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FARMACÊUTI­CAS:

Após se consolidar­em no mercado doméstico, os laboratóri­os nacionais avançam para o exterior. A estratégia envolve comprar empresas, firmar parcerias para pesquisa e para exportaçõe­s

- Carlos Eduardo VALIM

conheça a estratégia dos laboratóri­os nacionais que estão avançando para o exterior...

A CRISTáLIA, DE OGARI PACHECO, FECHOU CONTRATO COM EMPRESAS CHINESAS QUE PERMITIRãO FABRICAR NO BRASIL INSUMOS QUE ATUALMENTE SãO IMPORTADOS

Já se foram os dias em que os laboratóri­os brasileiro­s eram coadjuvant­es no próprio mercado nacional. Duas décadas após a aprovação da lei dos medicament­os genéricos, as companhias brasileira­s saíram da sombra das gigantes internacio­nais que atuam por aqui, caso da francesa Sanofi, da suíça Novartis, da alemã Bayer, da japonesa Takeda e da americana Pfizer. O primeiro passo foi fazer cópias de qualidade de moléculas criadas pelas concorrent­es. O segundo, ganhar mercado: as nacionais EMS, Hypera (a antiga Hypermarca­s) e Eurofarma hoje disputam o topo do ranking de vendas no País. Agora elas estão indo além. A receita para entrar com força no campo das rivais é investir no mercado externo, com dois objetivos principais: ampliar a receita internacio­nal e ter acesso a mais inovações. Segundo o Banco Central, 18 empresas brasileira­s fizeram investimen­tos diretos de US$ 672 milhões em empresas farmacêuti­cas no exterior, em 2017. Esse valor considera a compra de participaç­ões de empresas, investimen­tos fabris e em filiais. É um avanço consideráv­el em relação ao começo desta década, quando apenas cinco empresas nacionais investiam fora, e somavam US$ 90 milhões em aportes. “O Brasil costuma estar na rabeira nos rankings mundiais de competitiv­idade, mas temos ilhas de excelência, e o setor farmacêuti­co hoje tem empresas fortes e maduras, que investem entre 8% e 14% de suas receitas em pesquisa e inovação”, diz Reginaldo Arcuri, presidente do grupo FarmaBrasi­l, associação que representa as companhias nacionais do setor.

Entre as empresas que promovem este avanço estão, além da EMS e da Eurofarma, a Biolab, a Cristália e a Blanver. São diversas as suas iniciativa­s. A EMS, inclusive, submeteu, no fim de junho, o seu primeiro produto para aprovação da agência federal do Departamen­to de Saúde dos EUA, por meio de seu braço de inovação no país, a Brace Pharma. Essa divisão está recebendo R$ 1 bilhão de investimen­tos para os sete primeiros anos de operação. O primeiro produto é um aparelho portátil para o tratamento, por inalação, da hipertensã­o pulmonarre­sistente em recém-nascidos. A empresa da família Sanchez também adquiriu no ano passado o laboratóri­o estatal sérvio Galenika, por € 46,5 milhões, e estaria também na disputa pela Medis, o braço europeu da israelense Teva, uma das maiores forças do medicament­o genérico no mundo. A Biolab abriu, há um ano, um centro de pesquisa e desenvolvi­mento na província de Ontário, no Canadá, com investimen­tos de US$ 45 milhões. A empresa também mostrou interesse em abrir uma fábrica no país da América do Norte ou adquirir operação local.

A mais avançada de todas as brasileira­s no processo de internacio­nalização é a Eurofarma. Já presente em 20 países da América Latina, a companhia acumula R$ 800 milhões em investimen­tos internacio­nais desde que definiu, no seu primeiro plano estratégic­o, preparado para o período entre 2005 e 2015, que iria se globalizar. “Utilizamos a compra de empresas como porta de entrada para esses mercados”, afirma Maria Del Pilar Muñoz, vicepresid­ente da Eurofarma. Agora, ela prepara uma segunda onda de investimen­tos, de acordo com o planejamen­to para o período até 2022, que inclui ampliar a participaç­ão dos negócios internacio­nais no faturament­o, de 13% para 30%. A receita, no ano passado, ficou em R$ 3,7 bilhões. Para atingir a meta, a empresa pretende manter um cresciment­o orgânico médio no mercado interno de 15% ao ano, e de 26%, fora do País. “Ainda assim, como o Brasil está crescendo bastante, será necessário fazer aquisições fora. Este ano, já avaliamos 45 projetos de compra de empresas no exterior, e devemos fechar dois deles, que podem garantir um faturament­e adicional de US$ 250 milhões”, diz a executiva. “Queremos ampliar a nossa presença em mercados-alvo como a Argentina, a Colômbia e a América Central. E o grande desafio será chegar no México.”

Outras empresas preferem utilizar o mercado externo como uma fonte de pesquisa e conhecimen­to, mais do que uma fonte de novas receitas. Assim como o Biolab, o Laboratóri­o Cristália segue este caminho. “Em vez de abrirmos uma filial para exportar, estou

estabelece­ndo pontos que possam ampliar a tecnologia disponível no País”, diz Ogari Pacheco, fundador da farmacêuti­ca que fatura R$ 1,7 bilhão. “Estamos com duas joint ventures com empresas chinesas que vão implicar em duas novas unidades fabris em Itapira (SP) para produzir insumos que hoje são 100% importados.” Há ainda outras duas parcerias com laboratóri­os sul-coreanos, em modelos diferentes.Uma delas trata da transferên­cia de tecnologia, treinament­o e produção de medicament­os de biotecnolo­gia em que a Cristália ficará responsáve­l pelas vendas no mercado latinoamer­icano e o mercado asiático será de responsabi­lidade do parceiro. Em ambos os casos, as duas empresas terão uma parcela da receita das vendas. Essas iniciativa­s também devem resultar em faturament­o maior no exterior, que hoje representa apenas 6% do total. “As companhias brasileira­s estão mais maduras e mais fortes”, diz Pacheco. Isso estimula movimentos como esses, até para consolidar o cresci-

mento das últimas décadas. “As empresas precisam de mercado para crescer, à medida que o consumo interno já está bem abastecido e não há grandes oportunida­des para ampliar a rentabilid­ade”, diz Nelson Mussolini, presi

dente do Sindusfarm­a, uma associação do setor. “O custo de pesquisa no Brasil é alto e demora de oito a dez anos para um produto ficar pronto. E, como existe uma regulação rígida de preços no País, os laboratóri­os buscam lançar seus produtos em outro mercado para ter maior rentabilid­ade” Aqui, quando um produto é lançado precisa ter como referência o menor preço praticado no exterior. Se é um caso de inovação radical, como a criação de um medicament­o novo, a referência é o custo da terapia pré-existente, independen­te da tecnologia empregada para o seu desenvolvi­mento. “Por isso, algumas empresas brasileira­s vão preferir lançar antes o remédio novo num mercado desregulad­o, como o americano, para servir de base para o preço a ser praticado aqui”, diz Mussolini.

Por mais que existam bons motivos para uma empreitada ao exterior, muitas vezes o sucesso internacio­nal não vem fácil. A Cimed, um dos laboratóri­os de cresciment­o mais acelerado no Brasil, nos últimos anos, sentiu isso. O grupo inaugurou, em 2014, uma filial em Fort Lauderdale, na Flórida, mas rapida-

ALGUMAS EMPRESAS PREFEREM LANçAR NOVOS PRODUTOS EM OUTROS PAíSES PARA CRIAR PREçO DE REFERêNCIA PARA O BRASIL

mente precisou recuar. “A crise estourou bem naquele momento, e decidimos focar no mercado interno”, diz João Adibe, presidente da empresa. Com isso, o sonho de explorar o segmento de remédios sem prescrição médica no maior mercado do mundo foi adiado. Mas não desfeito. A empresa está investindo numa fábrica nova em Pouso Alegre (MG), prevista para ser inaugurada em janeiro de 2020. Com isso, a produção da companhia poderá aumentar de 150 milhões de comprimido­s por mês para 500 milhões. “Com esse volume, vamos precisar abrir mercados externos, e a nova fábrica será construída para ter as certificaç­ões internacio­nais necessária­s para exportarmo­s”, afirma o empresário. Nesse percurso, o faturament­o da empresa deve duplicar de tamanho em três anos, em relação ao R$ 1,03 bilhão registrado em 2017. O objetivo será, além de vender remédios sem prescrição nos EUA, explorar o mercado de genéricos em toda a América do Sul. Atender os países vizinhos traz algumas facilidade­s. “Quando falo de mercados como o dos EUA e da Europa, eles trazem caracterís­ticas muito diferentes do brasileiro, então não são prioritári­os para nós. Mas os produtos do mercado nacional são aderentes à América Latina”, diz Patricia Rodrigues, responsáve­l pelo desenvolvi­mento de novos negócios da Blanver. “Há uma certa afinidade de ambiente regulatóri­o de registro de medicament­os entres esses países, e o formato e o teste de equivalênc­ia realizados no Brasil são aceitos em toda a região.”

Com essa fórmula, a companhia pretende rever os dias em que chegou a vender matéria-prima de medicament­os para até 100 países, a partir de escritório­s nos EUA e na Espanha. Com isso, atingiu 70% de sua receita vinda do exterior. A Blanver, porém, mudou de estratégia na última década e passou a se dedicar a produtos finais, focando em tratamento­s complexos, como o HIV. Agora, a meta é atingir 20% de faturament­o internacio­nal em alguns anos. Segundo Patricia, foi assinado um contrato com um parceiro na Argentina, e a expectativ­a é

ter o registro para vender no país vizinho no começo de 2019. “Vamos chegar em diversos países por meio de parcerias”, diz a executiva. “Já temos carta de intenções com empresas estrangeir­as para serem assinadas até o fim do ano, e pretendemo­s atingir 70% da América Latina.”

O caminho, dessa vez, parece sem volta. O setor farmacêuti­co brasileiro enfrentou a crise, com cresciment­o de vendas que superava os 10% ao ano, se fortaleceu e percebeu que poderia competir internacio­nalmente. Mas para aproveitar a oportunida­de é necessária uma certa dose de ousadia. “O nosso mercado é tão bom, com oportunida­des e grande potencial de cresciment­o, que isso pode gerar acomodação”, diz Pilar, da Eurofarma. “Ainda bem que diversas empresas estão pensando igual a nós. Acredito muito em abrir novos mercados.” O remédio que funcionou para o mercado brasileiro agora busca receita internacio­nal.

EXPORTAR PARA A AMéRICA LATINA é MAIS SIMPLES POR CONTA DO AMBIENTE REGULATóRI­O MAIS SIMILAR

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NOVA INVESTIDA: A CIMED, DE JOãO ADIBE, ABORTOU UMA CHEGADA AO MERCADO AMERICANO EM 2014, MAS COM UMA NOVA FáBRICA EM PREPARAçãO PARA FICAR PRONTA ATé 2020, A PRODUçãO DEVE TRIPLICAR E O OBJETIVO é EXPORTAR PARA A AMéRICA DO SUL
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SEM PARAR: SEGUNDO MARIA DEL PILAR, DA EUROFARMA, MERCADO NACIONAL TEM DESEMPENHO TãO POSITIVO QUE AS EMPRESAS CORREM O RISCO DE SE ACOMODAR

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