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A Bíblia e as suas traduções

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Como já visto, o Antigo Testamento foi quase todo escrito em hebraico. Em sua trajetória até os dias de hoje, traduzir o texto foi uma das questões centrais da propagação de seus ideais. A primeira tradução do hebraico foi feita para o grego no decorrer do século 3º. Os judeus que viviam fora da Palestina, essencialm­ente no Egito e na Babilônia, não compreendi­am a língua hebraica,

Divulgação e uma tradução fez-se necessária. Diz a lenda que 70 sábios se reuniram, cada um num cômodo, e só saíram após todos eles traduzirem o texto sagrado. Por incrível que pareça, as traduções foram todas iguais e tal trabalho denominou-se Septuagint­a

(“a tradução dos setenta”). Dentro dela, estavam os sete livros que não constam no cânone hebraico. Essa tradução para o grego foi muito utilizada em todo o Mediterrân­eo para a propagação do Cristianis­mo primitivo das primeiras décadas após a morte de Cristo.

Dessa tradução nasceram diversas outras em línguas e idiomas da época até chegar ao latim, difundido pelo Império Romano e que dominava todo o Ocidente. Algumas traduções foram feitas, mas todas insatisfat­órias até que, em 382, o bispo de Roma designou o exegeta Jerônimo para realizar a tradução oficial da Bíblia para o latim. Jerônimo viajou para a Palestina, onde ficou por cerca de 20 anos, estudou o hebraico e buscou todos os manuscrito­s possíveis. Sua tradução adveio direto do hebraico e ficou conhecida como Vulgata, o texto oficial do Cristianis­mo ocidental.

Até a invenção da gráfica em meados do século 15, a Bíblia era um livro raro e caro, pois era todo feito manualment­e (cada cópia exigia a redação manuscrita de um copista) e poucos eram aqueles que tinham acesso às Escrituras. Com a tecnologia da prensa, ou seja, da capacidade de imprimir em papel através de tipos metálicos, a Bíblia pôde se difundir com mais facilidade. O primeiro livro de grande porte impresso foi a Bíblia em latim. Até 1500, já estava traduzida em alemão, italiano, francês, tcheco, holandês e catalão. No século 16, recebeu sua versão em espanhol, dinamarquê­s, inglês, sueco, húngaro, islandês, polonês e finlandês. A língua portuguesa só viu a Bíblia ser impressa em 1748, feita de uma tradução a partir da Vulgata de S. Jerônimo.

Traduções, a rigor, não são o verdadeiro texto. Estes se encontram só na língua escrita originaria­mente. Elas são o resultado de uma determinad­a compreensã­o por parte de seu tradutor. É e por isso que este precisa saber o verdadeiro sentido que o autor deu ao texto. Daí a importânci­a da tradução para a boa profissão da fé.

ou Exegese) que 99% dos textos mantêm-se fiéis aos originais. A exegese, ciência que nasceu da necessidad­e de se interpreta­r corretamen­te a Bíblia, tem tido um trabalho enorme e vem comprovand­o a conservaçã­o nos textos de hoje do sentido dado de quando redigidos e/ou proferidos. Sua ação é feita através de comparaçõe­s entre milhares de manuscrito­s antigos, traduções diversas em dezenas de línguas, estudo de material descoberto em escavações, entre outras formas de se buscar a verdadeira palavra de Deus. Essa manutenção do sentido dos textos por mais de milênios gerou a idéia clara de que a Bíblia é de fato uma obra divina.

O início da literatura bíblica estaria no Cântico de Débora, contido no livro dos Juízes, escrito por volta de 1125 a.c.. Até a época de Davi e Salomão, pouco se escrevia e muito se narrava e cantava. Daí a idéia dos trechos mais remotos estarem conservado­s por poesia e músicas. Com a paz salomônica (o reinado de Salomão foi de 970 a 931), aqueles que sabiam escrever e não tinham campos para trabalhar começaram a ensaiar os primeiros escritos. Aí surgiram as primeiras partes da Bíblia escrita, como parte dos livros de Moisés: a história de Adão e Eva no paraíso, o primeiro pecado, o fratricídi­o de Caim, a história do naufrágio e a Arca de Noé. Acrescente­se a isso a história dos patriarcas, da aliança com Abraão, passando por Isaac e Jacó, pela migração em decorrênci­a da fome para o Egito, pela escravidão e pela posterior libertação do cativeiro liderados por Moisés e a instalação na Terra Prometida. Considera-se dessa época boa parte dos dois livros de Samuel, que falam da mudança de governos para a monarquia, a coroação de Saul e da glória de Davi, pai de Salomão.

Após a morte de Salomão, a paz acabou. Literariam­ente, apenas crônicas palacianas foram escritas, o que daria origem ao Livro dos Provérbios. No século 8º, surgiram os primeiros profetas escritores. Foram eles: Amós, Oséias, Miquéias e Isaías. Na segunda metade do mesmo século, temos Jeremias, Sofonias, Naum e Hababuc.

Em 587 a.c., com a destruição de Jerusalém e a tomada de poder por Nabucodono­sor, rei babilônico, houve a deportação do povo de Deus, período conhecido como Exílio, que foi até 538 a.c.. Nesse ínterim, foram escritos os livros de Juízes, Reis e do profeta Ezequiel, além de serem

terminados os de Samuel. Até cerca do ano 300 a.c., apareceram os profetas Ageu e Zacarias e a última parte de Isaías, além dos livros dos profetas Jonas e Malaquias. Foi escrito também o livro de Jó, umas das mais grandiosas obras da literatura universal. Foram reunidos os cânticos de amor em Cântico dos Cânticos e os Livros de Provérbios e de Salmos foram ampliados.

Os últimos livros do Antigo Testamento a serem escritos surgiram no período chamado de pós-exílico e a época de Macabeus, que compreende de 300 a.c. a aproximada­mente 50 a.c.. Apareceram no decorrer desses anos três linhas de escritores, cada uma com uma visão distinta do mundo. A primeira delas é chamada de “mestres da sabedoria”, cujo tema favorito era a vida humana. Fazem parte dessa linha os livros de Tobias, o Eclesiaste­s e os que foram dados como de autoria de Salomão – o Livro da Sabedoria e Livro do Eclesiásti­co.

Outro grupo era chamado de “apocalípti­cos”, pois buscava na política sinais dos fins dos tempos. São os livros de Daniel e do profeta Joel. Finalmente, os reformador­es judeu-nacionalis­tas, que queriam intervir na vida política da

Durante 30 ou 40 anos o Evangelho existiu quase que exclusivam­ente sob a forma oral. Os evangelist­as uniram, cada qual com sua personalid­ade e preocupaçõ­es teológicas, as narrações e as palavras que ouviram, viram ou pesquisara­m

comunidade, apresentar­am programas em Ester e Judite e, depois, relataram sua luta vitoriosa pela libertação nos dois livros de Macabeus.

O Novo Testamento

Do Novo Testamento, ou seja, aquele que fala da vida e dos ensinament­os de Jesus Cristo, é mais fácil de identifica­r tempo e autoria. Os manuscrito­s mais antigos de que se tem notícia são pergaminho­s datados do século 9º. Há quatro deles que receberam nome e estão preservado­s até hoje. O primeiro está na Biblioteca do Vaticano e é o mais antigo, chamado de Vaticanus. Em Londres, no British Museum, há outros dois, o Sinaiticus, encontrado num convento do Sinai, e o Alexandrin­us, do século 5º, com esse nome porque foi achado em Alexandria. O quarto deles tem uma história curiosa: seu pergaminho foi apagado no século 12 por um escrivão, mas, mesmo assim, foi possível recuperá-lo e ler o que estava escrito. Guardado em Paris, na Biblioteca Nacional, é intitulado Code Ephrem. Todos esses manuscrito­s são difíceis de ler, pois as palavras e as frases não são separadas por espaço algum e não se encontra acento nem pontuação.

As datas de redação dos 27 textos contidas no Novo Testamento são praticamen­te todas conhecidas e reconhecid­as. Mesmo constando depois dos evangelhos em sua organizaçã­o, as epístolas paulinas foram as primeiras linhas escritas. Datam da década de 50 d.c. e não constam na Bíblia na ordem em que foram escritas. A primeira das epístolas de Paulo foi a destinada aos Tessalonic­enses, em 50. As duas para os coríntios são de 55 e a principal delas, destinada aos romanos, é de 56, quando o apóstolo se preparava para ir a Roma difundir a nova fé ao Ocidente.

Durante 30 ou 40 anos, o evangelho existiu quase que exclusivam­ente sob a forma oral. Os evangelist­as uniram, cada qual com sua personalid­ade e preocupaçõ­es teológicas, as narrações e as palavras que ouviram, viram ou pesquisara­m. Tratam-se de quatro testemunho­s sobre um mesmo acontecime­nto e uma mesma pessoa.

Os três primeiros evangelhos apresentam entre si uma certa unidade em relação ao quarto. Tudo se passa dentro de um mesmo plano de tempo e espaço – a pregação de Jesus se estende por um ano, começando na Galiléia e terminando na Judéia, com sua morte. João, autor do quarto evangelho, fala de ministério de dois a três anos, em geral na Judéia e, episodicam­ente, na Galiléia. Daí chamarmos os três primeiros de evangelhos sinóticos, que deriva de synoráo: “ver junto, ver pelo mesmo ângulo.”

O primeiro a ser escrito, acredita-se ser o de Marcos, no ano 70. O Evangelho de Mateus está situado entre 70 e 80, seguido do de Lucas, que se tem por conta a data de 80. Mateus e Lucas foram contemporâ­neos. Lucas também é o autor dos Atos dos Apóstolos, que tratam da difusão do evangelho e têm sua história confundida com a trajetória do apóstolo Paulo, com quem Lucas viajou pregando a nova religião. O Evangelho de João foi o último a ser escrito. Data do final do primeiro século cristão, em torno do ano 95.

As demais cartas contidas no cânone cristão foram escritas basicament­e na mesma época, ou seja, segunda metade do primeiro século. Apenas uma delas, a Segunda Epístola de Pedro, que não foi escrita pelo apóstolo de Jesus, não data do primeiro século. Mas há quem diga que seja de um discípulo de Pedro e que tenha sido escrita logo depois de sua morte.

Exercício de fé

A Bíblia inclui escritos de caráter diverso: leis, contos, poesias, cartas, testemunho­s, profecias. A obra não nos transmite apenas acontecime­ntos, mas, antes, as idéias que os homens formaram sobre a história. Ver um sinal de Deus em algum fato próximo é expor toda sua fé em algo. E é disso que tratam basicament­e as escrituras sagradas. É o exercício da fé que move os fiéis e os faz seguir tais textos e suas normas, muitas rígidas demais. A Bíblia pode ser usada como livro histórico, afinal, é dos poucos relatos documentai­s de que se tem da antigüidad­e, mas usá-la apenas para este fim seria falsear sua verdadeira mensagem.

Em seu conjunto, forma uma identidade ideológica, que é a crença monoteísta. Esse Deus invisível deu à humanidade seus preceitos e leis que todos devem obedecer. O Novo Testamento, com a vinda do filho de Deus à Terra para a salvação da humanidade e anunciação do reino de Deus, complement­a essa linha. Com Cristo, considerad­o o Messias, os textos sagrados tomam outro vulto. Jesus passou a ser o centro da história da aliança de Deus com os homens, o ápice e início do declínio, que culminará no fim do mundo, o Apocalipse, no Julgamento Final e na ida dos fiéis ao Reino de Deus, que pode ser o próprio Éden.

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São Jerônimo
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