O GURU ENTRA EM CENA
FUTURO SUPERMINISTRO DA ECONOMIA DE BOLSONARO, PAULO GUEDES TERá FINALMENTE A CHANCE DE LIDERAR O PLANO LIBERAL QUE DEFENDE Há MAIS DE 30 ANOS PARA O BRASIL
EM MAIS DE 40 ANOS DE ATUAçãO NO MERCADO financeiro, o economista Paulo Guedes, 69, se destacou por traçar cenários certeiros e se antecipar a tendências que chegavam a extrapolar o mundo das finanças. Sua densidade intelectual está estampada no currículo, já rendeu frutos aos seus negócios e o transformou numa referência teórica no universo dos bancos e casas de investimento, onde reinam o pragmatismo e a agilidade. Nos tempos de Pactual e JGP, instituições que ajudou a fundar, Guedes costumava atrair colegas para discussões após o expediente, em espécies de aulas informais. As reflexões sobre a conjuntura lhe rendem críticas desde o Plano Cruzado e são travadas até hoje em artigos e conversas que mantêm com figuras diversas, de ministros a grupos do mercado.
Numa delas, em 2016, ele vaticinou a analistas a ruptura com a social democracia pelas mãos de um político de fora do sistema. O papel de “outsider” coube a Jair Bolsonaro, capitão reformado eleito presidente pelo PSL, que transformará Guedes num superministro, um czar da economia, em 2019.
Não só o hábito das caminhadas na praia deve ficar para trás na mudança do Rio de Janeiro para Brasília. O economista precisará dosar um traço forte de sua personalidade: o misto de superobjetividade com realismo que esbarra no limite da agressividade. É o que profissionais próximos descrevem como “transparência”, “sem papas na língua”, “veemência” e até “cabeça dura.” Trata-se de um lado que ficou evidente logo após a eleição, num episódio de irritação com uma repórter argentina, criticada por uma pergunta sobre comércio. “O Mercosul não é prioridade. Não é prioridade. É isso que você queria ouvir?”, questionou Guedes. “Você está vendo que tem um estilo que combina com o do presidente, que fala a verdade, que não está preocupado em agradar.” O ex-banqueiro Luiz Cezar Fernandes, que foi sócio no Pactual, acrescenta o adjetivo persistente às descrições do futuro ministro e deixa uma sugestão. “No governo, é esse tipo de coisa, como com a repórter argentina, que ele terá de fazer melhor.”
Formado em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Guedes tem mestrado pela FGV e é PhD na Universidade de Chicago, berço da ortodoxia liberal, coroada com 29 prêmios Nobel. Chegou a integrar o quadro de economistas da ditadura de Augusto Pinochet no Chile no início dos anos 1980, episódio que originou o termo “Chicago boys”, em referência à veia liberal dos alunos da escola americana, entre os quais o ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Há no mínimo 30 anos que Guedes prega a redução do Estado, o fim de uma ordem econômica dirigista e defende a combinação de democracia e mercado. Em 1989, ele foi chamado para desenhar o plano de governo do presidenciável Guilherme Afif, então no PFL. Algumas das medidas que propôs lá trás devem ser implementadas agora, como a independência formal do Banco Central, um dos primeiros projetos a serem atacados pela nova equipe, ainda no processo de transição. “Fomos desenhando um Estado que não atrapalhasse”, afirma Afif, hoje na presidência do Sebrae. “O Brasil virou as costas para uma política liberal por 30 anos. Está voltando agora.”
Em Bolsonaro, o economista encontrou um caminho para implementar o choque liberal que acredita ser a solução para os problemas brasileiros. Os dois se aproximaram por meio da ex-procuradora do Distrito Federal Beatriz Kicis, eleita deputada federal pelo PSL. Guedes serviu como o selo econômico que faltava ao capitão – Bolsonaro admitiu desconhecimento na área e classificou o assessor de “Posto Ipiranga”, a quem
É tempo de experimentar a liberal democracia. Uma aliança de ‘centrodireita’ na política em torno de um programa liberal na economia ” PAULO GUEDES
deveriam ser endereçadas as perguntas sobre o tema. A aproximação permitiu quebrar a desconfiança do mercado sobre as convicções históricas intervencionistas do candidato. O plano da chapa é a representação concreta do que Guedes chamou, em textos, de “experimento da liberal-democracia”, uma aliança de centro-direita na política em torno de um programa liberal na economia.“O Paulo é um liberal ao estilo Margaret Thatcher”, afirma Luis Octavio da Motta Veiga, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que trabalhou com ele no Pactual. “Uma das preocupações dele é criar riqueza a médio prazo para haver menos assistencialismo.”
Tirar o plano liberal do papel pode ser mais difícil do que parece, como evidenciaram as negociações para diminuir o número de ministérios, de 29 para 15 pastas. A incorporação da Indústria e Comércio pelo superministério foi rechaçada pelos industriais ( leia mais na pág. 28), uma crítica que o guru respondeu ao seu estilo. “Vamos salvar a indústria brasileira apesar dos industriais”, afirmou ao confirmar a nova pasta, que incorpora ainda a Fazenda e o Planejamento. Ele também enfrenta críticas sobre a intenção de realizar a abertura comercial no País. As maiores resistências devem vir da área política, para convencer os parlamentares a aprovar a série de reformas que estão previstas para chegar no Congresso. “Será tudo novidade, e sim, ele terá de ser um dos articuladores políticos, faz parte da função”, afirma Fernandes, exsócio do Pactual. “Mas a sua base é forte e ele poderá se adaptar.”
O objetivo principal das reformas é resolver o problema das contas públicas do País e diminuir o endividamento federal (confira dados ao lado), para afastar de vez a desconfiança sobre a solidez do Estado. Tudo indica que o ajuste será veloz. No passado, Guedes criticou o governo Fernando Henrique Cardoso pela lentidão das reformas, denunciando ainda o que chamou de orgia orçamentária – os aumentos da carga tributária. Além disso, a meta incluída no programa de governo é acabar com o déficit fiscal em 2019, um alvo considerado ousado por boa parte dos analistas. A proposta para reduzir o endividamento inclui um ambicioso plano de privatizações, tema que tem gerado preocupações no mercado. Como militar, Bolsonaro vem se dizendo contrário à venda de ativos em setores estratégicos, como o de energia elétrica, e se opondo a capitais de origem chinesa.
Até que ponto o presidente estará disposto a ceder na venda de companhias públicas e em temas impopulares como a reforma da Previdência é motivo de dúvida. Choques entre Bolsonaro e Guedes estão na conta, mas levantam o risco de uma eventual saída do superministro, um evento que seria mal interpretado por investidores. “A probabilidade de ele sair por desalinhamento é menor do que a de qualquer outro ministro teve com qualquer outro presidente”, afirma Carlos Alexandre da Costa, ex-diretor do BNDES e um dos colaboradores do plano de governo. “Ele só sairia se achasse que a sua contribuição não é mais relevante e isso não vai acontecer tão cedo.” Costa conhece Guedes há 25 anos. Ambos já foram sócios no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) e mantiveram sempre ativa a troca de ideias sobre a conjuntura, com discussões que trataram de temas como o conceito de sociedade aberta, do filósofo Karl Popper. Reuniões originalmente previstas para durar 30 minutos se estenderam até por seis horas com os debates concentuais.
Está havendo desindustrialização há mais de 30 anos. Vamos salvar a indústria brasileira apesar dos industriais brasileiros” PAULO GUEDES
Pela trajetória predominante de mercado, Guedes é, por vezes, classificado como um financista, um rótulo muito simplista para o seu caso. Embora ele seja lembrado pela habilidade de operações que fazia para si próprio, como o day trade (venda e compra de ações no mesmo dia), a sua especialidade sempre foi o olhar mais estratégico. “O que ele fazia de relevante eram as discussões de cenário a médio prazo”, afirma Guilherme Ache, economista da Squadra Investimentos, que trabalhou 17 anos com Guedes no Pactual e na JPG. “Eu nunca vi ele errar um cenário.” Graças a essa visão, conseguiu se antecipar e lucrar com problemas como o congelamento de preços e o confisco, tacadas que fizeram o Pactual a obter um salto de patrimônio de US$ 200 mil, em 1983, para US$ 90 milhões em 1993. A rotina do mercado nunca freou a busca pelo conhecimento. Um de seus exfuncionários relata ter visto Guedes interromper o expediente mais cedo, se fechar em sua sala por volta das 17h para ler um livro e só terminar às 21h.
A combinação teórica com a experiência prática ficou ainda mais completa com os investimentos feitos na chamada economia real, em setores como educação e saúde – além do Ibmec, as instituições de Guedes investiram no Hortifruti e na HSM Educacional. O Ministério Público Federal instaurou uma investigação para apurar supostas irregularidades deste último envolvendo recursos do fundo de pensão de estatais. A defesa de Guedes nega os problemas. Um profissional que trabalhou com o guru num dos seus negócios expressa a capacidade de trânsito dele pelos mundos teórico, financeiro e real da economia, no que classifica de habilidade “forno e fogão.” Ele rebate o rótu-
lo de financista, também repetido por alguns integrantes da indústria.
Depois de ser chamado pela presidente Dilma Rousseff para aconselhá-la sobre a escolha de um ministro da Fazenda no seu segundo mandato, chegou a vez de Guedes entrar em cena e sentar na cadeira do piloto da economia. Ele terá de se adaptar aos poucos às peculiaridades do cargo. “Ele sempre foi muito inteligente, acima da média”, afirma o economista José Márcio Camargo, amigo desde os tempos de graduação na UFMG. “Ele é persistente, não é uma figura fácil, mas é muitíssimo trabalhador, eu diria obsessivo.” As medidas do choque liberal que sempre defendeu ainda não são conhecidas por completo. Devem vir à tona com mais detalhes nos primeiros 100 dias de governo, considerados cruciais para implementar mudanças mais profundas.
A direção apontada já sustentou um otimismo no mercado nas últimas semanas e agora alcança também o empresariado ( leia mais abaixo). “A expectativa da agenda de Guedes é bem positiva”, diz Newton Maia, presidente da International Meal Company (IMC). “As medidas de redução do déficit fiscal e a simplificação de encargos trabalhistas, em conjunto, ajudam na redução do desemprego.” Para que a luade-mel perdure será preciso conseguir dar ritmo na agenda de reformas, em especial a da Previdência, que acumula um déficit superior a R$ 200 bilhões. O mundo político já envia sinais de que o tempo é diferente em tramitações no Legislativo. “Todos nós que acompanhamos as contas públicas do governo compreendemos que a reforma da Previdência já deveria ter sido feita”, afirmou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “Agora, falar quando vai ser votada seria um pouco de, vamos dizer, precipitação.” É um quebra-cabeça que Guedes terá de ajudar a resolver.
Colaboraram Valéria Bretas e Luana Meneghetti
O Brasil é prisioneiro da armadilha dirigista do baixo crescimento ” PAULO GUEDES
Não foram poucos os empresários que apoiaram e fizeram campanha a favor de Jair Bolsonaro (PSL) nas redes sociais durante o período eleitoral. Na lista de simpatizantes mais próximos ao novo presidente do País constam nomes como Luciano Hang, das lojas Havan; Mário Gazin, do grupo Gazin e Salim Mattar, da rede de aluguel de automóveis Localiza. Mas poucas empresas surfaram tão bem a onda de crescimento do então candidato à presidência pelo PSL quanto a Forjas Taurus. As ações preferenciais da fabricante de armas gaúcha na Bolsa dispararam 437% entre 31 de julho e 26 de outubro — última
sexta-feira antes do segundo turno das eleições presidenciais —, saindo de R$ 2,05 para R$ 11. Nesse mesmo período a Bovespa subiu 9,68%. Embora a Taurus esteja se reestruturando e renegociando seu pesado endividamento de R$ 798 milhões, é difícil encontrar alguma explicação para o avanço galopante de seus papeis que não esteja ligada diretamente ao presidente eleito. “A
subida desse papel é pura especulação”, diz Pedro Galdi, analista da corretora Mirae. “O que poderia beneficiar a Taurus no governo do Bolsonaro seria mais investimentos em segurança pública. Mas, antes disso, a empresa precisa melhorar a qualidade dos produtos e desbravar novos mercados.” Em 31 de julho, os papéis registravam um volume financeiro transacionado de R$ 129,3 mil. Passaram a movimentar R$ 124,9 milhões em 19 de outubro — o avanço no período foi de quase 100.000%.
Capitão reformado do Exército, o belicista Bolsonaro tem como proposta facilitar o acesso à posse e ao porte de armas no País. Um projeto para a flexibilização do Estatuto do Desarmamento já passou por
uma comissão especial e deve ser votado ainda este mês no plenário da Câmara dos Deputados. Dentre as mudanças previstas, está o fim da exigência de que o requerente precise comprovar sua necessidade para obter direito à posse da arma. Hoje, essa avaliação fica a cargo da Polícia Federal. Nas últimas semanas, Salesio Nuhs, presidente da Taurus e vice-presidente da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), que assumiu o controle da fabricante gaúcha em 2015, tem se encontrado constantemente com representantes do governo, em Brasília (DF).
Apesar de ser parte interessada na proposta do governo, a Taurus pode ver seu império no mercado brasileiro ser atingido em cheio com o novo presidente. Bolsonaro já declarou inúmeras vezes que é contra o que considera um “monopólio da Taurus” e pretende abrir o mercado para empresas internacionais. Marcas como a austríaca Glock, a tcheca CZ e a Caracol, dos Emirados Árabes Unidos, mantêm contatos com o presidente eleito e pretendem ingressar no País o quanto antes. “Eu desafio qualquer um desses concorrentes a vir aqui para o Brasil disputar o mercado conosco”, afirma Nuhs. “A concorrência não nos assusta em nada. Nós já vivenciamos isso diariamente nos Estados Unidos.” A empresa, que exporta para 85 países, é uma das líderes no mercado norte-americano, de onde vêm 67% de suas receitas. Seus produtos, no entanto, são alvo de críticas constantes tanto nos Estados Unidos quanto por parte de agentes de segurança pública no Brasil. Em março de 2015, um grupo de policiais insatisfeitos com o número de disparos acidentais com as armas da empresa criou o movimento “Vítimas da Taurus”, com o objetivo de levar os casos à Justiça e forçar um recall dos produtos defeituosos.
Embora a Taurus tenha se tornado alvo de constante especulação nos últimos meses, o executivo acredita que os motivos para o avanço da empresa na Bolsa vão além do fator Bolsonaro. Com apoio da consultoria Galeazzi & Associados e um aporte de R$ 150 milhões, a fabricante iniciou um processo de reformulação, passando pela mudança de sede de Porto Alegre para São Leopoldo (RS). Também embarcou tecnologia para aprimorar seu processo de produ-
ção e de segurança, lançou 100 produtos e renegociou suas dívidas, estipulando como meta a venda de ativos considerados não estratégicos, como o terreno desocupado na capital gaúcha e a sua operação de capacetes de motocicletas. “O nosso negócio é armas. Não podemos tirar o foco disso”, diz Nuhs. De janeiro a junho, o faturamento da companhia foi de R$ 329,4 milhões, 109% a superior ao mesmo período de 2017. Mesmo assim, suas ações ainda passam distante das carteiras de gestores profissionais. “Eu não recomendo a compra dessa ação. Da mesma forma que ela subiu, também pode cair”, diz Galdi. Ele parece estar certo. Após a euforia das urnas, as ações perderam mais da metade do valor, caindo de R$ 11,82 para R$ 4,11, entre 29 e 31 de outubro.
Outra empresa que aproveitou o momento para ganhar relevância nacional foi a loja de departamentos Havan. Convidado em janeiro para ser vice de Bolsonaro, o empresário Luciano Hang atuou como cabo eleitoral do candidato do PSL durante a campanha presidencial. Chegou a ser, inclusive, multado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em R$ 10 mil, por ter pago o Facebook para impulsionar publicações que promoviam a campanha de Bolsonaro. Após realizar uma pesquisa de intenção de votos com os funcionários da Havan, o empresário descobriu que 30% deles pretendiam votar branco ou nulo no primeiro turno e resolveu se posicionar. Em um vídeo, ele afirmou que poderia “jogar a toalha”, fechar as portas e sair do País, demitindo seu quadro de 15 mil profissionais, caso o candidato não vencesse as eleições. Mas, em 3 de outubro, recebeu uma advertência da Justiça. Na ocasião, o juiz Carlos Alberto Pereira de Castro, da 7a Vara do Trabalho de Florianópolis, impôs uma multa de R$ 500 mil à Havan caso a companhia pressionasse seus funcionários
a votar em Bolsonaro. “Na Havan, você tem uma gestão que é temerária”, diz Marcos Bedendo, professor de branding da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “Quando uma pessoa toma uma posição tão forte assim, tem muito mais a perder do que a ganhar. Naturalmente, isso gera uma animosidade contra a empresa.”
Para comemorar o desempenho de Bolsonaro, que obteve 57,7 milhões de votos pelo País, o dono da Havan anunciou um plano de investimento estimado de R$ 500 milhões para 2019. O comunicado foi realizado em suas mídias sociais, ao som de “Eu voltei”, clássico de Roberto Carlos. Em vídeo, o empresário prometeu gerar 5 mil empregos por meio da inauguração de 20 lojas, que estarão distribuídas por São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O aporte também inclui a ampliação e automação do centro de distribuição da rede, localizado em Barra Velha (SC). “Precisávamos de direção, de confiança e de segurança para voltar a crescer e trabalhar por um Brasil melhor”, disse Hang. “Vamos ajudar o presidente Bolsonaro a tirar o Brasil da crise.” Em 2017, ele já havia feito algo parecido, quando anunciou a meta de investir R$ 2 bilhões para chegar a 200 lojas, até 2022. Hoje, a varejista conta com 117 unidades e pretende alcançar uma receita de R$ 7 bilhões neste ano.
Em 18 de outubro, uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo afirmou que a Havan seria uma das empresas responsáveis pelos disparos de fake news contra o PT no WhatsApp, durante o período eleitoral. Cada contrato para a disseminação de centenas de milhões de mensagens chegaria a custar R$ 12 milhões, segundo a denúncia. Hang negou as acusações.“As empresas sempre participaram e sempre vão participar desse jogo”, diz Carlos Caldeira, professor de estratégia do Insper. “Elas só não podem achar que vão ter vantagens, principalmente em termos de contratos com o governo, pois isso é ilegal.” Em 28 de agosto, antes do primeiro turno das eleições, Bolsonaro postou um vídeo em seu perfil no Twitter no qual Hang e Mário Gazin pediam votos para ele. Na época, o fundador do Grupo Gazin declarou que Bolsonaro teria de vencer a eleição no primeiro turno para que os empresários não tivessem que gastar mais dinheiro para colaborar com a sua campanha.
Em meio a esse alvoroço, outra manifestação em prol do candidato veio à tona em uma carta de Pedro Joanir Zonta, presidente da rede de supermercados Condor. No memorando repassado aos funcionários do grupo, em 2 de outubro, Zonta elenca as razões para o voto em Bolsonaro e também seus motivos para “não votar na Esquerda”. Entre os pontos defendidos por ele estavam a proteção aos princípios da família, a luta contra o aborto e contra a sexualização infantil, e a redução da maioridade penal. “A ideia dessas empresas era de um voto de
Quem gera empregos não é o governo, e sim a iniciativa privada. Vamos acelerar. Nós somos responsáveis por tirar o Brasil do atoleiro ”
LUCIANO HANG, DONO DA REDE DE LOJAS HAVAN
confiança para o Paulo Guedes, que conduziria um time mais liberal”, diz Patricia Krause, economista da Coface para América Latina. “A confiança dos empresários é em torno de um ambiente de negócios mais favorável.”
Curioso, no entanto, é que poucos desses empresários tenham aparecido na lista de doadores na prestação de contas da campanha de Bolsonaro, disponível no site do TSE. Em 29 de outubro, o portal declarava que o candidato do PSL recebeu R$ 4.150.097,17 durante o processo. Desse montante, R$ 3.728.964,00 foram recebidos via financiamento coletivo. Zonta, por exemplo, declarou ter doado R$ 4 mil. Se somado às doações de outros membros da família, essa quantia salta para R$ 12 mil. Nada comparado, por exemplo, às doações realizadas por ele ao Delegado Francischini (PSL), eleito deputado federal no Paraná: R$ 51 mil. Hang e Gazin, no entanto, não aparecem na lista de doações do novo presidente. O dono da Havan contribuiu com R$ 160 mil a cinco candidatos, a maior parte, para Ratinho Jr. (PSD), eleito governador do Paraná. Gazin e outros integrantes da família doaram R$ 300 mil ao DEM de Mato Grosso e a outros candidatos. Apoiador do militar, Sebastião Bomfim Filho, presidente da Centauro, não doou oficialmente a Bolsonaro. Mas gastou R$ 348 mil com outros 13 candidatos.
Essa foi a primeira eleição presidencial sem a doação de pessoas jurídicas aos candidatos. Antes, a lei permitia a doação de empresas e fixava o limite em até 2% do faturamento bruto do ano anterior ao da eleição. Pelas novas regras do TSE,
ficou estabelecido que os recursos podem ter três origens: o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas Eleitorais (FEFC), o Fundo Partidário e doações
voluntárias de pessoas físicas. “De modo geral, eu acho muito positivo que a nossa legislação não permita que a empresas doem para as campanhas”, diz Bebendo. “Uma companhia deve ser amoral e apolítica. Quando apoia um candidato é porque tem algum interesse.”
Quem também tinha presença garantida nos diversos encontros realizados entre Bolsonaro e empresários durante o período eleitoral era Salim Mattar, presidente do Conselho de Administração da Localiza. O empreendedor mineiro declarou apoio ao candidato e doou R$ 700 mil para a campanha de Romeu Zema (Novo), eleito governador de Minas Gerais. Sua empresa também acabou surfando a onda de crescimento do novo presidente. De 31 de julho a 30 de outubro, as ações da Localiza registraram uma valorização de 16,8%. “Com uma economia melhor, a Localiza ganha nas duas pontas. Ela vai poder alugar mais carros para o consumidor e ainda terá valorização deles, conseguindo colocar no mercado secundário com uma margem boa”, afirma Galdi. Na noite de 29 de outubro, a deputada federal eleita Joice Hasselmann (PSL- SP) encontrou-se com um grupo de empresários paulistas de diversos setores. Participaram desse encontro empreendedores próximos ao presidente, como Bomfim Filho; Flávio Rocha, dono da Riachuelo; e Alberto Saraiva, fundador do Habib’s. No jantar, eles se queixaram da falta de acesso a Bolsonaro e demonstraram receio de perderem espaço no novo governo. Com apoio de tantos empresários, será que o PSL também adotará a política do “toma lá dá cá”?
Paulo Guedes, que é o mentor econômico de Bolsonaro, é um indivíduo espetacular ”
SALIM MATTAR, SÓCIO-FUNDADOR DA LOCALIZA