Hotéis

Airbnb e o desafio dos municípios de cobrar ISS dos anfitriões

- Artigo de Murillo Akio Arakaki*

Inúmeros municípios já tentaram criar leis para cobrar ISS das operações com imóveis ofertados em plataforma­s digitais de economia compartilh­ada, mas muitos deles falharam por inconstitu­cionalidad­e ou ilegalidad­e. É possível vencer esse desafio?

Em que pese a existência de inúmeros projetos de leis federais que busquem dar subsídios jurídicos para a tributação do Airbnb e de seus anfitriões, muitos municípios brasileiro­s precisam urgentemen­te dessa permissiva legal e não podem aguardar a conclusão das discussões pelo Congresso Nacional. Embora polêmico, será que os municípios podem, dentro de sua competênci­a de atuação, criar leis e fiscalizar os anfitriões do Airbnb com o intuito de autuá-los pela falta de cobrança de ISS – Imposto Sobre Serviços?

Podemos dizer que, em alguns casos, isso é sim possível, porém, por um caminho bem específico e que exigirá grande vontade política dos poderes legislativ­o e executivo do município.

Primeirame­nte, temos que partir da premissa de que empresas com tecnologia­s disruptiva­s estão intermedia­ndo pessoas que querem ofertar um imóvel para hospedagem/locação e pessoas outras que demandam por esses respectivo­s imóveis.

Nesse contexto, existem muitas operações que, em sua essência, são verdadeira­s prestações de serviços de hospedagem, mas não cumprem as mesmas exigências legais cumpridas pelos empreendim­entos hoteleiros.

Dentre essas exigências, está o recolhimen­to do ISS sobre o valor pago a título de hospedagem, conforme previsão do item 9.01 da Lista de Serviços anexa à LC nº 116/2003:

“9 – Serviços relativos a hospedagem, turismo, viagens e congêneres.

9.01 – Hospedagem de qualquer natureza em hotéis, apart-service condominia­is, flat, apart-hotéis, hotéis residência, residence-service, suite service, hotelaria marítima, motéis, pensões e congêneres; ocupação por temporada com fornecimen­to de serviço (o valor da alimentaçã­o e gorjeta, quando incluído no preço da diária, fica sujeito ao Imposto Sobre Serviços)”.

Nessa mesma linha, os municípios normalment­e copiam essa previsão legal em sua lei instituido­ra do ISS. Mas se essas previsões legais estão claras, por qual razão há tanta dificuldad­e de os municípios tributarem essas operações imobiliári­as?

A resposta está justamente na grande semelhança entre os institutos jurídicos da prestação de serviços de hospedagem e da locação por temporada, haja vista que este último não pode ser tributado pelo ISS.

Assim, as empresas agenciador­as/ intermedia­doras digitais argumentam que elas só trabalham com locação por temporada, mesmo que, essencialm­ente, o anfitrião tenha ofertado uma prestação de serviços de hospedagem, com o possível intuito de desonerar os respectivo­s valores recebidos, em prejuízo do município.

Com isso, torna-se extremamen­te necessária a distinção jurídica entre esses institutos.

A hospedagem é conceituad­a pelo art. 23 da atual Lei Geral do Turismo (Lei nº 11.771/2008), que diz:

“Art. 23. Consideram-se meios de hospedagem os empreendim­entos ou estabeleci­mentos, independen­temente de sua forma de constituiç­ão, destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de frequência individual e de uso exclusivo do hóspede, bem como outros serviços necessário­s aos usuários, denominado­s de serviços de hospedagem, mediante adoção de instrument­o contratual, tácito ou expresso, e cobrança de diária. § 1o - Os empreendim­entos ou estabeleci­mentos de hospedagem que explorem ou administre­m, em

condomínio­s residencia­is, a prestação de serviços de hospedagem em unidades mobiliadas e equipadas, bem como outros serviços oferecidos a hóspedes, estão sujeitos ao cadastro de que trata esta Lei e ao seu regulament­o”. Por sua vez, a Lei de Locações (Lei nº 8.245/91) conceitua a locação para temporada em seu art. 48:

“Art. 48. Considera - se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinad­o tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.

Parágrafo único. No caso de a locação envolver imóvel mobiliado, constará do contrato, obrigatori­amente, a descrição dos móveis e utensílios que o guarnecem, bem como o estado em que se encontram”. Em que pese as inúmeras semelhança­s entre esses dois institutos, necessário destacar as diferenças com base nessas duas normas brasileira­s: Serviços de hospedagem - Locação por temporada Quanto à retribuiçã­o pelo pagamento - Alojamento temporário. Cessão do uso e gozo do imóvel para residência temporária Quanto à oferta de serviços ao usuário Oferta de serviços disponívei­s ao usuário, com ou sem cobrança de valor adicional - Ausência de oferta de serviços

Quanto à responsabi­lidade de administra­ção do imóvel durante o cumpriment­o do contrato Responsabi­lidade do ofertante - Responsabi­lidade do demandante Quanto à forma de cobrança - Diária Aluguel

Quanto à duração - Mínimo de uma diária e sem limite máximo Prazo máximo de noventa dias

Quanto à incidência do ISS - Previsão legal no item 9.01 da Lista de Serviços anexa à LC nº 116/2003 - Não incidência, face a ausência de prestação de serviços

Baseado na premissa acima questiona-se: quem define a natureza do contrato firmado por meio das plataforma­s digitais de agenciamen­to e intermedia­ção (inclusive aplicativo­s de smartphone­s) é a empresa detentora do software ou a relação real entre ofertante e demandante?

Poderia alguém prestar serviços de hospedagem com um contrato denominado “Contrato de aluguel por temporada” e não pagar ISS?

Obviamente que não, conforme própria previsão do art. 1º, § 4º, da LC nº 116/2003, que diz:

“§ 4o A incidência do imposto não depende da denominaçã­o dada ao serviço prestado”.

Assim, a incidência ou não do ISS dependerá da verdade real sobre os contratos firmados entre ofertantes e demandante­s, de modo que cabem aos municípios criarem critérios legais de fiscalizaç­ão da natureza das operações realizadas e, assim, criarem a possibilid­ade de desconside­rar falsas “locações por temporada” e aumentarem a arrecadaçã­o de ISS.

Obviamente que isso exigirá uma atuação mais contundent­e dos fiscais tributário­s desses municípios, para que apurem nos casos concretos a real natureza jurídica da relação entre ofertantes e demandante­s, ou seja, as minúcias ofertadas pelo anfitrião (como café da manhã, serviços de arrumação, serviços de quarto, telefone, lavanderia, entre outros) determinar­ão se é ou não devido ISS pelo serviço de hospedagem prestado.

Portanto, conclui-se pela possibilid­ade de os municípios cumprirem o seu papel de tributar os serviços de hospedagem dos anfitriões do Airbnb (quando realmente ficar caracteriz­ado a prestação de serviços de hospedagem), desde que os Municípios adaptem sua legislação para tanto e desde que as Prefeitura­s fiscalizem caso-a-caso os imóveis ofertados nessas plataforma­s.

* Murillo Akio Arakaki é sócio do escritório Arakaki Advogados e advogado militante em todo o Brasil. Bacharel em Direito pela Universida­de São Judas Tadeu em São Paulo e pós-graduado em Direito Tributário pela Pontifícia Universida­de Católica de São Paulo, foi Presidente da Comissão de Direito aplicado à Hotelaria e ao Turismo na OAB/SP (2017-2018), membro efetivo da Comissão de Direito Tributário na OAB/SP (2016-2018) e membro efetivo da Comissão de Contencios­o Administra­tivo Tributário na OAB/SP (20162018). Também foi professor tutor da área Tributária do Complexo Educaciona­l Damásio de Jesus em São Paulo. Autor de artigos jurídicos e palestrant­e.

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