awards.
Poucas pessoas já viram tipos como Pattie nas trilhas, e é esse o ponto principal da história toda. Ainda é uma raridade alguém se libertar dos limites tradicionais de gênero e sexualidade no universo outdoor. Enquanto o mercado segue lento para corrigir essa falha, Pattie segue à frente do movimento. “Ela é emocionalmente muito vulnerável”, diz Wyn, avaliando sua persona Pattie. “O que as pessoas estão vendo sou eu me descobrindo.”
Wyn passou a infância em Nebraska (EUA), como um “garoto ativo em todos os sentidos não tradicionais da palavra”. Ele fazia patinação, esqui, teatro, cantava e dançava em espetáculos. E credita ao grupo de escoteiros algumas das suas experiências mais fortes na natureza e galgou patentes até chegar a Eagle Scout, a mais alta. Diz que se sentiu aceito – até certo ponto – quando se assumiu gay no verão antes de ir para a faculdade. “Falaram na minha cara: ‘Vamos te aceitar mesmo gay, mas não se torne aqueles caras efeminados e nunca se vista de drag. Permaneça desse jeito ‘gay que se passa por hétero’”, lembra. Sua voz era mais poderosa logo que saiu do armário, mas depois baixou o tom, que usa até hoje. “Quando você muda para ser quem as pessoas querem que você seja, é como uma tatuagem, uma cicatriz.”
Depois da faculdade, ele começou a escalar em rocha com o irmão e viajava para acampar e esquiar com os amigos. Seguiu a carreira de fotógrafo, fazendo retratos e fotos comerciais para marcas como a Adidas. Em uma conferência sobre criatividade em fevereiro de 2018, ele tentou pela primeira vez ser drag. Calçou botas de salto 15 e adotou o apelido de Ginger Snap, por ser um fotógrafo ruivo (ginger é uma gíria para ruivo, em inglês). “Foi uma experiência poderosa”, conta. “É louco olhar no espelho e ver outro gênero – e me livrar da parte que ‘se passa por hétero’.”
Para marcar o evento, ele postou fotos em seu Instagram. Perdeu 5.000 dos 70.000 seguidores. “Veio uma enxurrada de mensagens me chamando de todas as palavras possíveis e inimagináveis”, diz. “Gente que eu acreditava estar do meu lado deixou de me seguir.” Ele guardou as botas de volta no armário. “Eu me senti vulnerável”, recorda. “Tenho um respeito enorme pelo mundo drag, mas pensei que talvez não fosse para mim.”
Wyn ainda não tem certeza do que o fez tirar as botas do armário no ano passado, para uma caminhada de quatro dias na Continental Divide Trail, trilha que percorre cinco estados norte-americanos. Nas paradas pelo caminho, ele calçava as botas e desfilava enquanto os amigos tiravam fotos. Decidiu criar a conta da Pattie Gonia pouco depois da viagem. Wyn acredita que Pattie o está ajudando a neutralizar todos aqueles medos de ser rejeitado por se expressar. “Como é especial ter um novo playground para se descobrir. Para mim, a Pattie é esse playground”, conta Wyn. “Acho que é por isso que muitos de nós saímos para a natureza. Tenho que deixar para trás o julgamento do mundo e ser eu mesmo.”
Cada novo post é uma delícia. Pattie em cenas na natureza ao som de Beyoncé, com roupas feitas de material reciclável e homenageando a cultura pop (ela adora o filme O Segredo de Brokeback Mountain). Fotos solenes, observando a vastidão das paisagens? Não muitas. “Ela prefere tornar leves os momentos que podem ser sérios”, fala Karen Wang, fotógrafa, guia de expedições outdoor e amiga de Wyn que tirou fotos de Pattie em Seattle (EUA). “Tem gente que diz: ‘Afe, Maria, olha aquele salto, ela vai cair!’. Nada a ver!”
Com o tamanho da legião de seguidores de Pattie Gonia, não é de se surpreender que empresas de esportes ao ar livre agora venham bater na sua porta, mirando nos fãs. No começo, Wyn ficou resistente em transformar Pattie em influencer – palavra que o faz torcer o nariz. Mas, em abril de 2019, ela fez um post citando marcas que haviam oferecido equipamentos e que concordaram em doá-los a quem precisasse mais do que ela. Um mês depois, compartilhou a evolução do conteúdo patrocinado em outro post. Wyn diz que sabe que as recomendações de equipamentos não são a razão dos seguidores de Pattie, mas, se os posts patrocinados lhe ajudam a organizar grupos de caminhadas e a auxiliar ONGS, então ser influencer pode ter sua utilidade. “Quero tentar fazer a coisa certa”, diz Wyn. “O que antes não parecia direito, agora se transformou em algo que pode ajudar a comunidade em que vivemos.”
Ele também é cauteloso ao usar a plataforma de Pattie para obter atenção para si. Em vez disso, volta os holofotes para ativistas que admira, como Jenny Bruso, da Unlikely Hikers, ou Jaylyn Gough, da Native Womens Wilderness. Ele quer chamar a atenção para gente que trabalha pela igualdade, inclusão e meio ambiente. “Há inúmeras pessoas lutando pela diversidade na natureza, nos tribunais, nas empresas”, conta. “Aquelas são as verdadeiras potências de transformações sociais?”
Por enquanto, Wyn está contente em usar sua personagem para incentivar debates sobre quem pertence aos esportes na natureza. Em janeiro ele foi à feira Outdoor Retailer, em Denver, que atrai milhares de pessoas do mercado outdoor dos Estados Unidos. Pattie apareceu no segundo dia de tomara-que-caia branco, totalmente montada com peruca e botas plataforma. Todos os olhares se viraram para ela, que depois publicou no Instagram: “Muitos sorrisos e uma quantidade equivalente de olhares de ódio e muita gente com cara de ‘que porra é essa?’ enquanto eu passava”. Pattie fez a gentileza de parar, sorrir e explicar por que estava ali. “Não houve uma única conversa que tenha começado estranha e que não tenha terminado com um abraço e comigo espalhando glitter na roupa das pessoas”, escreveu. Ainda assim, Wyn não deixou de notar que muitas delas tinham se aproximado dele para falar de negócios no dia anterior, quando estava vestido de homem.
Wyn tem viajado bastante e ficado pouco tempo em casa, em Nebraska. Onde quer que eu vá, Pattie Gonia vai junto. Com relação aos planos para o futuro crescimento da conta, ele explica: “Só penso na próxima semana. Quem estará comigo? O que podemos fazer juntos?”. Na primeira vez que ele tirou as botas do armário, não havia um plano concreto. Mas Wyn conseguiu muito mais do que esperava. “Se há algo que Pattie pode deixar como legado, eu gostaria que fosse: o que quer que essas botas signifiquem para você, use-as.”