Edison Passafaro
Os empresários da hotelaria nacional são muito mal orientados, tanto do ponto de vista administrativo, quanto mercadológico e técnico em relação à acessibilidade que é um direito legal. Ao ignorar a legislação, os empresários podem responder penalmente por discriminação, além de administrativamente, civilmente em relação ao seu alvará de funcionamento, e eventualmente até ter que pagar um processo por constrangimento de algum cliente.
Estes empresários ainda não percebem que 45 milhões de pessoas no Brasil que tem algum tipo de deficiência representam um expressivo nicho de mercado consumidor. A tendência é achar que tudo é custo, e os empresários não conseguem perceber pelo olhar de investimento, de investir corretamente para poder absorver novos nichos de mercado, e com isso, ampliar sua carteira de clientes e seu faturamento. E ainda reclamam que seu negócio vai mal.
Existe somente um único hotel no Brasil totalmente acessível e com isto, a hotelaria brasileira corre o risco de dar vexame ao receber os atletas paralimpicos e os turistas com mobilidade reduzida. Esta é a tônica desta entrevista exclusiva com Edison Passafaro, Consultor de Mobilidade Urbana, Professor e Auditor das normas de acessibilidade da ABNT e Coordenador de Acessibilidade da ABIH – Associação Brasileira de Indústrias de Hotéis de São Paulo. Confira a seguir.
Revista Hotéis – Na sua opinião, a hotelaria brasileira está preparada para receber os atletas paralímpicos, assim como os turistas com alguma deficiência? Edison Passafaro – Infelizmente não está e existem alguns fatores que fazem essa realidade. O primeiro é a própria formação dos profissionais de engenharia e arquitetura. Eles saem da faculdade sem ter o conceito de diversidade humana, sem pensar que os espaços precisam ser utilizados por todas as pessoas. Os estudantes são formados a partir de um módulo de referência de um homem padrão de 1,82 metros de altura, com todos os movimentos perfeitos. Esquecem ou deixam de aprender na própria escola que a população é plural e que existem várias características antropométricas e sensoriais inclusive de algumas pessoas com algum tipo de deficiência, seja ela física, visual, auditiva. Além de que a população começa cada vez mais a envelhecer e ter problemas de locomoção e de comunicação. O outro fator é a legislação. Nós temos leis bastante interessantes e bem eficazes em termos de texto, que obrigam as novas edificações a serem concebidas com o conceito de desenho universal. Isso é justamente fazer com que qualquer edificação atenda a todas as pessoas e em todos os espaços. Além disso, a legislação reserva um percentual de UH´s —unidades habitacionais, no caso de hotéis, a serem adequadas de acordo com as normas da ABNT — Associação Brasileira de Normas Técnicas, que pedem algumas medidas mais específicas, alguns equipamentos auxiliares como barras de apoio, por exemplo.
Revista Hotéis – E esta legislação é seguida?
Existe fiscalização para o cumprimento? Edison Passafaro –Ninguém prestou atenção nessa legislação, nem o poder público, nem os profissionais de engenharia e arquitetura e muito menos o setor de hotelaria.
É importante ressaltar que essa legislação não é nova. Essa legislação federal já existe desde o ano 2000, ela tem 16 anos e foi regulamentada pelo Decreto Federal 5.296 de dezembro de 2004. Ele condiciona o alvará de funcionamento ao empreendimento se ele for acessível de acordo com os conceitos de desenho universal e de acordo com as normas da ABNT. Então, a gente percebe que não é uma legislação nova, ela já existe há muitos anos e já deveria estar sendo cumprida.
Revista Hotéis – No ano passado foi promulgada a Lei 13.146 que aumentou de 5 a 10% o número de dormitórios acessíveis, só que a hotelaria brasileira está achando isso um absurdo. Como você analisa essa questão? Edison Passafaro – Na verdade é um desconhecimento muito grande da questão jurídica. Até porque o Decreto 5.296 de dezembro de 2004 já estabelece que os novos hotéis devem ser construídos através do conceito de desenho universal, ou seja, todas as UH’s deveriam ser acessíveis. Ela também determina que as edificações já existente adaptem suas UH´s conforme a ABNT, cuja versão da NBR 9050:2004 dizia que no mínimo 5% com recomendação de mais 10%. Ou seja, 15% das unidades deveriam estar adequadas de acordo com os critérios da ABNT. É importante deixar isso muito claro: uma coisa é um quarto acessível que entra uma pessoa com cadeira de rodas, que entra todo mundo, e outra é um quarto adequado de acordo com as normas da ABNT, que exige uma série de outras características. Mas na prática, todas as unidades deveriam ser acessíveis desde dezembro de 2004. Então, você percebe que a legislação de 2004, no total, já falava no mínimo 5% e recomendava mais 10%, somando um total de 15%. Quando veio a Lei 13.146, ela definiu que um percentual de 10% das UHs estejam adequadas conforme as normas técnicas e o restante conforme os princípios do desenho universal, que foram incorporados na versão 2015 da NBR 9050 da ABNT. Na prática o empresário não teve um aumento, ele teve até uma diminuição de 15% para 10%. Hoje, para as novas edificações, 10% de unidades devem estar adequadas de acordo com as normas da ABNT e o restante dos apartamentos acessíveis de acordo com o conceito de desenho universal. Para as edificações já existentes anteriormente a legislação, a obrigação é de garantir os 10% de acordo com a ABNT. Então existe um desconhecimento, seja ele consciente ou não, da parte jurídica e existe negligência e imperícia por parte dos profissionais de engenharia e arquitetura que prestam esse serviço para o empresário da hotelaria. Porém, no final das contas, quem vai pagar realmente a conta se houver uma demanda jurídica será o empresário.
Revista Hotéis – Se o empresário hoteleiro contrata o serviço de um especialista de engenharia ou arquitetura não seria a obrigação dele conhecer a legislação vigente? Edison Passafaro – Sim, com certeza. O empresário da hotelaria que recebeu uma demanda jurídica e arcou com prejuízos pelo fato do seu estabelecimento estar inadequado por conta da negligência ou imperícia dos responsáveis pelo projeto e\ou obra pode cobrar retroa-
tivamente esses custos do profissional de engenharia ou arquitetura que ele contratou para elaborar e executar o projeto. Quem tem que prestar essa orientação de forma adequada é esse profissional, ele é contratado para fazer o projeto do hotel e orientar o empresário das demandas jurídicas e técnicas que vão atender a questão da acessibilidade. Por outro lado, o empresário também tem que ser menos refratário e começar a perceber que essas questões não representam custo, e sim investimento.
Revista Hotéis – Se a Lei 13.146 estabelece que a falta de acessibilidade é discriminação. Então por que não se cumpre?
Edison Passafaro – Reitero em dizer que o empresário brasileiro da hotelaria está completamente descoberto juridicamente. Ele pode responder penalmente por discriminação, além de administrativamente, civilmente em relação ao seu alvará de funcionamento, e eventualmente até ter que pagar um processo por constrangimento de algum cliente. Revista Hotéis – Este desleixo por parte do empresário não pode estar ligado a velha máxima de que existe lei que pega e tem lei que não pega no Brasil?
Edison Passafaro – A cabeça do empresário pensa da seguinte forma: Eu vou fazer um quarto porque eu sou obrigado a fazer. Eu vou pegar o pior lugar e reservar para fazer esse quarto, porque ninguém virá mesmo. Isso prejudica e muito as pessoas que tem interesse em viajar, em fazer turismo, elas ficam desestimuladas. Eu viajo muito porque eu trabalho e também porque eu gosto muito de viajar, sou um turista por excelência. Então, mesmo com todas essas dificuldades, eu viajo. Eu me viro improvisando nas situações para não deixar de fazer aquilo que eu mais gosto. Confesso que dou preferência para viajar para fora do Brasil, justamente porque lá a gente encontra situações mais resolvidas. Revista Hotéis – Isto não poderia estar ligado à cultura do empresário brasileiro que acha que investir para melhorar seus produtos e ou serviços é considerado um custo? Edison Passafaro– Sim, isto é próprio da cultura brasileira e do próprio empresário brasileiro. No caso específico, estamos falando do empresário de hospitalidade, da hotelaria. Infelizmente, os empresários são muito mal orientados, tanto do ponto de vista administrativo, mercadológico e técnico. Eles não percebem que 45 milhões de pessoas no Brasil que tem algum tipo de deficiência representam um expressivo nicho de mercado consumidor. Então, o empresário tem a tendência de achar que tudo é custo, ele não consegue perceber pelo olhar de investimento, de investir corretamente para poder absorver novos nichos de mercado, e com isso, ampliar sua carteira de clientes e seu faturamento.
Revista Hotéis – Então podemos afirmar que o empresário hoteleiro conta com a ineficácia da fiscalização para não investir e o poder público é omisso? Edison Passafaro – Pela minha experiência como Gestor Público, Secretário e um dos Fundadores da CPA —Comissão Permanente de Acessibilidade da prefeitura de São Paulo, eu aprendi que quando o poder público tem vontade política, ou quando existe uma boa gestão baseada na legislação, é possível fazer uma parceria com a sociedade e orientá-la, e com isso, cobrar a aplicação da legislação. O que a gente percebe é que as Prefeituras são incompetentes mesmo na sua função de Poder Executivo. Principalmente na divulgação, na fiscalização e orientação das leis que regem a matéria, principalmente nessa questão de acessibilidade. Você tem um ciclo vicioso do profissional de engenharia e arquitetura que é malformado, que desconhece, que é negligente com relação a questão da acessibilidade. Você tem o empresário que é mal informado, que desconhece e também é negligente com relação a questão da acessibilidade. E você tem o poder
“O hoteleiro que não cumpre a legislação de acessibilidade poderá responder criminalmente por isto ”
público que desconhece, que é negligente e não fiscaliza. Na prática, o empresário é quem paga o pato, porque ele fica perdido no meio do caminho. Ele acha que vai gastar muito dinheiro, e quando ele tem que fazer alguma coisa, ele recebe a orientação errada. Então o investimento dele fica subutilizado, e aí ele se desestimula para fazer o que é correto.
Revista Hotéis – Você acredita que se o empresário resolver fazer um hotel acessível para esse universo de 45 milhões de pessoas com deficiência pode dar certo? Porque teoricamente os concorrentes inexistem. Edison Passafaro – Na verdade a experiência já me provou que você pode fazer um projeto de um hotel totalmente acessível, com beleza, com design de forma integrada. Todas os apartamentos e todos os ambientes são acessíveis com o mesmo custo, sem nenhuma diferenciação. Com isso, ele agrega não só o público das pessoas com deficiência, mas também atende o público da terceira idade, que também começa a precisar de mais acessibilidade, além de outros segmentos como obesos e gestantes. Ou seja, nós estamos falando de um universo muito grande de clientes em potencial. O empresário está deixando de ganhar dinheiro justamente pela falta de conhecimento, falta de interesse. Não só dele, mas também daquele profissional que ele contrata.
Revista Hotéis – A ABIH/SP criou um programa em 2012 para sensibilizar os empresários hoteleiros a investir na acessibilidade, na qual você é o Coordenador. Como está a questão? Edison Passafaro – Eu elaborei um programa de acessibilidade para os meios de hospedagem e criei o Selo de Acessibilidade e Inclusão na hotelaria & turismo com a parceria ABIH/ABNT. Esse projeto foi prontamente abraçado e estimulado pelo Presidente da ABIHSP, Bruno Omori, que passou a tratá-lo como um dos principais temas da sua gestão. Mas desde então, a gente tem tentado divulgar o máximo possível para todo o setor de hotelaria. Não só em São Paulo, mas no Brasil inteiro, nos eventos, nos congressos, nas matérias, na própria Equipotel. E para a minha surpresa negativa, percebo que o empresariado continua não levando essa questão com a devida seriedade. Confesso que fiquei bastante frustrado, porque pensei que os empresários fossem aderir prontamente, mas o que constato é que ninguém mostrou interesse em aplicá-lo efetivamente. Houve um grande empenho do Presidente Bruno Omori e de alguns parceiros da ABIH/SP, mas a adesão dos associados e dos empresários foi praticamente zero.
“Cerca de 45 milhões de pessoas no Brasil possuem alguma deficiência e a hotelaria não percebeu este potencial”
Revista Hotéis – Então, hotel
acessível no Brasil não existe?
Edison Passafaro – A gente tem alguns cases de sucesso. Na verdade, de empresários que realmente enxergaram essa janela de oportunidades de juntar o útil ao agradável. Ou seja, respeitaram a legislação, investiram na acessibilidade e hoje tem uma taxa de ocupação muito acima da média do mercado. Mas a maioria, digo 99% da rede hoteleira, encontra-se em não conformidade com a legislação e, consequentemente, estão sujeitos a receber quaisquer tipos de sanções de fiscalização jurídica, ou até mesmo alguma ação por parte do hóspede que se sentir prejudicado com relação a sua não-possibilidade de hospedagem em função da falta de acessibilidade. Eu poderia resumir isso na seguinte frase, parece que o empresariado brasileiro, isso não é uma característica somente dos hoteleiros, só fazem as coisas sob pressão, sob imposição jurídica e de forma compulsória. Não conseguiram entender ainda que eles podem diversificar seus investimentos com baixo investimento e agregar clientes e valor à sua marca. Não é por falta de informação, diria que falta para o empresário uma fiscalização eficiente para que de fato ele atenda a legislação. Quem sabe ele co-