Samuel Sicchierolli
Depois de anos de negociações e estudos de mercado, a VCI - Venture Capital Investimentos -, empresa que atua no desenvolvimento de projetos hoteleiros com marcas internacionais, firmou parceria estratégica com a Hard Rock e está trazendo os hotéis da rede, com características temáticas e inovadoras, para o País. Com obras já bem adiantadas, as unidades Hard Rock de Fortaleza (CE) e Ilha do Sol (PR) contam com R$ 1,3 bilhão de projeção de vendas e devem faturar valores próximos a R$ 150 milhões por ano, segundo o Chairman & President da VCI, Samuel Sicchierolli.
O executivo destaca nessa entrevista exclusiva à Revista Hotéis que outros terrenos já foram adquiridos e contratos formalizados em cidades como Natal (RN), Recife (PE), Caldas Novas (GO) e Foz do Iguaçu (PR) e explica que os empreendimentos funcionarão em um modelo denominado Residence Club at the Hard Rock hotel, que engloba hotelaria de padrão internacional acoplados a um condomínio fechado. Samuel compartilha, ainda, suas expectativas relacionadas à hotelaria brasileira nos próximos anos e os principais gargalos que inibem o desenvolvimento do setor no País.
Revista Hotéis - Como e quando surgiu a VCI - Venture Capital Investimentos? Ela foi criada com quais objetivos?
Samuel Sicchierolli - A VCI existe desde 2012, mas, em 2017, abrimos o capital da companhia para focar exclusivamente no desenvolvimento de projetos hoteleiros com marcas internacionais.
R.H - Como surgiu a parceria com a Hard Rock para trazer essa marca de hotéis ao Brasil? Quanto tempo demoraram as negociações e quais as principais exigências que necessitam ser atendidas?
S.S - Começamos a conversar em 2012, mas havia a necessidade de termos estudos de mercado e de demanda internacionais, terrenos bem localizados, projetos de Concept Design e interiores num nível muito acima do mercado nacional… Demoramos seis anos até estarmos com toda a estrutura pronta. O nível de exigência é muito alto, envolve, hoje, 33 projetistas de diferentes áreas, gestora de obra, trade própria para importar os produtos, construtora própria, empresa de implantação própria, equipe de vendas com mais de 600 pessoas, enfim... Foi complexo, mas desafiador, e aprendemos muito com a equipe do Hard Rock, que tem ampla vivência e atuou em projetos em mais de 60 países.
R.H - Quais as principais dificuldades que tiveram que superar para apresentar essa marca no Brasil e o que pretendem faturar nos próximos anos?
S.S - Apresentar a marca foi a parte fácil… (risos). Todos conhecem a Hard Rock e o nível de qualidade da marca e produtos. Hoje, nos projetos de Fortaleza e Ilha do Sol, temos R$ 1,3 bilhão de projeção de vendas e esses dois hotéis devem faturar algo próximo de R$ 150 milhões por ano.
R.H - Quais as características dos hotéis Hard Rock e como você enxerga a aceitação dessa nova marca no Brasil?
S.S - São hotéis temáticos, inovadores e tecnológicos. A decoração é toda feita com memorabilias originais, o que dá um toque de exclusividade aos hotéis. São de categoria Lifestyle e o foco é gerar não apenas conforto ou luxo, mas uma experiência única e inovadora. Todos os equipamentos têm piscinas, Spa, três restaurantes, bares, área de eventos, área kids, entre outras. Para citar um exemplo, até ao mergulhar na piscina você segue escutando o som ambiente devido a caixas subaquáticas... São detalhes assim que criam enorme diferencial.
A aceitação do conceito foi espetacular e bem acima dos cenários que traçamos… 35% das unidades de Fortaleza e 30% das unidades de Ilha do Sol foram vendidas nos primeiros meses. O estoque dos apartamentos dessas duas unidades deve esgotar em 18 a 24 meses…
R.H - Quantas unidades do Hard Rock já conseguiram fechar negócio de desenvolvimento, por que da escolha desses locais e como está o treinamento e padronização dessa marca?
S.S - Hoje, estamos com empreendimentos em obra em Fortaleza e Ilha do Sol. Temos outros terrenos adquiridos e contratos formalizados em Natal, Recife, Caldas Novas e Foz do Iguaçu, mas para evitar especulações, vamos concentrar os esforços nesses dois empreendimentos que estão bem avançados em relação à obra e parte de acabamentos. Os locais escolhidos foram destinos turísticos consolidados e com boa aceitação do público brasileiro. Nos locais de praia, a localização é Beach Front, praias exclusivas e sem vizinhos. Em ilha do Sol, o empreendimento fica numa ilha, altamente exclusivo com acesso de barco ou helicóptero. Todos têm arquitetura icônica e diferenciais claros frente a concorrência.
R.H - Qual é a expectativa de crescimento da Hard Rock no Brasil? Existe um número máximo para se construir hotéis a fim de evitar a superoferta?
S.S - Nosso grupo pretende investir em seis a sete empreendimentos, acredito que caibam uns dez da marca Hard Rock. Não vejo superoferta de produtos. O que temos hoje no Brasil, com raras exceções, são empreendimentos amadores, sem marca e com qualidade classe C. Temos cerca de 10 mil hotéis e 87% dos empreendimentos no Brasil são familiares... Percebemos claramente em Fortaleza e Paraná um movimento que chamamos “Fly to quality”, ou seja, o cliente bom de um empreendimento médio, sai do empreendimento e compra o Hard Rock. A diferença de preço é 15% a 20% mas a diferença de qualidade é de 400%… E com o sistema de intercâmbio da RCI o cliente tem acesso a
mais de 4 mil hotéis no mundo. Suas férias em alto estilo resolvidas por apenas uma fração do valor.
R.H - Qual será o modelo de desenvolvimento desses hotéis?
S.S - Optamos por um modelo que foi denominado Residence Club at the Hard Rock hotel, misturando hotelaria de padrão internacional acoplados a um condomínio fechado. Em razão da venda fracionada temos 30% do complexo que funciona como hotel para garantir a qualidade dos serviços.
Modéstia à parte, não temos concorrentes nesse segmento. Temos bons hotéis e bons residenciais no setor fracionado, mas nenhum produto combina as duas coisas. Isso que está fazendo a diferença. R.H - Quem irá operar os empreendimentos? S.S - A Hard Rock irá operar diretamente os empreendimentos, não é franquia e não é operadora brasileira disfarçada de internacional… O foco é atendimento, experiência e possibilitar aos clientes finais e compradores o mesmo padrão de atendimento da marca nos 68 países em que ela atua. Apenas as marcas primeira linha fazem isso, para garantir o padrão de operação. Não somos hoteleiros, somos investidores e isso é primordial para ter clareza nos serviços, riscos e taxas de retorno. R.H - A legislação da multipropriedade foi regulamentada no final do ano passado no Brasil. Qual o impacto que isso traz para os negócios da VCI, assim como para o mercado?
S.S - Na verdade, a Lei de Incorporação Imobiliária e Código Civil já regulamentava os empreendimentos, a nova Lei ajudou em alguns aspectos pontuais e na gestão do condomínio e áreas comuns e também para melhorar o entendimento dos cartórios e securitizadoras e bancos… Para a VCI o impacto foi baixo, mas acredito que no médio prazo para o mercado isso pode trazer mais players para o setor dado a facilidade em obter crédito.
R.H - Vocês estão lançando uma unidade na capital paulista. O que representa essa operação nos planos da Hard Rock?
S.S - Estar na capital paulista para uma rede internacional de primeira linha é mandatório. Nossa localização será um local premium no bairro dos Jardins… O valor do imóvel/terreno é altíssimo (talvez o mais caro de toda a América Latina), mas não vou contar como resolvemos a equação… (risos). Aprendi que os analistas especialistas, se realmente tivessem a receita, estariam fazendo as coisas e não dando conselhos… O projeto ainda vai demorar um pouco e como disse o foco está em Fortaleza e Ilha do Sol.
R.H - Quais os principais gargalos que você enxerga e que inibe o desenvolvimento de hotéis no Brasil e quais soluções para resolver?
S.S - Pergunta complexa. No Brasil, o grande problema é que não existem fundos de desenvolvimento. Temos fundos especulativos
Lifestyle não tem relação com luxo… Diária barata não tem relação com hotelaria econômica. Você pode pagar caro ou barato, mas ficar num local abaixo das expectativas
que compram ativos estressados e fundos imobiliários que compram renda. Condo Hotel, que foi a mola propulsora, tem enormes dificuldades e agora, regulado pela CVM, limita as ofertas. O mercado é amador, diárias baixas e na regra dos ativos de real estate hotel está em último lugar… (Shopping, Residencial, Loteamento, Escritórios, Estacionamentos, Logística); qualquer outro investimento tem pay back em menos tempo…
Durante anos o mercado se limitou à cama e chuveiro. Depois os “especialistas” criaram o conceito hotelaria econômica em cidades primárias e secundárias. O mercado cresceu nessa linha. Temos empreendimentos Condo Hotel em SP que trocaram de bandeira cinco vezes no mesmo ano… A legislação do Condo Hotel não protege as marcas sérias e permite que operadoras brasileiras façam promessas impossíveis para os condomínios e investidores.
Na minha visão, se o hotel não oferece experiência e alta qualidade de serviço, não tem público. Lifestyle não tem relação com luxo… Diária barata não tem relação com hotelaria econômica. Você pode pagar caro ou barato, mas ficar num local abaixo das expectativas. Tem hotel cinco estrelas em São Paulo com ótimo serviço, mas super mal localizado… Ficar três horas no trânsito para chegar a uma reunião, restaurante ou shopping também gera uma experiência ruim…
R.H - A Venture registrou no banco Central uma operação inicial de R$ 330 milhões com um fundo asiático. Como vocês conseguiram acessar esse mercado ultra restrito? Existe a possibilidade de novos aportes?
S.S - Realmente foi complexo, mas como temos marca internacional, auditoria internacional, estudos de mercado e demanda internacional e todo um regime de compliance ultra rigoroso, conseguimos acesso ao mercado internacional americano, europeu e asiático e optamos pelos asiáticos devido a alguns pontos estratégicos. Temos planejado outros aportes para novos projetos e criamos dentro da VCI uma área de novos negócios em que o fundo KCM está envolvido.
R.H - A Venture SA também recomprou 95% das debentures e títulos emitidos (Fortaleza e Ilha do Sol) do mercado, esse é um claro movimento para fechamento de capital, isso está nos planos?
S.S - O movimento será esse, tão logo haja a recompra de todos os títulos distribuídos. Praticamente zeramos as dívidas da Companhia, pagamos integralmente os juros e valores sem nenhum hair cut, mas não posso comentar ainda esse assunto devido a normas da CVM - Comissão de Valores Mobiliários.
O mercado de capitais brasileiro e seus órgãos regulatórios ainda não entende o que é fractional, não temos nos sistemas contábeis nacionais um formato para contabilizar corretamente a aquisição de distressed assets e, portanto, para grupos profissionais e sérios acessar o mercado internacional faz mais sentido que o brasileiro. Por exemplo: comprar um hotel fechado por 40 milhões, que ao ser retrofitado vale 300 milhões de VGV - Valor Geral de Vendas é considerado uma espécie de “fraude” no Brasil. Incrível como somos atrasados...
R.H - Como você enxerga a hotelaria brasileira nos próximos anos?
S.S - Sendo franco, vejo um panorama ruim para condo hotéis e para grupos familiares/ amadores. Os canais de distribuição e venda são 95% online, gerar ocupação é cada vez mais complexo porque hotel ruim concorre com hotel econômico, com Airbnb, cada vez as diárias ficam menores e poucos produtos têm diferencial claro competitivo. Vejo o mercado polarizado entre produtos lifestyle premium e produtos econômicos.
Quem estiver no meio do caminho terá muita dificuldade. Por exemplo: Emiliano, Hard Rock e W tiram público dos hotéis clássicos e “chatos” da mesma forma o ibis e Quality ganham mercado de hotéis “baratos” e Airbnb porque entregam o que se propõem.